Candidata a vereadora propõe a “Casa do Motorista” como centro de acolhimento e apoio para trabalhadores de aplicativo em São Paulo, com estrutura para descanso, assessoria jurídica e assistência social gratuita
Motorista de aplicativo há 8 anos, Luisa Pereira lança sua primeira candidatura a vereadora em São Paulo. Mãe atípica e diretora da Associação dos Motoristas de Aplicativo de São Paulo (Amasp) desde 2022, Luisa dá detalhes de suas propostas.
A candidata do PSOL, também partido do candidato à prefeitura de São Paulo, Guilherme Boulos, contou sobre a conversa com o colega de partido e a adesão da proposta pensada para os motoristas de aplicativo.
Luisa contou sobre o convite para participar da Amasp: “Quem me convidou foi o Duda, o presidente da Amasp, há dois anos. Eu nunca fui muito de associação. Até que, um dia, conversando com o Duda, ele falou: ‘Lu, vem pra gente e nos ajude aqui, porque aqui também tem demanda’. Mas eu sempre ajudei todas as associações. Então, como eu tenho essa experiência de conversar com as empresas, comecei a trazer parcerias para a Amasp, colocar benefícios e também ajudar os motoristas que chegam para ser atendidos.”
A candidata também explicou sobre sua participação em eventos da classe e disse que, em poucos meses de corrida, já participava de manifestações e conversas com os aplicativos, atuando até mesmo como porta-voz entre os motoristas e a 99.
“Às vezes eu fico pensando, poderia ter ficado só como motorista, mas a minha parte de justiça dentro de mim não deixava. É difícil porque eu sou uma mulher, ainda mais que o público predominante é de homem. Não me sinto mal em estar no meio deles. Eu até falo que eles me aceitaram muito bem, eles me respeitam muito bem. Claro que eu tive que me impor em algumas situações.”
O que pesou para aceitar ser candidata a vereadora?
Eu já comentei com você sobre esse limite que temos ao querer ajudar as pessoas e, muitas vezes, não poder ir além, porque não depende só de nós. Isso começou a despertar algo em mim, principalmente porque muitos motoristas sempre me incentivavam: “sai como vereadora, sai”, e eu nunca quis. Já apoiei outros candidatos, já fiz campanhas para outros, mas nunca pensei, de início, em ser a imagem principal.
Então, um tempo atrás, o partido me chamou para conversar e me propôs: “Por que você não pensa nessa ideia?” Foi uma surpresa para mim, porque eu nem imaginava que estava sendo vista.
Lá atrás, eles abriram as portas para mim. Eu sentei com eles, entendi como funcionava, pois era algo em que eu tinha um pouco de resistência. Mas hoje, vejo o quanto é necessário. Com minha experiência em negociação e, por conversar com tantos motoristas que eu atinjo, sendo gestora de comunidades e em contato com muitos grupos, comecei a refletir sobre o papel do vereador.
O que o vereador faz? Ele fiscaliza o que o prefeito deveria fazer. Partindo desse princípio, eu disse ao partido: “Gostei da proposta, vamos ver como esse relacionamento pode funcionar”. Quando fui oficializada como candidata à vereança, imediatamente pedi para conversar com o candidato Boulos. Eu não iria entrar nisso sem reivindicar nada, porque minha vida toda sempre foi sobre isso: reivindicar, pedir melhorias, e fazer acontecer.
Estou entrando nisso independente de ganhar ou perder. Espero que eu ganhe, se Deus quiser, mas deixei uma semente plantada. Fiquei surpresa ao ver que ele colocou duas das minhas propostas no plano de governo dele, sendo que nenhum outro candidato em São Paulo tem propostas voltadas para motoristas de aplicativo. Isso, para mim, já é uma vitória, porque eles realmente entenderam o meu perfil e o que eu quero: melhorar a vida dos motoristas, tirar suas dores e, pelo menos, amenizar essa luta. Como vereadora, talvez a gente não consiga mudar tudo, mas é um começo.
Quais são suas principais propostas, caso eleita vereadora?
O Boulos adotou duas propostas minhas para o seu plano de governo, a “Casa do Motorista” e a isenção do rodízio. Minhas principais propostas começam com a Casa do Trabalhador de Aplicativo, e serão 96 distritos espalhados por São Paulo. É muita coisa, se você for ver, mas tem como ter espaço público onde eu não queria que fosse só um lugar para a pessoa ir lá, comer e descansar. Tem que ser como se fosse uma casa.
Quando você chega na sua casa, você se sente acolhido, protegido, e é isso que queremos: um lugar seguro para descansar, parar o carro, buscar uma assessoria jurídica, uma assistência social e até microcrédito.
Esses locais terão toda essa estrutura e serão lugares públicos, criados pela Prefeitura de São Paulo. Elas vão continuar, com ou sem a pessoa que criou. E é isso que importa. E mais, lembrando que será gratuito. São casas do trabalhador de aplicativo onde ninguém paga nada. Não é para ser comercializado. Podemos até fazer algumas parcerias, mas com muito critério para não explorar o motorista, oferecendo descontos, mas sem transformar em comércio. A associação Amasp já faz algo assim, sem cobrar nada dos motoristas, e a ideia é trazer esse tipo de suporte.
Outra proposta é a isenção do rodízio. A isenção do rodízio é polêmica aqui em São Paulo, mas a prefeitura tem todos os dados de quanto o motorista roda, quantos quilômetros por dia. Sabendo disso, dá para identificar quem é o motorista full-time e quem é esporádico.
A isenção do rodízio vai servir para os motoristas que têm isso como renda principal, e tem como planejar isso, detectar pelo sistema junto com a prefeitura se o carro é full-time ou não. Porque senão fica fácil todo mundo sair com o aplicativo nas ruas, e isso tem que ser planejado.
Outra proposta é a questão do embarque e desembarque em lugares com grande fluxo de passageiros, como metrôs, trens e grandes eventos. Eu já levei multas incontáveis em eventos porque não tinha local específico para o embarque e desembarque. É muita gente, e a gente acaba levando multa, por exemplo, em rodoviárias como a Tietê, Barra Funda, e em Congonhas também.
Esses lugares precisam de maior atenção, porque o dia a dia do motorista se desgasta muito. Você pega uma corrida de 10 reais e leva uma multa de 200 ou 150, acaba com o dia do motorista. E esse motorista já tem as contas dele, que são justas, ele não pode ter mais uma despesa com essa máfia da multa.
Sobre a Zona Azul, a privatização tornou tudo mais difícil. Se fosse público, seria mais fácil atuar, mas podemos, mesmo assim, criar PLs e fazer conexões dentro do plenário para que a PL seja votada.
Enquanto isso não acontece, a prioridade tem que ser resolver o dia a dia do motorista na rua, que não pode nem parar o carro sem ser multado. Ele não pode nem ir ao banheiro ou parar para comer, porque o centro expandido é todo Zona Azul, e quem é motorista na rua sabe o quanto isso é desgastante. E isso afeta até a saúde do motorista.
Tenho também a proposta de usar o corredor de ônibus para motoristas full-time, não para todos os motoristas, mas focando em quem tem isso como renda principal. Além disso, oferecemos orientação jurídica, entendendo a demanda e fiscalizando para ver se está tudo ok, sempre dialogando com as empresas.
Começamos de baixo, mas estamos elevando nosso patamar e colocando tudo isso em prática. Vamos ter estrutura suficiente para bater na porta das plataformas e das empresas que fazem parte do nosso ecossistema, como locadoras, empresas de tecnologia, postos de gasolina, tudo que envolve o motorista.
Podemos até conseguir descontos em combustível para quem está na rua o tempo todo, carros mais acessíveis, talvez até elétricos, ajudando o meio ambiente.
Por qual partido você irá concorrer e como definiria seu posicionamento político?
Meu posicionamento político é o posicionamento de quem vai resolver o problema do motorista. Eu estou do lado daqueles que abriram as portas para mim, que acreditaram que podemos fazer diferente e me mostraram que isso realmente pode acontecer.
Eu não tenho uma preferência partidária, tanto é que eu era muito corporativa. Apesar de estar no meio das manifestações e todos os eventos, eu estava ali porque era necessário, mas não era algo que eu almejava, que eu queria de início.
Então, eu sempre digo que estou do lado do motorista, e é isso que importa. Não importa o partido, porque, historicamente, Isa Penna, Glauber e Sâmia foram grandes defensores dos motoristas de aplicativo. Eles abraçaram a categoria em momentos em que ninguém mais queria. Por isso, tenho uma simpatia por eles. Em determinados eventos, eles ficaram ao nosso lado, contra o que estava acontecendo.
Mesmo assim, eu não sou a favor da PL-12, mesmo sendo de um partido de esquerda. E por que não sou? Porque sabemos que a PL-12 foi mal redigida e tem muita coisa ali que prejudica o motorista. Nós só sabemos disso porque somos motoristas de aplicativo e sabemos a dor que é. Esse tempo todo em que estou na estrada me fez entender isso.
Eu acredito que não há como o vereador interferir muito nessa questão, porque a PL-12 é uma questão federal. O vereador tem um limite. No máximo, ele pode atuar na cidade em que
foi eleito. No meu caso, São Paulo. Embora possamos acompanhar uma PL federal lá em Brasília, a verdade é que não temos poder para mudar isso. Então, é importante entender o que cada cargo representa e até onde ele pode ir.
Atualmente, apenas o vereador Marlon Luz está eleito com a bandeira da representação dos motoristas de aplicativo. Nas últimas eleições, outros motoristas de app tentaram e não conseguiram. O que faz você acreditar que será diferente em 2024?
Eu acredito que os motoristas estão começando a ter consciência, e eu realmente quero acreditar nisso. Quero que essa consciência se torne uma realidade entre os motoristas, colocando pessoas lá para lutar por eles. Porque, até hoje, nós não somos uma categoria firmada.
Não temos esse reconhecimento formal. Somos uma categoria que se apresenta dizendo “eu sou um profissional, motorista de aplicativo”, mas, legalmente, isso ainda não existe, principalmente por causa da PL-12, que está enroscada.
Acredito que 2024 vai trazer uma mudança depois de todo esse sofrimento, onde ficamos nas mãos de pessoas que não sabem nada sobre nossa realidade e que criaram uma proposta que não tem nada a ver com a gente. E por que isso? Porque eles não são motoristas. Se houvesse mais motoristas lá, acredito que as coisas seriam diferentes. Falo isso para você com a certeza de que, no Brasil todo, seria diferente.
Mas eles colocaram a proposta lá e todo mundo aplaudiu. Por mais que tenhamos ido até Brasília, gritado na porta, protestado, somos cidadãos comuns. Então, quanto mais motoristas se unirem, e acredito que 2024 está mostrando isso, mais chance teremos de trazer mudanças. Eu quero acreditar que o motorista vai ter essa consciência de que realmente precisamos de pessoas lá, e acredito que 2024 vai trazer um resultado satisfatório para nós, no Brasil.
Quando influenciadores de uma determinada categoria decidem entrar para política, é comum haver críticas que estariam se aproveitando da influência para fins próprios. Como você responderia a essas críticas?
Eu tenho uma história, e por isso convido esse motorista a conhecer a minha trajetória. Trago motoristas que estão comigo, que já me conhecem, para contar sobre o que vivi e o que fiz. Hoje, não preciso ficar falando do que já fiz. O que importa são as pessoas que estiveram comigo durante todo esse tempo e que eu ajudei, que beneficiei. São elas que começam a falar.
Vou ser bem sincera, eu não sou uma influenciadora nata. Não comecei como influenciadora. Sempre fui dos bastidores. Sabe como me tornei influenciadora? Eu fiz uma propaganda com a 99, que me convidou para aparecer em um anúncio. Naquela época, eu não tinha rede social aberta, não fazia conteúdo, nada. Mas eu era muito ativa em grupos de WhatsApp, entre motoristas na rua, em pontos onde os motoristas ficam, porque tem muitos que nem acessam redes sociais.
Quando fiz essa propaganda, ganhei visibilidade. Abri meu Instagram com 800 seguidores e, no dia seguinte, acordei com 3 mil. Foi aí que percebi que essa era uma nova onda. Porque, como você sabe, ser influenciador tem um poder muito grande no nosso meio. Temos mais de 200 influenciadores na nossa área e, todo dia, aparecem mais para falar sobre o cotidiano de trabalho. Cada um tem seu perfil: tem o de comédia, o que traz informação, o que faz corridas ao vivo… Existem muitos perfis diferentes dentro dessa influência.
Hoje, ser influenciador é algo natural em qualquer ramo. Eu acabei indo nessa direção, pensei “vou surfar nessa onda”, já que as pessoas gostam de me ouvir. Por que não aproveitar isso? Mas nunca fui com a intenção de me tornar influenciadora para sair como candidata. Confesso que essas perguntas são difíceis de responder, porque, às vezes, você escuta coisas e pensa: “Meu Deus do céu, de onde a pessoa tirou isso?” Mas, para mim, não há problema em responder.
Como pretende usar um possível cargo de vereador para modificar a regulamentação federal?
O meu cargo não pode mudar a regulamentação federal. Mas a minha influência pode. E como? Através de conversas com outros parlamentares, indo até as pessoas de âmbito federal.
Temos deputados federais e senadores do próprio partido com quem podemos dialogar, sentar e mostrar a necessidade. O que estou aprendendo hoje na política é que você só consegue algo dialogando. Você tem que dialogar com todo tipo de gente, conversar, se expressar, e isso, apesar de ser cansativo, é algo muito relevante e necessário. Algumas pessoas dizem “ah, eu não sirvo pra isso”, mas o diálogo é essencial.
Então, essa desconstrução, ou melhor, essa construção, que precisamos fazer entre os motoristas é fundamental para que eles entendam que “motorista vota em motorista”.
Lá na frente, quando surgirem outros candidatos, isso já vai ser algo natural, até dentro do carro com os passageiros. E, se Deus quiser, no final, teremos uma bancada forte. Assim como existe a bancada dos evangélicos, teremos a bancada dos motoristas de aplicativo, dos trabalhadores. E vamos nos juntar aos motoqueiros também, porque eles também usam o aplicativo. Estamos todos os dias juntos, um com o outro, em parceria.
Quem se une, apesar das diferenças, está construindo algo valioso. Eu acredito que podemos fazer uma conscientização, não sei se é demagogia, mas uma conscientização política em relação à categoria dos motoristas de aplicativo.