A advogada e pesquisadora Tatiana Guimarães Ferraz Andrade, mestre e doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, defendeu, durante audiência pública realizada na última quarta-feira (8) na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, a criação de um modelo regulatório próprio para o trabalho por aplicativos — distinto do regime tradicional da CLT e das regras do trabalho autônomo.
Tatiana, que também atua como advogada de plataformas, afirmou que o fenômeno do trabalho digital é irreversível e global, e que o desafio do Brasil é construir uma legislação estável, justa e aplicável à realidade local.
“O trabalho em plataforma é um processo irreversível, e o Direito não pode estar alheio a isso. Mas precisamos de cautela: esse modelo não se encaixa no que foi concebido para o sistema fabril de 1943”, afirmou.
Tatiana Guimarães traz panorama internacional e aponta falhas em modelos estrangeiros
Tatiana apresentou um panorama comparado de modelos regulatórios adotados por outros países, destacando que nenhum obteve plena segurança jurídica ao tentar enquadrar os motoristas e entregadores na lógica tradicional de vínculo empregatício.
Ela citou os exemplos da Espanha e de Portugal, que adotaram presunção de vínculo de emprego nas plataformas — mas, segundo ela, as ações judiciais continuaram, mostrando que o modelo não resolveu o conflito prático entre subordinação e autonomia.
“A Espanha e Portugal criaram presunção de vínculo, mas as ações judiciais não diminuíram. Mesmo com leis rígidas, os tribunais seguem reconhecendo vínculos ou negando-os conforme o caso. Isso mostra que a questão não se resolve apenas com uma mudança de nomenclatura”, explicou.
Tatiana também mencionou o Chile, que desde 2022 aplica um modelo híbrido, com contratos de trabalho para motoristas dependentes e independentes — opção que, segundo ela, não trouxe segurança jurídica plena.
Por fim, destacou a experiência dos Estados Unidos, especialmente o modelo da Califórnia, que classifica os trabalhadores como independentes com direitos mínimos. Para Tatiana, esse modelo é o que mais se aproxima da realidade brasileira.
“O caminho adequado é reconhecer que se trata de um trabalho independente, mas que deve ter direitos garantidos. Não é vínculo pleno nem autonomia total”, afirmou.
Tatiana Guimarães cita a OIT e defende o foco no trabalho digno
A advogada ressaltou que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já superou a discussão sobre “autonomia versus subordinação” e defende que o objetivo central da regulação deve ser garantir trabalho digno e sustentável.
“A OIT deixa claro que o foco deve ser o trabalho digno, e não a classificação jurídica. As plataformas são intermediárias, não empregadoras diretas nem terceirizadoras, e por isso precisam de um regime próprio”, observou.
Tatiana defendeu que o Brasil adote um sistema único e coerente, que reconheça a especificidade do ecossistema digital e evite contradições jurídicas entre setores.
“Precisamos construir um modelo único, porque a nossa realidade é diferente da de qualquer outro país. Temos mais de 10 mil ações em curso e nenhuma definição clara. Uma regulamentação sem segurança jurídica é como construir uma casa sobre a areia”, afirmou.
Tatiana Guimarães fala como advogada de plataformas e diz que trabalhadores não querem vínculo CLT
Em tom pragmático, Tatiana falou também a partir da experiência como advogada de plataformas digitais, e afirmou que a maioria dos motoristas e entregadores não deseja ser enquadrada como empregada CLT.
Segundo ela, muitos trabalhadores ingressam com ações judiciais apenas para tentar reverter bloqueios ou exclusões de conta, e não por reivindicar vínculo empregatício.
“Esses trabalhadores não querem a carteira assinada. Em muitos casos, sequer sabem por que a ação foi ajuizada. Eles só querem o desbloqueio da conta para continuar trabalhando”, disse.
Tatiana lembrou ainda o papel social desempenhado pelas plataformas durante a pandemia, quando garantiram transporte de médicos e entrega de alimentos em um momento crítico, além de fornecerem equipamentos e proteção aos profissionais.
“As plataformas assumiram responsabilidades sociais durante a pandemia, sem obrigação legal. Muitas seguem oferecendo cursos, assistência e seguros. Isso mostra que é possível avançar com equilíbrio”, destacou.
Tatiana Guimarães propõe modelo previdenciário adaptado e contribuição simplificada
Ao abordar o aspecto econômico da regulação, Tatiana defendeu a criação de um modelo previdenciário simplificado, que garanta cobertura a quem tem o aplicativo como principal fonte de renda, mas sem sobrecarregar quem usa o trabalho de forma complementar.
“Cerca de 70% dos trabalhadores utilizam os aplicativos como fonte secundária de renda. A preocupação deve ser com os que dependem exclusivamente disso, e que não contribuem para a previdência”, disse.
Ela sugeriu a adoção de um modelo de contribuição automática sobre a receita bruta, inspirado no regime de microempreendedor da reforma tributária, com alíquota de 25% aplicada de forma simples e uniforme.
“O recolhimento automático, sobre a base de 25% da renda bruta, pode garantir sustentabilidade e evitar distorções. O objetivo é equilibrar proteção e viabilidade econômica”, explicou.
Tatiana Guimarães pede um modelo próprio e estável para o Brasil
Ao encerrar sua fala, Tatiana afirmou que o Brasil não deve copiar modelos estrangeiros, mas criar uma solução própria, que una segurança jurídica, flexibilidade e direitos mínimos.
“A realidade brasileira é singular. Não precisamos escolher entre CLT e autonomia absoluta. Precisamos de um modelo de trabalho digital que garanta dignidade, segurança e previsibilidade para todos os envolvidos”, concluiu.