Ian Rocha é hoje uma das principais vozes no segmento de motoristas de aplicativos. Formado em engenharia civil, ele se viu em meio ao desemprego e decidiu, temporariamente, trabalhar como motorista de aplicativo. O que começou como uma solução para pagar as contas se transformou em uma profissão que ele não apenas abraçou, mas também utilizou como base para alçar voos maiores, tornando-se influenciador digital. Seu canal no YouTube nasceu da necessidade de compartilhar informações úteis sobre o dia a dia de motoristas — um nicho até então pouco explorado.
Conciliando as demandas do trabalho como motorista e a criação de conteúdo para redes sociais, Ian encara desafios diários, desde a gestão de tempo até a criatividade em um mercado competitivo. Além de compartilhar dicas, Ian aborda temas sensíveis, como segurança e a realidade financeira da profissão, sempre com o objetivo de ajudar outros motoristas a navegarem pelos altos e baixos desse universo. Em uma conversa repleta de insights, ele compartilha suas experiências e reflexões sobre o setor e o papel de influenciador:
Ian, o motivo da nossa conversa hoje é entender mais sobre sua jornada como influenciador. Para começar, gostaria que você contasse como se tornou motorista de aplicativo e o que o motivou a começar a postar vídeos, tornando-se um dos grandes influenciadores nesse segmento.
Ian Rocha: Tudo começou devido ao desemprego. Na época, eu trabalhava como engenheiro civil, mas minha obra terminou e a empresa não tinha outra posição para me oferecer. Enquanto eu procurava emprego, percebi que o mercado de construção civil estava em baixa. Para não ficar parado, decidi me tornar motorista de aplicativo. No início, encarei isso como uma solução temporária, algo para me sustentar até encontrar outra oportunidade. Porém, com o tempo, comecei a gostar do trabalho, porque ele me proporcionava uma liberdade que eu não tinha como engenheiro.
Comecei a conhecer outros motoristas, participar de grupos no WhatsApp e estudar muito sobre o trabalho. Na época, era tudo novo, e havia pouca informação disponível. Então, eu planilhava os melhores horários, dias e lugares para trabalhar e compartilhava isso nos grupos. Foi aí que percebi a falta de conteúdo mais informativo no YouTube sobre a profissão de motorista de aplicativo. Pensei: “Já que compartilho essas informações nos grupos, por que não criar um canal no YouTube?”. Assim, comecei a produzir vídeos, compartilhando o que aprendi e estudei. Descobri que gostava disso e decidi investir na carreira de influenciador digital, conciliando com o trabalho de motorista.
Como você consegue conciliar os dois trabalhos hoje em dia? Tem uma rotina específica?
Ian Rocha: Não dá para trabalhar como antes, quando eu vivia apenas dos aplicativos. A internet exige muito tempo e dedicação. Por exemplo, algumas edições de vídeo levam de quatro a cinco horas, sem contar o tempo de gravação. Às vezes, gravo enquanto trabalho como motorista. Trabalho, gravo uma parte, volto a trabalhar, e depois edito tudo em casa.
Antes, eu trabalhava seis dias por semana, 10 a 12 horas por dia. Hoje, isso é inviável. Minha rotina inclui criar roteiros, gravar, editar vídeos e gerenciar conteúdos para o YouTube, Instagram e TikTok. Além disso, tenho parcerias que exigem reuniões e outras demandas. Como motorista, estabeleci uma meta semanal de faturar entre R$ 1.500 e R$ 2.000, o que me permite gerar conteúdo diretamente da experiência prática. Essa rotina balanceada é essencial para manter o canal relevante.
Atualmente, quantas horas você trabalha como motorista?
Ian Rocha: Trabalho de terça a sábado e foco em metas diárias de R$ 350 a R$ 400. Recentemente, troquei de carro, e isso me levou a ajustar minha rotina. Agora, saio mais cedo e trabalho mais horas para alcançar minhas metas. Ainda assim, continuo conciliando o trabalho de motorista com as demandas de criação de conteúdo.
Há quanto tempo você é motorista de aplicativo?
Ian Rocha: Desde junho ou julho de 2016. São aproximadamente oito anos e meio.
Você acha que ser motorista era mais fácil no passado?
Ian Rocha: Isso é um mito. Muitos dizem que antes era melhor porque a gasolina era mais barata e os custos menores, mas a demanda também era muito menor. Naquela época, ficávamos horas parados sem corridas, e as informações sobre como otimizar o trabalho eram praticamente inexistentes. Hoje, a demanda é maior, o que compensa, mesmo com os custos elevados. É verdade que sobra menos dinheiro no bolso por conta dos custos, mas pelo menos conseguimos trabalhar sem tantas pausas. Resumindo, o trabalho hoje é menos lucrativo, mas não diria que era mais fácil antes.
Sobre as mudanças na Uber, como o sistema de dinâmicas, o que você acha?
Ian Rocha: Antigamente, o sistema de dinâmicas funcionava por multiplicador, chegando a 4.5 vezes o valor da corrida. Hoje, isso mudou para valores fixos. Por exemplo, em Belo Horizonte, o máximo que vejo são dinâmicas de R$ 4,50 ou R$ 5,00, raramente chegando a R$ 11,00. Além disso, a forma como a Uber cobra as taxas também mudou. Antes, era fixo: 20% para o Black e 25% para o X. Agora, as taxas são variáveis, dependendo de fatores como região e horário. Isso pode levar a cobranças de até 40%, o que impacta muito a lucratividade.
Para você, quais são os maiores desafios de ser um influenciador? São as críticas, o tempo, a criatividade, ou algo mais?
Ian Rocha: Vou pontuar algumas coisas. Primeiro, para quem está começando como influenciador, o impacto das críticas pode ser muito forte. Quando você ainda não está acostumado, os comentários negativos, os famosos haters, podem abalar bastante. Com o tempo, você desenvolve uma certa resistência, mas ainda assim, alguns comentários mais pessoais acabam afetando.
Outro desafio significativo é o tempo. O trabalho que acontece por trás das câmeras, como gravar, editar e produzir conteúdo, consome muito tempo e energia. Muitas pessoas não percebem esse esforço porque só veem o produto final. Além disso, como o conteúdo no YouTube é gratuito, às vezes sentimos que o trabalho não é valorizado. Quando tentamos monetizar de alguma forma, somos criticados, como se ganhar dinheiro com esse esforço fosse errado. Isso pode desvalorizar o trabalho, mas seguimos em frente.
Por último, a criatividade é um desafio constante, especialmente porque meu nicho é bastante limitado. Como criador de conteúdo voltado para motoristas de aplicativo, os temas principais geralmente giram em torno de segurança, avaliações e ganhos. Muitas vezes, não há novidades no setor, e é um desafio ser criativo, principalmente depois de anos produzindo conteúdo. Às vezes, preciso abordar assuntos repetidos, mas de uma forma diferente para manter o interesse de quem já me acompanha, enquanto acolho novos espectadores.
Sobre os ganhos, muitos motoristas dizem que mostrar valores pode prejudicar a categoria, como, por exemplo, dificultar o aumento das tarifas. Qual a sua opinião sobre isso?
Para ser honesto, acho que essa crítica não faz sentido. Algumas pessoas acreditam que mostrar os ganhos na internet impede o aumento das tarifas, mas a plataforma já tem acesso a todos esses dados. Não faz diferença se eu publico ou não, a Uber sabe exatamente quanto os motoristas faturam.
Por outro lado, entendo a preocupação de que algumas publicações criem expectativas irreais. Muitos só mostram os dias de alto faturamento, como R$ 800 ou R$ 1.000 em um único dia, mas não mostram a rotina completa, incluindo dias de ganhos baixos. Isso pode iludir pessoas que estão começando. Por isso, no meu canal, faz anos que evito postar apenas faturamentos altos. Quando mostro, é dentro de um contexto, como o impacto de um carro novo no consumo e no lucro.
E, falando de ganhos, você sente que antes era mais lucrativo ser motorista?
Ian Rocha: Essa é uma questão que muitos motoristas levantam, mas acredito que seja um mito. Antes, o custo de vida era menor, mas a demanda também era baixa. Hoje, embora os custos sejam mais altos, como combustível e manutenção, é possível atingir valores maiores devido à maior demanda. Porém, no final das contas, os ganhos líquidos acabam ficando semelhantes aos de antes. Então, não diria que era mais lucrativo antes, mas sim que as condições eram diferentes.
E para finalizar, qual foi a maior lição que você aprendeu nesses anos como motorista e influenciador?
Ian Rocha: Como motorista, a maior lição foi sobre segurança. Na nossa profissão, colocamos estranhos no carro diariamente, e é essencial confiar na própria intuição. Se algo parece errado, seja um local suspeito ou um passageiro que cause desconforto, não hesito em cancelar a corrida. Isso já salvou minha vida e meu patrimônio. No começo, eu tinha receio de falar sobre isso por medo de julgamentos, mas percebi que é importante compartilhar essa experiência para ajudar outros motoristas.
Como influenciador, aprendi algo semelhante: falar o que precisa ser dito, mesmo sob o risco de críticas. Se uma mensagem pode salvar vidas ou melhorar a segurança de alguém, ela é mais importante do que o julgamento de quem está de fora. Esse é um dos maiores aprendizados que levo comigo.