Leandro diz que as empresas lucram bilhões, mas deixam seus trabalhadores desassistidos; ele completa: “é necessário reconhecer o vínculo empregatício que já existe”.
Em uma audiência pública promovida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) para debater a regulamentação do trabalho por aplicativos, Leandro Cruz, presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos de São Paulo (Sintato), fez um discurso contundente cobrando o reconhecimento do vínculo trabalhista entre motoristas e plataformas digitais. Ele apresentou relatos impactantes para ilustrar os impactos da ausência de proteção previdenciária e trabalhista, destacando o abandono enfrentado pelas famílias dos trabalhadores.
“O trabalhador que perde a vida desempenhando suas funções fica completamente desamparado, enquanto suas famílias enfrentam a dor da perda sem qualquer tipo de apoio da empresa”, afirmou Cruz. Ele trouxe dois casos emblemáticos para exemplificar essa realidade.
O primeiro foi o de Ronaldo da Silva Viana, motorista que perdeu a vida em um acidente causado por uma Porsche que trafegava a 136 km/h na Avenida Sumaré, zona leste de São Paulo. Apesar da grande repercussão pública do caso, Cruz destacou que a Uber “sequer teve a dignidade de procurar a família para oferecer qualquer tipo de amparo”.
O segundo caso foi o de Celso Araújo Sampaio, motorista de 41 anos, morto durante um tiroteio envolvendo criminosos fortemente armados nas proximidades do Aeroporto de Guarulhos. “Celso lutou pela vida na UTI, mas não resistiu. Ele deixou sua esposa e três filhos — uma criança de 3 anos, um adolescente de 12 e um jovem de 18 anos. Sua família, assim como a de Ronaldo, ficou sem o apoio do principal provedor e sem qualquer tipo de assistência por parte da empresa”, relatou o sindicalista.
Cruz apontou que a Uber, assim como outras plataformas, alega não ter responsabilidade pelos incidentes, mas classificou essa justificativa como inaceitável. “Essas empresas sabem que o trabalho dos motoristas está sujeito a riscos diários, como acidentes, assaltos e até mortes. Ainda assim, não oferecem sequer uma proteção mínima”, disse.
Ele também criticou o fato de a Uber possuir um contrato de seguro de vida global, assinado nos Estados Unidos, que não foi implementado no Brasil. “Esse contrato sequer foi negociado com os trabalhadores brasileiros para atender à realidade local. Enquanto isso, as famílias ficam completamente desamparadas, dependendo de amigos, do SUS e da assistência social para lidar com as consequências da morte de seus entes queridos”, afirmou.
O sindicalista também denunciou a precarização das condições de trabalho, como a falta de transparência no modelo de remuneração e as taxas abusivas impostas pelas plataformas. Ele destacou que muitos motoristas não conseguem gerar uma renda suficiente para sustentar suas famílias. “As empresas lucram bilhões, mas deixam seus trabalhadores desassistidos. Essa falsa liberdade que tanto propagam não existe”, afirmou, referindo-se ao discurso de autonomia promovido pelas plataformas.
Cruz ainda chamou atenção para o controle rigoroso que as plataformas exercem sobre os motoristas, contradizendo a alegação de que seriam autônomos. “Como pode um motorista ser considerado autônomo quando sua liberdade é completamente ilusória? Eles monitoram tudo: o trajeto, o horário, a remuneração e até a intensidade de frenagem. Quando algo dá errado, a empresa vira as costas. Isso não é autonomia, é exploração!”, declarou.
Na conclusão de sua fala, Cruz reforçou que apenas o reconhecimento do vínculo trabalhista poderá garantir dignidade, proteção previdenciária e segurança às famílias dos motoristas. “O volante pode estar na mão do motorista, mas quem dirige é a Uber. São 10 anos de operação no Brasil sem que essas plataformas sequer sentem para negociar melhorias com os trabalhadores. Chegou a hora de fazer justiça!”, afirmou.
O sindicalista finalizou lembrando que o próprio CEO global da Uber, Dara Khosrowshahi, declarou que a empresa está disposta a se adequar a legislações locais, e cobrou que isso seja efetivado no Brasil. “A sociedade não pode mais pagar a conta da irresponsabilidade dessas empresas. É necessário impor a elas a responsabilidade de tratar seus motoristas com dignidade e respeito, reconhecendo o vínculo trabalhista que, na prática, já existe”, concluiu Cruz.
A audiência, marcada por relatos emocionantes e contundentes, destacou a urgência de regulamentar o trabalho por aplicativos, uma questão que afeta diretamente a vida de milhões de brasileiros.