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“CLT não resolve problema dos motoristas. Espanha e Portugal criaram presunção de vínculo mas as ações judiciais não diminuíram ”, diz especialista

Advogada afirma que motoristas não querem carteira de trabalho assinada — só o desbloqueio da conta para voltar a trabalhar.

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Notícia
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Mulher de cabelos lisos fala por videoconferência durante audiência pública da Câmara dos Deputados sobre regulamentação dos aplicativos de transporte.
Tatiana Andrade Foto: Reprodução/YouTube

A advogada e pesquisadora Tatiana Guimarães Ferraz Andrade, mestre e doutora em Direito do Trabalho e da Seguridade Social pela USP, defendeu, durante audiência pública realizada na última quarta-feira (8) na Comissão de Trabalho da Câmara dos Deputados, a criação de um modelo regulatório próprio para o trabalho por aplicativos — distinto do regime tradicional da CLT e das regras do trabalho autônomo.

Tatiana, que também atua como advogada de plataformas, afirmou que o fenômeno do trabalho digital é irreversível e global, e que o desafio do Brasil é construir uma legislação estável, justa e aplicável à realidade local.

“O trabalho em plataforma é um processo irreversível, e o Direito não pode estar alheio a isso. Mas precisamos de cautela: esse modelo não se encaixa no que foi concebido para o sistema fabril de 1943”, afirmou.

Tatiana Guimarães traz panorama internacional e aponta falhas em modelos estrangeiros

Tatiana apresentou um panorama comparado de modelos regulatórios adotados por outros países, destacando que nenhum obteve plena segurança jurídica ao tentar enquadrar os motoristas e entregadores na lógica tradicional de vínculo empregatício.

Ela citou os exemplos da Espanha e de Portugal, que adotaram presunção de vínculo de emprego nas plataformas — mas, segundo ela, as ações judiciais continuaram, mostrando que o modelo não resolveu o conflito prático entre subordinação e autonomia.

“A Espanha e Portugal criaram presunção de vínculo, mas as ações judiciais não diminuíram. Mesmo com leis rígidas, os tribunais seguem reconhecendo vínculos ou negando-os conforme o caso. Isso mostra que a questão não se resolve apenas com uma mudança de nomenclatura”, explicou.

Tatiana também mencionou o Chile, que desde 2022 aplica um modelo híbrido, com contratos de trabalho para motoristas dependentes e independentes — opção que, segundo ela, não trouxe segurança jurídica plena.

Por fim, destacou a experiência dos Estados Unidos, especialmente o modelo da Califórnia, que classifica os trabalhadores como independentes com direitos mínimos. Para Tatiana, esse modelo é o que mais se aproxima da realidade brasileira.

“O caminho adequado é reconhecer que se trata de um trabalho independente, mas que deve ter direitos garantidos. Não é vínculo pleno nem autonomia total”, afirmou.

Tatiana Guimarães cita a OIT e defende o foco no trabalho digno

A advogada ressaltou que a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já superou a discussão sobre “autonomia versus subordinação” e defende que o objetivo central da regulação deve ser garantir trabalho digno e sustentável.

“A OIT deixa claro que o foco deve ser o trabalho digno, e não a classificação jurídica. As plataformas são intermediárias, não empregadoras diretas nem terceirizadoras, e por isso precisam de um regime próprio”, observou.

Tatiana defendeu que o Brasil adote um sistema único e coerente, que reconheça a especificidade do ecossistema digital e evite contradições jurídicas entre setores.

“Precisamos construir um modelo único, porque a nossa realidade é diferente da de qualquer outro país. Temos mais de 10 mil ações em curso e nenhuma definição clara. Uma regulamentação sem segurança jurídica é como construir uma casa sobre a areia”, afirmou.

Tatiana Guimarães fala como advogada de plataformas e diz que trabalhadores não querem vínculo CLT

Em tom pragmático, Tatiana falou também a partir da experiência como advogada de plataformas digitais, e afirmou que a maioria dos motoristas e entregadores não deseja ser enquadrada como empregada CLT.

Segundo ela, muitos trabalhadores ingressam com ações judiciais apenas para tentar reverter bloqueios ou exclusões de conta, e não por reivindicar vínculo empregatício.

“Esses trabalhadores não querem a carteira assinada. Em muitos casos, sequer sabem por que a ação foi ajuizada. Eles só querem o desbloqueio da conta para continuar trabalhando”, disse.

Tatiana lembrou ainda o papel social desempenhado pelas plataformas durante a pandemia, quando garantiram transporte de médicos e entrega de alimentos em um momento crítico, além de fornecerem equipamentos e proteção aos profissionais.

“As plataformas assumiram responsabilidades sociais durante a pandemia, sem obrigação legal. Muitas seguem oferecendo cursos, assistência e seguros. Isso mostra que é possível avançar com equilíbrio”, destacou.

Tatiana Guimarães propõe modelo previdenciário adaptado e contribuição simplificada

Ao abordar o aspecto econômico da regulação, Tatiana defendeu a criação de um modelo previdenciário simplificado, que garanta cobertura a quem tem o aplicativo como principal fonte de renda, mas sem sobrecarregar quem usa o trabalho de forma complementar.

“Cerca de 70% dos trabalhadores utilizam os aplicativos como fonte secundária de renda. A preocupação deve ser com os que dependem exclusivamente disso, e que não contribuem para a previdência”, disse.

Ela sugeriu a adoção de um modelo de contribuição automática sobre a receita bruta, inspirado no regime de microempreendedor da reforma tributária, com alíquota de 25% aplicada de forma simples e uniforme.

“O recolhimento automático, sobre a base de 25% da renda bruta, pode garantir sustentabilidade e evitar distorções. O objetivo é equilibrar proteção e viabilidade econômica”, explicou.

Tatiana Guimarães pede um modelo próprio e estável para o Brasil

Ao encerrar sua fala, Tatiana afirmou que o Brasil não deve copiar modelos estrangeiros, mas criar uma solução própria, que una segurança jurídica, flexibilidade e direitos mínimos.

“A realidade brasileira é singular. Não precisamos escolher entre CLT e autonomia absoluta. Precisamos de um modelo de trabalho digital que garanta dignidade, segurança e previsibilidade para todos os envolvidos”, concluiu.

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Redação 55content

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