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“O ‘novo’ é bem-vindo, desde que respeite a dignidade do trabalhador”, afirma advogado

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Homem com barba, vestindo terno e gravata, em um ambiente externo com plantas e edifício ao fundo.
Rafael Duarte, advogado trabalhista

Advogado defende que uma regulamentação equilibrada pode garantir dignidade e segurança aos trabalhadores.

A relação trabalhista entre entregadores de aplicativos e as empresas de delivery permanece envolta em controvérsias e lacunas legais no Brasil. 

O advogado trabalhista Rafael Duarte avalia que a ausência de uma regulamentação específica para o setor tem levado os tribunais a decidir caso a caso, analisando se os critérios de vínculo empregatício definidos no artigo 3º da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) (subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade) estão presentes.

“Há um vácuo na legislação trabalhista no tocante a essa nova relação de trabalho envolvendo os trabalhadores de aplicativos de entrega. Na falta de uma intervenção legislativa para enquadrar a inovação, tem cabido aos Tribunais Trabalhistas julgarem caso a caso”, afirma Duarte.

Duarte observa que a interpretação atual depende do entendimento de cada tribunal, mas destaca que o governo federal vem buscando aprovar o Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024. 

A proposta estabelece uma carga horária máxima de 12 horas diárias em cada aplicativo, contribuição ao INSS compartilhada entre trabalhadores e empresas, e uma remuneração mínima de R$32,10 por hora. Apesar disso, a iniciativa tem enfrentado resistência entre os próprios motoristas, que temem prejuízos financeiros: “O projeto não conta com a adesão dos trabalhadores, que consideram que terão perdas pecuniárias caso seja aprovado e sancionado”, pontua o advogado.

CLT e trabalho autônomo: prós e contras

Ao comparar o regime celetista com o modelo autônomo, Duarte explica que o trabalhador contratado pela CLT possui garantias como FGTS, seguro-desemprego e férias remuneradas, enquanto o autônomo tem maior flexibilidade e pode prestar serviços a várias empresas. 

Contudo, ele alerta para a vulnerabilidade dos autônomos em situações como acidentes de trabalho: “Estar enquadrado no regime da CLT confere ao trabalhador os direitos e garantias constitucionalmente previstos. Por outro lado, ser autônomo propicia flexibilidade de trabalho e a oportunidade de ser o seu próprio chefe, mas, em caso de acidente, o autônomo fica ao relento do acaso e da própria sorte”, diz Duarte.

Segundo Duarte, é possível que entregadores autônomos tenham acesso a benefícios como seguro de saúde e proteção social por meio de contratos firmados diretamente com as empresas ou por regulamentação governamental específica: “Isso pode ser implementado desde que seja convencionado diretamente entre os trabalhadores e as empresas de delivery por meio de contrato ou por meio de uma regulamentação sancionada pelo governo federal.”

Para Rafael Duarte, os aplicativos de entrega operam em uma zona de interpretação aberta do Direito. Enquanto alguns defendem que a relação já seria enquadrada pela CLT, outros, incluindo o Supremo Tribunal Federal (STF), consideram que o modelo reflete novas formas de trabalho, baseadas na autonomia e livre iniciativa: “A CLT, por ser uma carta do ano de 1942 e reformada em parte em 2017, não acompanhou os avanços introduzidos pela economia moderna. Aqueles que defendem que a relação é de caráter empregatício argumentam que o artigo 3º da CLT já abrange os aspectos relacionados ao caso. Já a visão predominante no STF defende ser uma relação despida de elo empregatício, com base nas novas formas de trabalho não previstas na CLT”, explica Duarte.

Ele também questiona aspectos do modelo atual, como punições e limitações impostas aos entregadores. “Como dizer que o entregador é autônomo se ele pode ser punido com advertência, suspensão ou até mesmo banido pela empresa de delivery? Como dizer que ele é autônomo se ele não pode fixar o preço da corrida ou escolher livremente os passageiros?”

Caminhos para uma regulamentação específica

O advogado acredita que há espaço para uma regulamentação que contemple as particularidades da economia digital. Ele ressalta a necessidade de equilibrar as relações de trabalho, garantindo dignidade e segurança aos entregadores: “Vejo com muita delicadeza a precarização com que os entregadores de aplicativos são submetidos. Sem respeito à segurança de sua integridade física, jornadas desumanas e baixas remunerações, há uma relação desequilibrada de trabalho onde apenas um lado, o capital, segue auferindo vantagens em detrimento do trabalhador”, afirma.

Rafael Duarte conclui que a criação de uma regulamentação específica pode impulsionar avanços econômicos e sociais, mas enfatiza a importância de preservar os direitos dos trabalhadores no processo: “O ‘novo’ sempre é possível e bem-vindo, desde que respeitada a dignidade da pessoa humana do trabalhador. A subsunção do caso concreto ao artigo 3º da CLT é o que vai nortear se a relação de trabalho contém autonomia ou subordinação”, conclui.

Foto de Anna Julia Paixão
Anna Julia Paixão

Anna Julia Paixão é estagiária em jornalismo do 55content e graduanda na Escola Superior de Propaganda e Marketing.

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