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“Sem regulamentação, corrida mínima que hoje custa R$ 5,62 pode cair para R$ 3”: debates para regular apps devem voltar em fevereiro

Para presidente de sindicato chamar de microempreendedor quem não tem funcionários, aluga um carro por R$ 4 mil ou está preso a um financiamento de 48 prestações não faz sentido.

Leandro da Cruz Medeiros
Foto: Leandro da Cruz Medeiros

Leandro Medeiros, presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transportes Terrestres Intermunicipal do Estado de São Paulo (S.T.A.T.T.E.S.P), começou como motorista de aplicativo em 2017 após perder o emprego na área administrativa. Com experiência sindical, percebeu a necessidade de organização da categoria diante da falta de regulamentação e do desrespeito das plataformas às leis vigentes. 

Desde 2018, o sindicato atua na defesa dos motoristas, buscando regulamentação, garantia de direitos e melhores condições de trabalho. Entre os desafios, Medeiros destaca a resistência de parte dos motoristas à organização sindical e a disputa desigual com as empresas de aplicativos. Ele reforça a importância da união da categoria para conquistar avanços, como a troca de frota e a implementação de um valor mínimo por corrida, além de benefícios para os trabalhadores sindicalizados. 

Confira abaixo a entrevista completa com o presidente do Sindicato dos Trabalhadores com Aplicativos de Transportes Terrestres Intermunicipal do Estado de São Paulo, Leandro Medeiros:

Leandro, o objetivo da nossa conversa é entender um pouco mais sobre o sindicato e o seu trabalho. Para começar, como você se tornou motorista de aplicativo e como chegou à presidência do sindicato dos motoristas de aplicativo de São Paulo?

Leandro Medeiros: Eu trabalhava na área administrativa, mas em 2016 acabei ficando desempregado. Passei 2017 sem trabalho e, nesse período, comecei a atuar como motorista de aplicativo. Com o tempo, percebi as dificuldades enfrentadas pelos motoristas, especialmente no que diz respeito à organização da categoria.

Como já tinha experiência no movimento sindical, pois vinha de outros sindicatos, especialmente o dos condutores de São Paulo, reuni alguns amigos e motoristas conhecidos. Percebemos que a única forma de enfrentar as plataformas era através da organização sindical, pois elas não respeitam nenhuma legislação. Um exemplo recente foi a chegada da Uber Moto e da 99 Moto em São Paulo. Mesmo com uma lei que proíbe o funcionamento desse tipo de serviço na cidade, elas seguem operando, ignorando as regras.

Diante disso, em 2018 criamos o sindicato e, desde então, estamos lutando contra as plataformas, seja por meio de processos judiciais, seja buscando regulamentação para garantir os direitos dos trabalhadores. Na última sexta-feira, inclusive, tivemos uma reunião com o vice-presidente da República, Geraldo Alckmin, que também é ministro da Indústria. Dessa reunião, saímos com uma diretriz para viabilizar a troca de frota dos motoristas. Hoje, muitos trabalhadores dependem de locadoras de veículos que cobram aluguéis abusivos, então esse é um ponto crucial para a categoria.

E você ainda atua como motorista de aplicativo?

Leandro Medeiros: No momento, não mais. Desde que assumi o cargo de presidente do sindicato, minha rotina mudou completamente. Trabalhei como motorista por dois anos, mas, desde então, estou focado na luta sindical. Não sobra tempo para rodar como antes. De vez em quando, faço uma ou duas horas de corrida para entender como está a situação nas ruas, mas nada comparado a quando trabalhava 10 ou 12 horas por dia.

Quais são os maiores desafios de estar à frente do sindicato?

Leandro Medeiros: A maior dificuldade é a cobrança por parte dos próprios trabalhadores, que muitas vezes não entendem a importância da luta sindical. Para se ter uma ideia, há motoristas que são contra o sindicato sem perceber que, ao fazer isso, estão indo contra seus próprios interesses.

O sindicato é formado pelos trabalhadores, e os trabalhadores são o sindicato. Nenhuma categoria profissional conseguiu direitos sem organização e luta. No jornalismo, por exemplo, houve uma trajetória de regulamentação até que direitos fossem garantidos. Isso não acontece da noite para o dia, nem porque os patrões decidiram oferecer benefícios espontaneamente. Tudo foi conquistado com muita luta.

Eu costumo dizer que o sindicato é a última barreira contra a exploração dos trabalhadores. Se não houver alguém lutando por eles, as empresas continuarão explorando e impondo condições cada vez piores. Hoje, as empresas de aplicativos só se preocupam com os clientes. Elas brigam entre si para oferecer preços mais baixos ao passageiro, e quem paga essa conta é o motorista, que fica em segundo, terceiro, quarto plano.

Por isso, sempre reforçamos: uma categoria organizada é uma categoria com direitos adquiridos.

Por que você acha que há essa resistência dos motoristas em relação ao sindicato?

Leandro Medeiros: Essa é uma questão difícil de entender. Muitos motoristas vieram de outras profissões organizadas, onde os sindicatos foram fundamentais para garantir direitos. Será que eles acham que os benefícios que tinham na CLT, como décimo terceiro, férias e participação nos lucros, foram concedidos espontaneamente pelos patrões? Claro que não. Tudo isso foi conquistado por meio de mobilização e luta.

O problema é que muitos trabalhadores veem o sindicato como se fosse um órgão do governo ou algo separado deles. Mas o sindicato é, na verdade, uma ferramenta dos próprios trabalhadores. Quando negociamos um acordo coletivo, por exemplo, realizamos assembleias para ouvir a categoria e definir as reivindicações antes de apresentá-las às empresas.

No entanto, se os motoristas não se organizam, a luta se torna muito mais difícil. Um exemplo claro disso é a questão da troca de frota. No projeto de lei em discussão, há uma proposta para garantir aos motoristas de aplicativo o mesmo desconto que os taxistas têm na compra de veículos. Mas como alguém pode querer esse benefício e, ao mesmo tempo, ser contra a regulamentação da categoria? Não faz sentido. Se você quer direitos, precisa se organizar.

Pode dar um exemplo concreto de como a regulamentação ajudou outra categoria?

Leandro Medeiros: Claro. O sindicato dos motoboys de São Paulo, liderado pelo Gil, que é meu amigo, conseguiu há alguns anos uma linha de crédito de 100 milhões de reais para a troca de frota de motocicletas. Isso só foi possível porque a categoria estava organizada e regulamentada.

Se os motoristas de aplicativo querem ter benefícios similares aos dos trabalhadores com carteira assinada, precisam entender que isso só será conquistado com mobilização e regulamentação. Sem isso, continuaremos enfrentando dificuldades para garantir direitos básicos.

Vocês estão articulando com o governo a retomada do debate sobre a regulamentação nas audiências públicas?

Sim, sim. Em fevereiro, será retomada a organização da mesa de negociação, e essa será mais uma luta dos trabalhadores. Acreditamos que vamos conseguir avanços, pois a regulamentação é essencial. Não dá para continuar como está hoje.

Como mencionei antes, as empresas estão brigando pelo cliente, e o trabalhador precisa entender o impacto disso. Se a disputa entre as plataformas continuar sendo baseada no menor preço, uma corrida que hoje custa R$ 5,62 pode cair para R$ 4, depois para R$ 3, e assim por diante. Elas reduzem o valor para atrair clientes, mas quem paga essa conta é o motorista.

Com uma regulamentação estabelecendo, por exemplo, um valor mínimo de R$ 10 por corrida, a lógica muda. Em vez de reduzir os preços para atrair passageiros, as plataformas vão disputar para ter mais motoristas disponíveis para atender a demanda. Isso significa que o trabalhador poderá ganhar mais. É esse o ponto que sempre tentamos esclarecer.

Vocês acreditam que até o final do ano a regulamentação será aprovada?

Acreditamos que sim e estamos lutando para isso. Mas é fundamental que os motoristas não caiam em fake news, pois esse tem sido um grande problema.

Vejo que vocês entrevistam youtubers e influenciadores, e muitos deles vendem uma realidade distorcida. Alguns falam que ganham R$ 1.000 por dia, outros dizem que fazem R$ 30.000 por mês. Isso cria uma ilusão para os motoristas, que na prática percebem que a realidade é bem diferente.

Sempre deixamos claro que, se alguém quer saber a verdade, deve procurar o movimento sindical. Esses influenciadores não têm compromisso com a luta da categoria. Se a regulamentação der errado e os motoristas continuarem sendo prejudicados, o que esses influenciadores vão fazer? Seguir com suas vidas, porque eles não têm nenhuma responsabilidade em organizar a categoria.

O sindicato, por outro lado, tem esse compromisso. Nosso papel é estruturar a luta e garantir direitos reais para os motoristas. Seria como eu, que sou do setor de transporte, tentar interferir na organização dos açougueiros. Eu não tenho experiência na área e só atrapalharia o movimento deles. O mesmo acontece com esses influenciadores, que muitas vezes acabam dificultando o debate ao invés de ajudar. Em vez de unirem os trabalhadores em prol da própria categoria, acabam desmobilizando e confundindo.

O que os motoristas de aplicativo precisam lutar para conquistar agora? O que o sindicato está buscando para eles?

Uma das nossas principais bandeiras é a troca de frota. Nesta sexta-feira, teremos uma reunião com o vice-presidente Geraldo Alckmin para discutir a criação de uma linha de crédito para os motoristas. O objetivo é permitir que eles possam comprar seus próprios veículos e sair da dependência das locadoras, que hoje cobram valores abusivos.

Atualmente, um motorista paga cerca de R$ 4.000 de aluguel por mês e ainda precisa tirar o sustento da família. Isso é inviável. A regulamentação é outra pauta fundamental. No fim do ano passado, estivemos no STF defendendo os trabalhadores e apresentamos dez mudanças no Projeto de Lei, incluindo o estabelecimento de um ganho mínimo por quilômetro e por tempo trabalhado. Também propusemos diversos benefícios para os motoristas.

Além disso, estamos entrando com ações civis públicas e processos no Ministério Público do Trabalho para tratar da saúde dos motoristas. Esse é um tema que quase ninguém discute, mas que é fundamental. Hoje, muitos motoristas trabalham 12, 14 horas por dia e acabam desenvolvendo doenças relacionadas à jornada exaustiva. E como fica a vida desse trabalhador? Ele não tem acesso a nenhum tipo de benefício ou proteção social.

Estamos lutando para que os motoristas sejam reconhecidos como trabalhadores de fato, e não como microempreendedores. Não faz sentido chamar alguém de microempreendedor se ele não tem funcionários, se precisa alugar um carro pagando R$ 4.000 por mês ou se está preso a um financiamento de 48 prestações. Esse modelo de trabalho imposto pelas plataformas não pode continuar assim.

O que os motoristas precisam entender é que as empresas de aplicativos têm, sim, responsabilidade sobre eles. E é por isso que precisamos lutar. Mas essa luta só será vitoriosa se os trabalhadores estiverem ao lado do movimento sindical.

Quais foram as maiores conquistas do seu sindicato?

Só para você ter uma ideia, você lembra daquele processo durante a pandemia em que os motoristas que precisavam ficar em casa por estarem doentes recebiam um auxílio das plataformas de até R$ 1.500? Esse benefício foi conquistado graças à ação do nosso sindicato.

Hoje, os trabalhadores que são sócios do sindicato têm direito a telemedicina e a um plano odontológico. Além disso, os associados podem usufruir da colônia de férias, têm acesso a recursos para contestação de multas e contam com assessoria jurídica. Nosso sindicato já moveu mais de 20 mil processos contra as plataformas.

Oferecemos muito mais benefícios aos trabalhadores do que qualquer outra organização que apenas promete soluções sem entregar resultados. Um exemplo disso é o desconto no seguro do veículo: os sócios do sindicato podem economizar de 20% a 30% no valor do seguro. Aqui, os motoristas encontram transparência e benefícios reais.

Nos fale um pouco mais sobre a estrutura do sindicato.

Se você é de São Paulo, eu te convido a visitar o nosso sindicato para conhecer a nossa estrutura e ver como tratamos bem os trabalhadores. Nossa sede, localizada no Tatuapé, tem três andares e está muito bem equipada para atender as necessidades da categoria.

Muitos criticam os sindicatos sem sequer conhecer o que realmente fazemos. Aqui, no nosso sindicato, temos um espaço estruturado e um atendimento de qualidade. Os motoristas que vêm até nós percebem isso na prática.

O que um motorista de aplicativo precisa fazer para se sindicalizar?

O processo é bem simples. Basta fazer uma adesão e se filiar ao sindicato. Se o motorista quiser apenas fazer parte da organização sem utilizar os benefícios, ele não precisa pagar nada.

Agora, se quiser acessar serviços como atendimento médico e odontológico, pode aderir a um convênio por um valor simbólico de R$ 45. Com isso, ele tem direito a um plano odontológico, telemedicina e exames de sangue. Se ele fosse contratar esses serviços diretamente no mercado, pagaria muito mais caro.

Além disso, os sócios do sindicato também têm acesso à colônia de férias e descontos em diversos serviços. Para exemplificar, um motorista que paga R$ 300 no seguro do veículo pode conseguir um desconto mínimo de R$ 60 ao fazer a adesão ao sindicato. Isso significa que o valor investido na associação retorna para ele em forma de benefícios.

O processo de inscrição é simples?

Sim, muito simples. Basta comparecer ao sindicato, preencher uma ficha com nome, CPF e os demais dados básicos, e formalizar a adesão.

Qual seria a sua mensagem final para os motoristas de aplicativo?

Quero alertar os trabalhadores para não caírem em fake news. Infelizmente, isso atrapalha muito a luta e dificulta as conquistas da categoria. As vitórias não são do sindicato, são dos trabalhadores.

Se o motorista tiver qualquer dúvida, deve procurar o sindicato. Estamos iniciando um grande cadastro para a troca de frota, pois precisamos entender a real situação dos motoristas. Quem for de São Paulo pode nos procurar diretamente, e quem estiver em outras regiões deve buscar os representantes sindicais espalhados pelo Brasil.

Essa luta é de todos. A união dos motoristas com o sindicato é essencial para garantir melhores condições de trabalho e mais direitos para a categoria.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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