Pesquisar

“A categoria não entende seus direitos e aceita o mínimo”, diz Rodrigo Lopes

ponto de exclamacao .png
Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Rodrigo Lopes, presidente do SEAMBAPE, em evento relacionado aos direitos dos entregadores por aplicativos em Pernambuco.
Rodrigo Lopes, presidente do SEAMBAPE, durante evento voltado aos trabalhadores de aplicativos de entrega.

O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos por Aplicativos de Pernambuco (SEAMBAPE) fala sobre sua jornada e opiniões.

O Sindicato dos Trabalhadores Autônomos por Aplicativos de Pernambuco (SEAMBAPE) surgiu como resposta às demandas de entregadores por melhores condições de trabalho e representação sindical. 

Liderado por Rodrigo Lopes, presidente do sindicato, o SEAMBAPE tem como foco a regulamentação da atividade, a defesa de direitos e a organização da categoria em um cenário marcado por transformações no mercado de trabalho. 

Em entrevista exclusiva à equipe do 55content, Rodrigo Lopes relata os principais desafios enfrentados na criação do sindicato, o papel da entidade nas negociações com empresas e governo, e os caminhos percorridos pela categoria em busca de maior representatividade e reconhecimento.

Fundação do SEAMBAPE

Rodrigo Lopes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Autônomos por Aplicativos de Pernambuco (SEAMBAPE), iniciou sua jornada profissional cedo, aos 12 anos, carregando compras em supermercados. Com o tempo, ocupou diferentes funções, como gari. “Eu comecei carregando frete, ganhando um real, cinquenta centavos. Depois fui gari e, com isso, comprei minha primeira moto”, conta ele.

A experiência como motofretista despertou sua indignação com a falta de direitos e com acordos sindicais que, segundo ele, prejudicavam os trabalhadores. “Com a sanção da lei do motofretista sobre a periculosidade, o sindicato local fez um acordo para pagar isso como ajuda de custo, fora do contracheque. Isso significava que o trabalhador não teria férias, décimo terceiro, FGTS ou INSS. Era um prejuízo enorme.”

Motivado por essas circunstâncias, Rodrigo começou a mobilizar outros trabalhadores. Em 2017, ele fundou a Associação dos Motoristas e Motofretistas por Aplicativos de Pernambuco (AMAPE-PE), que logo ganhou força. “Criamos uma entidade jurídica, sem fins lucrativos, que atraiu advogados, sindicalistas e pesquisadores para nos orientar. A partir disso, começamos a organizar a categoria de forma mais estruturada.”

A fundação do sindicato veio após anos de desafios e articulações. Rodrigo explica como enfrentou resistências de sindicatos tradicionais e empresas. “Havia ameaças, perseguições e tentativas de me deslegitimar. Mas conseguimos criar o Sindicato, enfrentando acordos que não favoreciam os entregadores.”

O SEAMBAPE foi reconhecido oficialmente em 2021 e, desde então, tem participado de debates nacionais e internacionais sobre a regulamentação da categoria. Rodrigo destaca a importância de garantir direitos básicos aos trabalhadores por aplicativos. “A categoria movimentou a economia durante a pandemia, mas ainda carece de regulamentação e reconhecimento. Nosso objetivo é mudar essa realidade.”

Papel nos debates da regulamentação

Rodrigo destacou a importância da regulamentação da categoria, uma promessa de campanha do presidente Lula. Ele relatou sua participação nas negociações coletivas como integrante da mesa tripartite. “Por eu já ter feito um trabalho juntamente com a CUT aqui em Pernambuco e no Brasil, me indicaram para participar da organização da regulamentação da categoria”, explica.

Durante as discussões na mesa tripartite, Rodrigo enfrentou resistência de outros sindicatos e recebeu críticas por liderar um sindicato recém-criado. “Diziam: ‘Ah, ele não tem carta sindical, não tem isso, não tem aquilo, não tem dinheiro e está aqui na mesa.’ Mas eu argumentava: ‘Nosso sindicato, mesmo recém-nascido, já tem mais de 2.000 filiados. Eu estou aqui porque a categoria me colocou aqui.’”

Rodrigo enfatizou a necessidade de educação e capacitação para fortalecer a categoria. “Enquanto o trabalhador não entende, não é formado, não é capacitado, ele vai ser contra qualquer organização que seja a favor dele. É normal, porque, se eu não entendo qual é a função de um sindicato, como vou apoiar?”

Ele também mencionou os preconceitos enfrentados por lideranças como ele e outras minorias dentro do movimento sindical. “Existe preconceito contra jovens, mulheres, LGBT. Já fui questionado por um presidente de sindicato: ‘Tá fazendo o que aqui, Rodrigo? Veio fazer entrega?’ Foi uma forma de dizer que eu não deveria estar naquele espaço.”

Rodrigo chamou atenção para as dificuldades enfrentadas pelos trabalhadores, como a falta de educação financeira. Ele comparou os ganhos de motoristas de carro e motoqueiros para ilustrar a situação. “O motorista faz R$6.000 no mês, mas, depois de descontar os custos com manutenção e combustível, sobra o mesmo que para um motoqueiro, cerca de R$2.000. A diferença é duas rodas a mais ou duas rodas a menos.” Segundo ele, a falta de formação e capacitação financeira impede que a classe trabalhadora compreenda sua realidade econômica de maneira mais eficiente. 

Durante as negociações na mesa tripartite, surgiu uma divisão entre motoristas e entregadores. Lopes explicou que, enquanto os motociclistas buscavam avançar com pautas relacionadas ao tempo disponível, os motoristas decidiram seguir por outro caminho. “Os motoristas acharam que não deveriam caminhar junto com a gente. Separaram, virou duas mesas: uma de motoristas e outra de entregadores.”

Segundo Rodrigo, essa separação ocorreu sob influência de lideranças que pressionaram os motoristas a fechar um acordo com as empresas. “Eles resolveram fechar um acordo onde o trabalhador só recebe pela corrida trabalhada. Assim que termina a corrida, é só aquilo que ele ganha. Isso é um perigo que nós não quisemos carregar nas costas.”

Rodrigo argumentou que o tempo em que o trabalhador fica disponível para as empresas deveria ser remunerado. Ele usou exemplos de outras profissões para ilustrar seu ponto. “É como se um recepcionista de hotel só ganhasse quando tivesse um quarto ocupado, ou um vendedor de sapatos só recebesse pelo sapato vendido. O tempo disponível precisa ser valorizado.” A decisão, segundo Rodrigo, pode criar precedentes para outras categorias. “Se aplicativos podem pagar só pela corrida, outras áreas, como hotelaria ou escolas particulares, podem tentar pagar apenas pelo serviço realizado, e não pelo tempo de trabalho.”

Para defender a categoria dos entregadores, Rodrigo relatou a necessidade de preparo. “Eu tive que fazer uma faculdade de direito do trabalho em seis meses. Estudei sobre CLT, legislação e direitos para enfrentar as empresas na mesa tripartite. Elas levavam 10 advogados, enquanto eu não recebia nada, nem salário. Apenas hospedagem e alimentação.”

Mesmo diante das dificuldades, ele destacou a importância da base. “O que nos sustentou foi a luta da categoria. Fizemos protestos pela hora logada, pelo tempo disponível, e continuamos indo para a frente.”

Rodrigo também criticou a desvalorização e falta de capacitação dos trabalhadores. “A categoria é descredibilizada, não é capacitada. Na minha visão, isso é proposital. Enquanto o povo for ignorante, é mais fácil continuar controlando tudo.”

Lopes destacou a importância da conscientização da categoria sobre seus direitos trabalhistas e as condições enfrentadas. Ele observou que a falta de conhecimento leva muitos trabalhadores a aceitarem condições desfavoráveis, como a escala 6 por 1. “A categoria, por não entender, por não se conscientizar, por não aprender, acaba aceitando o que tem. Aceita o mínimo, e tá bom para ela. Só que esse mínimo não é viver, é sobreviver.”

No contexto das negociações, ele explicou que o SEAMBAPE recusou acordos que não incluíssem garantias para o tempo disponível dos trabalhadores. “A gente diz: ‘Ou bota o tempo disponível no projeto de lei, para que possa ser negociado, ou não tem acordo.’ O que a gente quer é isso: que o tempo disponível esteja no texto. Ele precisa estar lá.”

Segundo Rodrigo, a proposta inicial das empresas era pagar R$10 por hora trabalhada, mas cálculos mostraram que o valor necessário seria mais que o dobro. “Chegamos ao valor de R$24 por hora, considerando custos como pneu, alimentação e água. Depois, chegaram a propor R17, mas queriam exclusividade. Eu disse: ‘Então contrata ele como CLT. Assim, ele fica à sua disposição.’”

Ele relatou as dificuldades enfrentadas nas negociações, incluindo críticas e pressões para aceitar propostas que não atendiam às necessidades dos trabalhadores. “O próprio governo começou a criticar a gente, dizendo: ‘Se vocês não aceitarem o acordo, vão ficar de fora da mesa tripartite.’ Foi uma luta.”

Rodrigo também expressou preocupação com possíveis mudanças legislativas que possam incluir entregadores em projetos de lei originalmente voltados para motoristas de veículos de quatro rodas. “Estamos muito atentos a isso. Se criarem uma emenda dizendo ‘e outros trabalhadores do setor’, isso já nos engloba.”

Apesar das dificuldades, ele ressaltou o compromisso com a luta por melhores condições e a necessidade de resistir a acordos desfavoráveis. “Eu tive que abrir mão de momentos com minha família para ficar dentro de um acampamento, estudando e me preparando. Tudo isso para fazer esse enfrentamento.”

Participação no G20

Segundo Rodrigo, o SEAMBAPE foi o único sindicato brasileiro a participar do G20, um evento que reuniu representantes de diversos países para debater questões econômicas e sociais. “ Aproveitamos o G20 para nos expressar para o Brasil e para o mundo.”

Rodrigo, que tem formação em administração e experiência na elaboração de projetos voltados para trabalhadores, aproveitou o evento para apresentar a história e as ações do SEAMBAPE. “Lá, expliquei tudo: a história do SEAMBAPE, a luta da categoria.”

O evento contou com 127 participantes, cada um com seu fone de ouvido para acompanhar as apresentações. Rodrigo destacou o impacto positivo de sua participação. “As pessoas que estavam lá se encantaram com a forma como fiz o debate, a palestra, como expus as informações. Tinha jovens e até crianças prestando atenção, comentando: ‘Poxa, que interessante.’”

Desafios do trabalho por aplicativo

Rodrigo Lopes refletiu sobre as promessas iniciais do trabalho por aplicativo e como a realidade se transformou ao longo do tempo. Segundo ele, a ideia de criar um novo conceito para motoristas e entregadores surgiu em 2014, mas faltou planejamento para regulamentar o setor e proteger os trabalhadores. “Ninguém pensou no futuro dessa ideia. Não pensaram em criar uma lei que limitasse a quantidade de motoristas e entregadores, como é feito com os táxis.”

Com o crescimento dos aplicativos, Rodrigo destacou os desafios enfrentados pelos motoristas e entregadores. Ele observou que a expansão das plataformas gerou situações de precariedade. “Os motoristas do UberX, que são os que ganham menos, estão mais massacrados. E, com os entregadores, a situação ficou ainda pior. O aumento dos aplicativos trouxe um alto índice de acidentes e mortes sobre duas rodas.”

Além dos riscos à segurança, Rodrigo chamou atenção para os problemas enfrentados pelos entregadores em suas interações com clientes. “Muitos são bloqueados sem direito de resposta. Moradores de prédios acham que têm o direito de criticar, xingar e até bater no entregador porque ele não quis subir para entregar, ou porque pediu o código para finalizar a entrega.”

Outro ponto destacado foi o modelo de remuneração das plataformas, que, segundo Rodrigo, prejudica os trabalhadores. “Eu sou dono do meu carro, da minha moto, da minha habilitação, da minha água, da minha revisão, tudo meu: minha internet, e a empresa é quem diz o valor que eu tenho que trabalhar.” Ele comparou essa prática com situações de negociação em outras profissões. “Se eu pintar um quarto, eu dou o valor. Mas os aplicativos determinam, e, se eu cancelar três corridas, eu fico bloqueado.”

Rodrigo também enfatizou a importância de capacitar a categoria como forma de fortalecer a luta coletiva. Ele relatou uma iniciativa recente, que reuniu entregadores de cinco estados para discutir direitos e estratégias de negociação. “A gente faz palestra, fala tudo isso que falei para você aqui. A categoria sai com a cabeça muito diferente, sai com outra visão.”

Ele concluiu apontando a necessidade de união e resistência para enfrentar as dificuldades impostas pelas plataformas. “Se tivesse uns 30 Rodrigos no Brasil com essa visão, com essa força de formar, fazer enfrentamento, o debate hoje seria totalmente diferente.”

Futuro do trabalho

Lopes compartilhou suas perspectivas sobre o futuro do trabalho por aplicativos, destacando a necessidade de conscientização e valorização dos profissionais. “Eu penso no futuro do trabalho como se estivesse pensando no futuro dos meus filhos, dos meus netos, dos meus bisnetos”, afirmou.

Ele exemplificou como a falta de valorização afeta diversas categorias profissionais, como diaristas e advogados iniciantes. “Se uma faxineira tiver a visão de valorizar o próprio trabalho — ‘Eu faço um serviço bom e persistirei nisso’ —, o cliente que valoriza um bom trabalho vai pagar por isso. É a mesma lógica para advogados. Quem se valoriza, avança.”

Rodrigo acredita que a formação e capacitação são essenciais para o avanço da categoria e para a melhoria das condições de trabalho. “Ou a gente forma a categoria e prepara a nossa sociedade brasileira, ou a gente não vai avançar. É isso que falta. Por que não fazer campanhas para defender mais direitos do trabalhador? Por que não usar a comunicação para pressionar pela melhoria da classe?”

Ele também ressaltou seu compromisso com a luta pelos direitos dos trabalhadores, independentemente dos desafios enfrentados. “Eu quero dormir com minha consciência tranquila. Eu quero fazer aquilo que é certo. Mesmo que eu saia do sindicato, vou continuar lutando. Se alguém quiser sair da linha, que saia. Eu não saio.”

Por fim, Rodrigo destacou o papel da democracia no movimento sindical, incentivando disputas eleitorais justas e transparentes. “Se eu tiver que perder e outra pessoa entrar, beleza. Mas a pessoa que assumir essa cadeira vai me enfrentar, porque eu vou cobrar. Isso é democracia.”

Foto de Anna Julia Paixão
Anna Julia Paixão

Anna Julia Paixão é estagiária em jornalismo do 55content e graduanda na Escola Superior de Propaganda e Marketing.

Pesquisar