O secretário da Federação Nacional dos Sindicatos dos Motoristas por Aplicativo (FENASMAPP), Carlos Cavalcante, fez um apelo direto aos parlamentares durante a audiência pública realizada na última quarta-feira (8) na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados. Representando 22 sindicatos e mais de 2 milhões de motoristas, Cavalcante pediu uma regulação que reconheça o vínculo trabalhista e garanta direitos mínimos à categoria.
“Por trás dos números e das promessas das plataformas, existe um motorista exausto, que trabalha 14 ou 15 horas por dia para sustentar a família e ainda luta para ser reconhecido como trabalhador”, afirmou.
Carlos Cavalcante cobra dos parlamentares atenção à realidade dos motoristas
Cavalcante começou sua fala destacando que os deputados estão sendo enganados por discursos e dados fornecidos pelas próprias plataformas. Ele afirmou que há uma tentativa deliberada de criar a ilusão de autonomia, quando na prática os motoristas vivem sob controle de empresas que impõem metas e reduzem ganhos.
“Vossas excelências são enganadas todos os dias. Dizem que o motorista não quer ser CLT, mas ele só responde isso porque foi condicionado a acreditar que é um empresário de si mesmo”, declarou.
O dirigente sindical criticou o discurso de “empreendedorismo” propagado pelas plataformas desde a aprovação da Lei 13.640/2018, que legalizou o transporte por aplicativo no país. Segundo ele, essa “autonomia” foi travestida de liberdade para esconder a precarização.
“A mamãe Uber travestiu a legalidade na Lei 13.640 e colocou a semente do mal na cabeça dos motoristas, dizendo que eles eram empresários. Mas o que temos é gente trabalhando 16 horas por dia para ganhar R$ 200”, disse.
Carlos Cavalcante expõe a rotina de exaustão dos motoristas
O representante da FENASMAPP descreveu a rotina de cansaço e insegurança enfrentada pela categoria. Ele desafiou os parlamentares a pegarem um carro de aplicativo e conversarem diretamente com os motoristas, para ouvirem a verdade sobre o trabalho.
“Perguntem a um motorista se ele gostaria de descansar um dia por semana. Ele vai responder que sim, porque está cansado. Trabalha sete dias seguidos e não tem direito a folga, adicional noturno ou feriado”, afirmou.
Cavalcante citou exemplos do Nordeste, onde, segundo ele, ainda é possível fazer uma refeição simples por R$ 15 — algo inviável nas grandes capitais. Ele criticou os baixos ganhos e lembrou que os custos com combustível, manutenção, IPVA e pneus são pagos integralmente pelos motoristas, sem qualquer apoio das plataformas.
“Nem para almoçar com dignidade o motorista consegue. Ele paga o carro, paga o pneu, paga o IPVA, e ainda escuta que vive bem. Isso é uma mentira. A realidade é dura, crua e cruel”, disse.
Carlos Cavalcante alerta para o risco de uma “escravização moderna”
Em tom de indignação, Cavalcante alertou que, sem garantias mínimas na lei, o Congresso pode “institucionalizar a escravização moderna” ao aprovar um projeto que favoreça as plataformas. Ele defendeu a criação de um reajuste anual baseado no aumento do salário mínimo e a garantia do reconhecimento como trabalhadores, e não como empresários individuais.
“Se o salário mínimo cresce 7%, o ganho do motorista também precisa crescer 7%. Se não houver essa previsibilidade, a lei vai apenas engessar o chicote no nosso pescoço e institucionalizar a escravidão moderna”, afirmou.
O dirigente sindical pediu ainda que o texto final da regulamentação proíba as empresas de definirem sozinhas as regras de trabalho e que coloque o trabalhador no centro da política pública de mobilidade.
“As big techs não podem vir para dentro do nosso país dizer qual é a regra. O brasileiro precisa vir em primeiro lugar”, defendeu.
Carlos Cavalcante reforça apoio à proposta de Ilan Fonseca
Cavalcante elogiou a proposta apresentada pelo procurador do MPT, Ilan Fonseca, que sugere um modelo híbrido em que o motorista que trabalha mais de quatro horas online por dia teria direito à CLT, e quem atua menos manteria o status de autônomo.
“Como o doutor Ilan bem disse, quem trabalha acima de quatro horas deve ser classificado como trabalhador. Quem trabalha abaixo, que se crie o arcabouço jurídico adequado. Mas precisamos de proteção justa e digna”, reforçou.
Ao encerrar sua fala, Cavalcante emocionou os presentes ao lembrar que por trás de cada motorista há uma família inteira dependente desse trabalho.
“São mais de 3,5 milhões de trabalhadores. Se cada um tiver duas pessoas em casa, estamos falando de 7 milhões de vidas. Gente que move a mobilidade urbana e sustenta o pão de cada dia. O Parlamento não pode virar as costas para isso”, concluiu.