PLP 536 foi apresentado pela Frente Parlamentar em Defesa ao Motorista de Aplicativo, que nasceu como um contraponto ao grupo de trabalho do governo federal.
Em maio de 2023, o governo federal anunciou um grupo de trabalho entre seus representantes, empresas e motoristas para definir uma proposta para regulamentação do setor. Para representar os trabalhadores, foram escolhidos nomes das principais centrais sindicais, o que gerou revolta em parte dos motoristas de aplicativo que não se sentiam representados desta forma.
Quase um ano depois, o governo apresentou o PLP 12/2024 e, novamente, o projeto foi extremamente criticado por aqueles motoristas que não se sentiam representados pelo sindicato. As principais reclamações foram a baixa remuneração estabelecida, falta de artigos sobre segurança e a representação sindical.
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Em meio ao GT do governo federal, o deputado Daniel Agrobom (PL-GO) criou uma Frente Parlamentar em defesa dos motoristas de aplicativo, para fazer oposição ao GT do governo federal.
Neste contexto, em oposição ao PLP 12/2024, surgiu o Projeto de Lei Complementar (PLP) 536, que propõe uma remuneração mínima de R$ 1,80 por quilômetro rodado e R$ 0,40 por minuto de trajeto. Este projeto é apoiado por uma parte da categoria de motoristas influenciadores e associações.
Diferenças entre o PLP 536 e o PLP 12
As principais diferenças entre o PLP 536 e o PLP 12/2024 para a regulação dos motoristas de aplicativos são:
Enquanto o PLP 536 define duas categorias de empresas: Operadoras de Tecnologia para Mobilidade Urbana (OTMU) e Operadoras de Transporte Privado Individual de Passageiros (OTPP), o PLP 12/2024 define a empresa operadora de aplicativo de transporte remunerado privado individual de passageiros como pessoa jurídica que administra o aplicativo e oferece serviços de intermediação de viagens.
O PLP 536 garante a cobertura dos custos operacionais e um lucro mínimo de 20%, com pagamento mínimo de R$1,80 por quilômetro e R$0,40 por minuto, ajustado anualmente pelo IPCA. Já o PLP 12 define remuneração mínima de R$32,10 por hora, composta por R$8,03 como retribuição e R$24,07 como ressarcimento de custos. Estabelece que se o motorista não atingir esse valor, a empresa deve complementar a diferença.
Na questão de proteção aos motoristas, o PLP 536/3034 proíbe exclusão, bloqueio ou suspensão sem defesa e diferencia entre “denúncia” e “reclamação”. Já o PLP 12/2024, permite exclusão unilateral em casos de fraudes, abusos ou mau uso da plataforma, garantindo o direito de defesa e oferece segurança na exclusão e suspensão, com emprego de tecnologias para monitoramento contínuo dos serviços.
O PLP 536 proíbe intermediadores de impor metas de cancelamento ou aceitação de corridas, e estabelece condições para cancelamento de serviços pelos motoristas, além de estabelecer que os acordos entre motoristas e plataformas devem detalhar pagamentos, direitos, obrigações e penalidades, sem configurar motoristas como empregados ou sócios. Já o PLP 12 não menciona especificamente as metas de cancelamento ou aceitação de corridas e especifica que os motoristas não têm vínculo empregatício e podem trabalhar com múltiplas plataformas sem exclusividade, além de garantir acesso a informações claras sobre o cálculo de pagamento e exige relatório mensal detalhado aos motoristas.
O PLP 536 permite que os motoristas trabalhem como autônomos ou MEIs, com veículos próprios ou emprestados. Os motoristas MEIs são obrigados a pagar 5% do valor salário-mínimo para a Previdência. O PLP 12 estabelece que motoristas contribuem com 7,5% sobre a remuneração auferida, que é de 25% do faturamento bruto. E os aplicativos deverão contribuir com 20% sobre a remuneração auferida, que é de 25% do faturamento bruto do motorista. Um motorista que tem um faturamento bruto de R$ 10 mil no mês, vai ter o salário-de-contribuição de R$ 2.500 e contribuiria com R$ 187,50, já a empresa, nesse mesmo caso, contribuiria com R$ 500.
Por fim no PLP 536, os sindicatos e associações podem monitorar, denunciar e processar o uso indevido dos preços. Já no PLP 12, os sindicatos são responsáveis por negociação coletiva, celebração de acordo ou convenção coletiva, e representação dos trabalhadores ou das empresas em demandas judiciais e extrajudiciais.
Apoio ao PLP 536 devido à Abordagem Regionalizada
Em entrevista, o motorista de app e presidente da Associação dos Motoristas Autônomos por Aplicativos do Rio Grande do Norte (AMAPP), Evandro Henrique Roque expressou seu apoio à proposta de remuneração estabelecida no projeto 536, destacando a importância de uma abordagem justa e regionalizada para os motoristas de aplicativos.
Roque afirmou que a proposta de remuneração do projeto 536 atende às necessidades dos motoristas ao considerar os custos reais das operações de forma regionalizada e individualizada. “Essa proposta leva em consideração os custos reais das operações de forma regionalizada e até individualizada, por categoria do tipo de transporte solicitado. Isso inclui a Uber, UberX, Comfort e Black, além da questão regional, já que os custos variam de uma região para outra”, explicou.
Ele destacou a importância de contemplar os custos específicos de cada região, como o preço da gasolina em Natal, que difere do preço em São Paulo. “Portanto, esses custos regionais são contemplados no levantamento dos custos totais das operações dos motoristas em cada região específica. É uma forma justa porque considera esses custos e aplica um valor que seria o lucro do motorista sobre eles”, acrescentou Roque.
Sobre os impactos esperados da mudança na remuneração, Roque espera que a medida seja positiva. “Teremos uma remuneração justa em função dos nossos gastos na operação, considerando essas questões regionais. Hoje, em Natal, por exemplo, recebemos corridas com um valor abaixo de R$ 1 por Km, enquanto minha operação específica custa R$ 0,95 por Km. Então, se uma corrida me paga um real por quilômetro, eu terei um lucro de apenas R$ 0,05 por Km rodado”, detalhou.
Críticas ao PLP 12/2024 e o Poder das Plataformas
Roque também criticou o PLP 12/2024, que, segundo ele, mantém o poder nas mãos das plataformas de forma obscura. “Outro ponto que não foi abordado no projeto 12 é a necessidade de tirar o poder das mãos das plataformas, especialmente a Uber, que trata de forma obscura a relação com motoristas e passageiros em seu modelo de negócio”, criticou. Ele acrescentou que, apesar do projeto 12 apresentar termos de uso, a decisão final caberá à plataforma, permitindo que a plataforma continue manipulando e controlando os destinos de motoristas e passageiros conforme sua conveniência.
Comentando sobre o andamento do projeto no Congresso, Roque reconheceu a força do projeto 12, mas observou que a pressão popular fez o governo recuar. “Ele é o mais forte, pois está tramitando na Comissão de Comércio e Indústria de Serviços neste momento, aguardando o relatório do deputado Augusto Coutinho. Mas a força que o projeto 12 teve inicialmente não existe mais. Isso ficou claro quando o governo decidiu retirar a urgência constitucional devido à pressão popular. O governo não esperava que a reação dos motoristas e das entidades que realmente os representam tivesse tanto impacto nesse processo. Fomos impedidos de participar das negociações iniciais, e hoje o governo se vê em um beco sem saída, pois não ouviu a voz real dos motoristas”, afirmou.
Ele completa: “Não estamos aqui nos colocando como representantes superiores. Nosso papel, como entidades representativas, é amplificar a voz dos motoristas e expressar suas vontades. Não cabe a nós mudar a opinião dos motoristas, mas sim seguir o desejo que eles expressaram. E o que eles expressaram é que o PLP/12 não atende às suas necessidades, e que os sindicatos envolvidos não são vistos pelos motoristas como entidades representativas legítimas”.
Roque é contra a aprovação do projeto 12 na forma como está, destacando que as emendas propostas não resolvem seus problemas fundamentais. “Um desses problemas é a questão da previdência, no formato que o governo quer impor, sem dar ao motorista a opção de ser MEI, o que é essencial. Nenhuma emenda ao 12 contempla essa possibilidade, que está presente no 536”, explicou.
Ele também enfatizou a importância da paridade entre associações e sindicatos na representação dos motoristas, algo que o projeto 536 propõe, mas que falta no projeto 12. “Outro ponto não contemplado em nenhuma emenda é a paridade entre associações e sindicatos, permitindo que o motorista possa ser representado por suas associações regionais, locais, estaduais ou pela federação das associações. Como está, o motorista fica vinculado aos sindicatos, algo que ele claramente rejeita. Os motoristas já foram às ruas para dizer que os sindicatos não representam a categoria. Não importa se está na lei ou é constitucional; o que o motorista quer é ser representado por entidades e pessoas que ele considera legítimas, ou ter a liberdade de agir individualmente. Nenhuma emenda ao 12 contempla isso, mas o 536 traz essa possibilidade”, finaliza.
Liberdade e Justiça com a Aprovação do PLP 536
O motorista e influenciador Cláudio Sena também aprova o PLP 536/2024. Ele diz que o projeto de Agrobom foi construído por motoristas, e contempla as reais necessidades da categoria na atividade. “Ele prevê, por exemplo, uma remuneração justa na medida em que obriga as empresas a definir o valor da tarifa considerando sempre os custos que cada motorista tem. Essa é a principal reivindicação dos motoristas, que não consta na proposta encaminhada pelo governo à câmara dos deputados.”
Sena também explica que o PLP 536 também prevê que motoristas sejam MEI, garantindo todos os direitos previdenciários e também a contribuição do INSS, mas não no patamar que o governo quer. “E ainda cria a a figura do Profissional de Mobilidade, que permite ao motorista exercer outros tipos de transporte com o seu carro para além daquele restrito aos aplicativos”, completa.
Ele considera que se o PLP 536 for aprovado, dará ao motorista plena liberdade para trabalhar, resolvendo o principal problema da categoria que é a defasagem tarifária, e com isso, se fará justiça com esses trabalhadores hoje oprimidos pelas plataformas.
O motorista finaliza dizendo que é contra que os trechos do 536 entrem no PLP 12. “ O PLP 12/2024 é péssimo. O próprio governo admite isso ao retirar o regime de urgência de votação. Esse PL (do governo) tem que ser rejeitado por inteiro! Emendas, mesmo que com trechos do 536 não irão salvá-lo. Como dizemos aqui na Bahia ‘pau que nasce torto, nunca se endireita’”, conclui.
Superioridade do PLP 536/24 sobre o PLP 12/2024
A equipe do 55content também conversou com as federações e associações dos motoristas de app para obter uma visão institucional sobre a importância e os desafios do projeto.
Denis Moura, motorista e presidente da AMPA-RJ, manifestou oposição ao PLP 12/2024 em uma entrevista, defendendo a superioridade do PLP 536/24 como uma alternativa que realmente atende às necessidades dos motoristas de aplicativos.
Moura criticou o PLP 12/2024, destacando que ele representa uma ameaça direta à renda dos motoristas e ignora suas necessidades. “Manifestamos nossa total discordância com o PLP 12/2024. Para nós da AMPA-RJ, ele representa uma ameaça direta à nossa fonte de renda, ignora as necessidades dos motoristas e impõe obrigações tributárias acima do que podemos suportar”, afirmou Moura. Ele enfatizou que a associação não busca alterações no projeto, mas sua completa extinção.
Em contrapartida, Moura elogiou o PLP 536/24, destacando que ele foi desenvolvido com base nas necessidades expressas pelos motoristas em reuniões com a Frente Parlamentar dos Motoristas de Aplicativos. “Nossa opinião sobre o PLP 536/24 é totalmente favorável. Esse projeto surgiu a partir das necessidades dos motoristas, que foram expressas nas reuniões da Frente Parlamentar dos Motoristas de Aplicativos, liderada pelo Deputado Federal Daniel Agrobom”, explicou. Moura destacou que o projeto abrange tanto o transporte por aplicativos quanto o transporte privado individual, proporcionando segurança e igualdade para os motoristas e estabelecendo uma tarifação justa.
Demandas Essenciais da Categoria: Tarifa, Segurança e Respeito
Além da remuneração por quilômetro e minuto, Moura destacou outras demandas essenciais para os motoristas, divididas em três pontos principais: tarifa, segurança e respeito.
“É essencial ter uma taxa de intermediação fixa e justa, com cobrança baseada em quilômetros e tempo, mantendo o valor fixo de partida como era até 2020”, afirmou Moura sobre a tarifa. Quanto à segurança, ele destacou a necessidade de um cadastro mais eficiente para passageiros e um seguro que cubra roubo e acidentes. “Atualmente, estou elaborando um projeto para instalar rastreadores em todos os carros por aplicativo, com acesso para o motorista e os municípios”, revelou. Sobre o respeito, Moura criticou as plataformas por muitas vezes imporem suas vontades sobre os motoristas. “O que buscamos é o direito de escolha e igualdade nas decisões”, disse.
Respondendo sobre os estudos que fundamentaram a remuneração proposta no PLP 536/24, Moura explicou que os valores foram calculados com base em uma pesquisa dos custos médios no país. “O projeto abrange todo o território nacional e esse montante foi calculado com base em uma pesquisa dos custos médios no país. É relevante destacar que esses valores são temporários até a implementação do sistema de markup”, explicou. Ele sugeriu ainda que o custo por quilômetro poderia ser aumentado para R$ 2,00 durante esse período.
Caso o PLP 536/24 seja aprovado, Moura afirmou que a AMPA-RJ continuará a lutar pelos direitos dos motoristas, assegurando uma regulamentação justa em cada município. “O PLP 536/2024 preserva a autonomia municipal conforme estabelecido na Lei 13.640/18, isso implica na possibilidade de uma regulamentação equitativa em cada município do Brasil. Aqui no Rio de Janeiro, vamos lutar para assegurar os direitos dos motoristas como sempre fizemos”, concluiu.
Proposta de Remuneração Baseada em Quilômetros e Tempo
Paulo Xavier, presidente da FEMBRAPP (Federação dos Motoristas por Aplicativos do Brasil) expressou sua preocupação com o conteúdo do PLP 12/2024, apontando uma falta de benefícios para os motoristas de aplicativo e uma ausência de consulta às partes interessadas durante sua elaboração.
“Sobre o PLP12, que é o projeto do governo, ele está tramitando nas comissões e estamos tentando trabalhar pela sua rejeição, pois é um projeto todo ruim. Não vemos neste projeto nada que beneficie o motorista por aplicativo. Foi um projeto no qual não participamos. É um projeto que, na verdade, esperávamos que pudesse trazer algo positivo, mas nos surpreendeu o quanto prejudica e não ajuda em nada”, afirmou Xavier.
A principal preocupação destacada por Xavier e pela FEMBRAPP diz respeito à remuneração dos motoristas. Eles argumentam contra o modelo proposto de remuneração por hora, defendendo em vez disso um sistema baseado em quilômetros rodados e tempo, que leve em consideração todos os custos fixos e variáveis do motorista, proporcionando um ganho real.
“Não vamos aceitar essa remuneração por hora, mas sim que seja por quilômetro rodado e tempo, levando em consideração todos os custos fixos e variáveis do motorista, e que proporcione um ganho real”, afirmou Xavier. Ele também destacou a importância do markup como uma ferramenta para resolver essa questão.
Segundo ele, a FEMBRAPP e outras associações de motoristas espalhadas pelo Brasil estão pleiteando a substituição e tramitação do PLP 536, que, de acordo com eles, contempla melhor as necessidades da categoria.
“Estamos tentando a substituição e a tramitação do 536, mas o governo insiste em priorizar o PLP12. O 536 ainda está meio engavetado, não avançou, e o governo quer avançar com o projeto que apresentou”, explicou Xavier.
Em uma tentativa de diálogo, a FEMBRAPP está apresentando propostas alternativas. Essas propostas visam abordar questões como autonomia para os motoristas em relação à contribuição para o INSS, manutenção do MEI como uma opção de contribuição para a Previdência, e transparência nas operações das plataformas de aplicativos.
“São pontos importantes, como a questão da transparência, necessária para que possamos ter previsibilidade em relação ao que a plataforma retém nas corridas. Atualmente, o preço flutuante permite uma manipulação das plataformas sobre o motorista. Entendemos que uma retenção fixa, mesmo que não seja tabelada, mas fixa por parte da plataforma, pode trazer uma previsibilidade maior”, destacou Xavier.
Ele completa dizendo que o markup é a solução ideal, pois considera todas as variáveis envolvidas. Porém, enquanto o markup não for implementado, eles sugerem um valor mínimo de R$ 1,80 por quilômetro rodado e R$ 0,40 por minuto de trajeto. Segundo Xavier, este valor foi determinado com base em estudos de aplicativos que analisam milhões de corridas e cobre praticamente todas as cidades do Brasil. “Sabemos que um valor único e nacional não é o modelo ideal, por isso o consideramos temporário, até a implementação do markup. Até lá, R$ 1,80 por km rodado e R$ 0,40 por minuto de trajeto será justo para os motoristas na maioria das cidades.”
Defesa do PLP 12 com Emendas
Questionado sobre qual o melhor projeto para a categoria, Luiz Corrêa, Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos (Sindmobi), diz que defende o PLP 12 com as emendas apresentadas. “Qualquer projeto de lei no processo de tramitação sofre atualizações, e o grande avanço são os acordos coletivos, dissídio e convenções coletivas. Obriga as empresas a irem para a mesa de negociação todo ano. A contribuição da previdência com alíquota diferenciada de outras categorias para atender o trabalhador em qualquer eventualidade, transparência das empresas para fins de fiscalização.”
Corrêa afirma que o PLP 536 também precisa ter mudanças, uma delas é que coloca o trabalhador como empresário e o pagamento no formato de Markup. Segundo ele, a classe precisa ter a ciência de que o PLP 536 não será pautado. “Se fosse estaríamos trabalhando para colocar emendas, mas não é a realidade. O projeto que está tramitando é o PLP 12, temos que apoiar as emendas apresentadas, não vamos ter outra oportunidade de regulamentar a categoria de motoristas de aplicativos como estamos tendo agora. A regulamentação federal dos motoristas de aplicativos é o único caminho para acabar com a exploração da Uber, 99 e inDrive. É mais fácil trabalhar o caos e vender o milagre. Mas não é justo com o motorista que já está cansado, endividado e muitos doentes. Muitos que são candidatos a vereadores estão fantasiando algo que eles sabem que é impossível, preferimos trabalhar com a verdade.”
Comparação Legal Entre PLP 536/2024 e PLP 12/2024
Mariana Ferrer, vice-procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Coordenadora Regional da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (CONAFRET), foi consultada pela equipe do 55content para analisar o PLP 536 do ponto de vista legal e compará-lo com o PLP 12 e com outras legislações internacionais.
Para ela, tanto o projeto 536/2024 de Daniel Agrobom quanto o projeto 12/2024, oriundo do Grupo de Trabalho criado pelo Governo Federal, preveem que os motoristas de aplicativo são autônomos, porém diferem em pontos importantes, como a precificação das corridas e a previdência.
“O PL 536/2024 sugere que o valor das corridas seja baseado em quilômetro e tempo, uma demanda antiga dos motoristas. Já o PLP 12/2024 propõe um valor mínimo por hora trabalhada, levando em conta os custos operacionais dos motoristas para calcular a tarifa. Na questão previdenciária, o PL 536/2024 permite que os motoristas contribuam como autônomos ou como microempreendedores individuais (MEI), enquanto o PLP 12/2024 torna a contribuição obrigatória. Neste modelo, os motoristas contribuiriam com 7,5% e as plataformas com 20% sobre 25% do valor bruto obtido pelo motorista”, explica.
Mariana Ferrer destacou que a obrigatoriedade da contribuição previdenciária no PLP 12/2024, associada à responsabilidade parcial das plataformas, é mais eficaz. De acordo com ela, isso garantiria uma cobertura previdenciária mais ampla e benefícios sociais futuros mais elevados para os motoristas cujo salário-de-contribuição ultrapasse o salário-mínimo. No entanto, ela aponta a preocupação de que, dependendo da renda mensal do motorista, a contribuição possa não atingir o valor necessário para a aposentadoria, exigindo complementação.
Outra inovação do PLP 12/2024 é a organização sindical e a negociação coletiva, áreas ainda polêmicas entre os motoristas, que muitas vezes rejeitam os sindicatos por questões políticas e ideológicas. Ferrer enfatizou a importância do amadurecimento dos motoristas para reconhecer a relevância da organização sindical, como previsto na Constituição Federal e em organismos internacionais, embora os sindicatos atuais ainda não estejam regularizados pelo Ministério do Trabalho e Emprego.
Necessidade de Melhorias e Conformidade Internacional
Segundo ela, a transparência também foi abordada no PLP 12/2024, que exige clareza sobre os critérios de oferta de viagens, pontuação, bloqueio, suspensão e exclusão das plataformas, bem como sobre a composição do valor da remuneração dos motoristas. Porém, Ferrer criticou a falta de avanços no direito de defesa dos motoristas em caso de bloqueio, com a regulamentação ainda deixada aos termos de uso das próprias plataformas. O PL 536/2024, por outro lado, traz previsões mais detalhadas sobre este tema.
“Na verdade, os dois projetos apresentam pontos favoráveis e desfavoráveis, porém nenhum deles categoriza as plataformas digitais como o que de fato são, empresas de transporte, ou conferem verdadeira autonomia ao trabalhador, embora o classifiquem como trabalhador autônomo”, resume.
Ela finaliza dizendo que ambos os projetos estão em desconformidade com as regulamentações oriundas de outros países e organizações internacionais, a exemplo da União Europeia e da Espanha, embora este país tenha sido a inspiração para o Grupo de Trabalho do qual resultou o PLP 12/2024.
“De fato, a União Europeia, por exemplo, aprovou Diretiva que confere presunção de vínculo empregatício do trabalhador em relação à plataforma, desde que satisfeitas as condições mínimas estabelecidas na norma. Ademais, a legislação criada na Espanha para os entregadores trouxe presunção de laboralidade para a categoria, além de direito à informação sobre a utilização de algoritmos e inteligência artificial. Por fim, decisões judiciais emblemáticas, como a que foi proferida no Reino Unido em face da empresa Uber, conferiram um rol de direitos amplo aos motoristas, tais como renda mínima, férias anuais, limitação de jornada e plano de pensão, que acabou por ser estendido a todos os motoristas do Reino Unido”, finaliza Mariana Ferrer.
O que Pensam as Plataformas?
A equipe do 55content entrou em contato com a Uber, 99 e inDrive para captar as perspectivas e reações das empresas diretamente afetadas pelo projeto.
Enquanto a Uber ainda não nos respondeu até o momento de publicação dessa matéria, a 99 optou por não participar da reportagem. Já a inDrive respondeu que:
“Toda regulamentação é legítima e positiva, uma vez que visa organizar a atividade econômica de forma estruturada por lei, garantindo segurança jurídica e oportunidade a todos os participantes e fortalecendo a livre concorrência. O Brasil, certamente, está pronto para discutir os termos, em especial, se der ouvidos aos motoristas e entregadores. A inDrive reforça que continuará empenhada em trabalhar em conjunto com todo o setor e Governo, mas pondera sobre a busca de um verdadeiro equilíbrio, ao compreender demandas diretas de motoristas parceiros. Neste estágio, a inclusão da contribuição previdenciária e o padrão de ganhos mínimos são consenso e avanços necessários – é ponto pacífico. No entanto, é preciso considerar maior isonomia setorial. A formulação do Projeto de Lei 12/2024, em todo o conjunto, abre brechas a um monopólio, o que seria prejudicial para o bom funcionamento da atividade e do exercício da livre concorrência, prejudicando demanda e oferta – afinal, todo o sistema se molda apenas ao modelo de um grupo econômico. Em partes, a inDrive entende que demandas diretas da categoria não foram atendidas – como, por exemplo, a extinção dos bloqueios compulsórios, já que não há liberdade de escolha para os parceiros. Portanto, é compromisso assumido pela empresa diante de todo o setor buscar o entendimento e soluções diretas aos trabalhadores e eliminar as chances de concentração de mercado.”