Gabriel, mais conhecido como “Uber da Tribo”, trocou os campos de futebol pelas ruas de São Paulo. Ex-jogador, com passagens por clubes como São Paulo e Santos, além de quatro anos atuando em Portugal, ele viu nos aplicativos de transporte uma saída quando a carreira esportiva perdeu fôlego. Confira abaixo a entrevista completa:
Você era jogador de futebol e agora está nos aplicativos. Como foi essa transição?
Comecei no futebol com 5 anos e passei por clubes como São Paulo e Santos. Joguei também em Portugal, onde vivi por quatro anos. Tive uma trajetória bacana, mas sem grande destaque. Quando parei de jogar, voltei para São Paulo e comecei a trabalhar como motorista de aplicativo no ano passado. Foi um plano B viável, especialmente por não ter terminado a escola. Logo comecei a criar conteúdo e sigo nesse caminho.
Então você está há cerca de um ano nos aplicativos. Como é a sua rotina de trabalho?
Gosto de trabalhar entre 4h30 da manhã até 6h ou 7h da noite, às vezes mais. Fico entre 15 a 16 horas na rua, com pausas para almoço e café. Trabalho também nos fins de semana e feriados. Não troco de turno, mantenho esse horário fixo e trabalho até o cansaço bater.
Como foram seus primeiros dias no aplicativo? Você pensou em desistir?
O início foi bem conturbado. Quando voltei de Portugal, comecei com o carro da minha mãe. Sem experiência, sem noção de custo, de manutenção… Logo que comecei, fiz uma viagem para São José dos Campos e o motor do carro travou — foi uma dívida de mais de R$ 8.000. Depois aluguei um carro e fui assaltado seis dias depois. Paguei R$ 2.500 de franquia. Tive todos os motivos para desistir, mas orei, pedi força e segui. Acabei conhecendo a Locacard, que me apoiou com um preço mais justo e virou minha parceira — hoje sou embaixador da marca.
Hoje você tem carro próprio ou ainda aluga?
Tenho um carro próprio, um C4 Cactus. Mas continuo divulgando a locadora, inclusive comparando os custos de rodar com carro próprio e alugado. Mostro que é possível sim faturar com carro alugado, dependendo da região e do valor cobrado.
Quanto você gasta por dia com combustível e alimentação?
Gasto, em média, R$ 160 a R$ 170 por dia com etanol. Isso varia conforme trânsito e tipo de corrida. Encho o tanque antes de começar a trabalhar e abasteço sempre no mesmo posto, por confiança. Em termos de rendimento, costumo multiplicar o valor abastecido por 5 em faturamento.
E quanto aos outros gastos diários? Você almoça fora ou leva comida de casa?
Levo marmita de casa 90% das vezes. Uso marmita elétrica e levo também pão, frutas e água. É uma economia que pode chegar a R$ 30 ou R$ 40 por dia. Às vezes almoço fora para trocar ideia com outros motoristas e dar uma descansada, mas evito para manter o controle de gastos.
Você separa dinheiro diariamente para manutenção do carro?
Sim, tiro 10% do que faturo por dia. Esse valor vai para um CDB, junto com a reserva para depreciação do veículo. Também incluo o custo do seguro. Faço todas as contas mensais e divido por 22 dias — mesmo que o mês tenha 26 dias úteis. Isso me dá uma margem de segurança de até 8 dias para descansar ou lidar com imprevistos, sem comprometer o planejamento.
Por que você divide os custos por 22 dias e não pelos 30 ou 26 dias úteis?
Porque é uma forma de ter uma margem de erro planejada. Se eu não quiser trabalhar 8 dias no mês por qualquer motivo — cansaço, filho doente, compromissos pessoais —, consigo me programar financeiramente. Também posso compensar em outro dia de maior faturamento. É uma forma de manter a organização e reduzir a ansiedade.
O que você acha do impacto emocional das dívidas e pressões financeiras no trabalho do motorista?
Isso afeta muito. Quando alguém sai para trabalhar já pensando no quanto precisa ganhar, a cabeça já sai estressada, e isso gera um efeito cascata: trata mal o passageiro, recebe nota ruim, se frustra. Quando se está com a mente pesada, nada flui — nem no aplicativo, nem em qualquer outra profissão. Foi algo que eu aprendi com referências como o Luizinho, que é muito organizado e me inspirou bastante. O erro de muitos motoristas é achar que o valor do dia é lucro, sem considerar as dívidas e os custos. Para ter qualidade de vida, tem que quitar dívidas e se organizar.
Você já passou por esse tipo de deserto financeiro?
Sim. Tive uma dívida de mais de R$ 10.000. Decidi focar totalmente em quitá-la, sem distrações. Cortei tudo — lazer, pizza, balada — e conversei com minha parceira para alinhar esse esforço. Hoje, não tenho mais dívidas. Moro com minha namorada, os custos são divididos, e a realidade que vivo hoje é diferente, mas entendo que muita gente tem aluguel, escola de filho, outras responsabilidades. Por isso, sempre aconselho organização e foco.
E como evitar decisões ruins no app, como aceitar qualquer corrida sem analisar?
O tal do “dedo nervoso” acontece quando o motorista está desesperado. Ele aceita corridas ruins, mal pensadas, e erra repetidamente ao longo do dia. Por isso, ter a cabeça tranquila é fundamental. Só assim o motorista faz boas escolhas, otimiza seu ganho e evita frustrações.
Qual região de São Paulo você costuma rodar?
Rodo principalmente na área de atuação da categoria Black, que é o centro expandido: Jardins, Vila Mariana, Lapa, Vila Leopoldina, Bela Vista… regiões mais nobres, onde há mais demanda por corridas Black. Sempre digo: “Quer saber onde tocar Black? Onde moram os ricos”. É onde está o público que busca conforto, qualidade e paga por isso.
Você trabalha por tempo ou por quilometragem?
Trabalho muito focado no tempo. Quando usava carro alugado com quilometragem livre e sem custo de manutenção, só me preocupava com combustível. Corridas longas que pagavam bem por minuto sempre foram vantajosas para mim. Em São Paulo, 10 km podem demorar 40 minutos — se isso render R$ 50, vale muito a pena.
Você roda por quais aplicativos atualmente?
Uber e 99. Estou me preparando para voltar para a inDrive também. Muitos têm preconceito com a plataforma, mas é dinheiro na rua. É mais uma opção que pode te salvar se for bloqueado em outro app, por exemplo.
Qual é o seu faturamento médio por dia?
Hoje, graças a Deus, consigo alcançar a meta que eu estipular. Se quiser fazer R$ 500, eu faço. Se quiser fazer R$ 1.000 num dia normal, também consigo. Tenho conhecimento de praça e estratégias, além de apoio de um grupo chamado Tropa do Chama, que compartilha informações em tempo real e ajuda bastante.
O que é a Tropa do Chama? Como funciona esse grupo?
É uma comunidade criada pelo Luizinho. Usamos o Discord, um app de comunicação por voz em tempo real, bem melhor que WhatsApp para esse tipo de troca. Ficamos com fone de ouvido e compartilhamos corridas e decisões. Se alguém pega uma corrida para Guarulhos, por exemplo, pergunta ali: “Compensa?”. E alguém responde com base nas condições reais do local. O grupo traz agilidade e ajuda tanto iniciantes quanto veteranos com 30.000 ou 40.000 corridas que ainda não sabem usar o app da melhor forma.
Você também pesquisa pontos estratégicos para o grupo?
Sim. Estou mapeando horários de check-out de Airbnbs para saber onde e quando é mais provável ter chamadas para aeroportos, por exemplo. Isso será compartilhado com a Tropa. Muitas dessas informações são exclusivas do grupo. Dicas mais gerais eu compartilho nas redes, mas estratégias mais profundas ficam com o pessoal de lá.
Você começou a produzir conteúdo quando? Foi logo que começou a trabalhar como motorista?
Foi depois de ter sido assaltado. Fiz um curso chamado “Manual do Motorista Monetizado”, de um cara de Minas. O curso dava acesso a um app chamado RotaPP e ensinava a gravar vídeos e vender o produto ganhando comissão. Sempre fui “sem vergonha” nesse sentido, então comecei a gravar sem medo. Fui pegando referências de criadores maiores e desenvolvendo meu estilo. Além de ajudar motoristas com informação, também falo sobre minha fé em Jesus, de forma respeitosa, sem imposição — minha namorada, por exemplo, é umbandista, e convivemos com respeito. Hoje, com o crescimento do canal, recebo tantas mensagens que não consigo mais responder todo mundo, por isso direciono muitas pessoas para a Tropa do Chama.
Qual o maior desafio em conciliar o trabalho de motorista com a produção de conteúdo?
É como ter dois trabalhos. Hoje temos ferramentas como o ChatGPT que facilitam a criação de conteúdo, mas no começo foi tudo na raça. A dificuldade me treinou. Aprendi a gravar enquanto dirijo — o celular já virou quase uma extensão do meu braço. O mais difícil hoje é pensar no conteúdo em si, no que dizer, já que estou sozinho no carro e tenho que improvisar rápido. Mas tudo que posto é real, é meu dia a dia mesmo, sem roteiro nem invenção.
Qual é o melhor e o pior tipo de corrida para você hoje?
Hoje em dia, não tenho mais uma preferência. Já gostei mais de corridas longas porque mantinham minha média por hora alta. Mas como rodo na categoria Black, essas corridas longas são mais raras. Fico com Comfort e Black ligados, e uso a 99 como se fosse o X — e tem corrida na 99 que paga melhor que corrida Black. Para mim, é lucrativo. Faço o que funciona para o meu contexto e mostro isso para quem me acompanha.
Na sua opinião, qual é a principal dor ou dificuldade compartilhada pelos motoristas?
Sem dúvida: o trânsito e as corridas mal remuneradas. Muita gente reclama da Uber, e embora eu entenda e até concorde em alguns pontos, também sei que há questões maiores — como o que o governo cobra das plataformas. Não defendo as empresas, mas tento ver o todo. Eu, Gabriel, consigo ganhar dinheiro mesmo com os problemas atuais. Por isso, não fico batendo nessa tecla. Acho que falta uma liderança, alguém que represente a categoria com seriedade. Mas a categoria é muito desunida.
Você olha sua taxa média de desconto da Uber?
Não. Tenho acesso, mas não olho. Mesmo com taxas altas, consigo fazer meu dinheiro. Reclamar por mim não faz sentido, porque consigo viver disso. Claro que acho que poderia haver melhorias e que deveríamos ser mais unidos, mas a realidade é que cada um pensa no próprio bolso. Se houvesse mais união, talvez conseguíssemos ter um representante de verdade para lutar pelos nossos direitos.
Você sente que há muita desunião entre os motoristas?
Com certeza. Muitos não têm acesso à informação, nem sabem que existem influenciadores do segmento. Posto uma corrida boa e já aparece um monte de crítica. Cada um quer saber só de si, e isso enfraquece qualquer movimento. Falta apoio mútuo. Todo mundo quer melhorias, mas ninguém quer se juntar para lutar por elas.
Você acha que vale a pena ser motorista de aplicativo? E o que diria para quem está começando?
Sim, vale a pena — dependendo da sua situação anterior. É uma profissão cansativa e estressante, mas que pode sim trazer dinheiro. Se a pessoa estiver com a cabeça boa e organizada financeiramente, dá para produzir bem. O que eu diria para quem está começando é: busque informação, entenda seus custos e não acredite que é só sair ligando o app e aceitando corrida. Se organize desde o início, isso faz toda a diferença.
O que você falaria para alguém que está querendo começar como motorista de aplicativo? Algo que você gostaria de ter escutado quando começou?
Gostaria de ter tido um auxílio sobre como escolher corridas, como trabalhar. Fui atrás sozinho, com humildade para aprender, mas se alguém tivesse me falado desde o início: “Evita tal lugar, tal horário, escolhe corrida assim”, teria me desenvolvido mais rápido. Também entender meus custos foi essencial. No começo, achava que o valor que aparecia na tela era todo meu — não fazia ideia do quanto gastava com combustível, manutenção. Me matava para fazer R$ 250, R$ 280 por dia, mas com conhecimento tudo mudou. Saber filtrar corridas e entender seus custos pode te colocar dez passos à frente.
Você tem alguma corrida que te marcou muito? Alguma história inusitada ou emocionante?
Tenho duas histórias marcantes envolvendo louvor. Em ambas, passageiras entraram no carro e estava tocando uma música que elas haviam cantado o dia inteiro. As duas começaram a chorar. Uma delas disse que estava ouvindo aquela música de manhã, e eu falei: “Acho que Jesus quer falar com você”. Ela chorou muito durante a corrida. A outra disse que chorava de alegria porque seu dia tinha sido bom. Eu também chorei junto. Essas experiências mostram o quanto falta gratidão — muitos motoristas têm carro próprio, bons ganhos, e ainda reclamam demais. Acho que ser grato é essencial, mesmo nos momentos difíceis. E evitar espalhar reclamações ajuda a manter o ambiente melhor para todos.
Você comentou que vende produtos no carro. O que você vende e como funciona? Vale a pena?
Vendo perfumes de bolso, e acho que é uma excelente renda extra para qualquer motorista. Compro por cerca de R$ 20 e vendo por até R$ 60. Já vendi seis em um único dia — meu recorde. Isso me rendeu R$ 180 de lucro. É um perfume pequeno, de 15 ml, de muita qualidade, e é fácil de vender: a pessoa entra no carro, vê minha lojinha com LED e se interessa. Às vezes, nem preciso oferecer. Tem passageiro que já entra perguntando: “Qual é o seu Pix?”. É simples: é só ter os perfumes, estudar sobre eles (se são cítricos, amadeirados etc.) e saber conversar com o cliente. Não precisa de formação, só de atitude e boa vontade.
Você recebe críticas por vender ou divulgar isso nas redes?
Sim, infelizmente existe muito preconceito. Já disseram que estou “ganhando em cima dos motoristas”, mas quem fala isso não entende o trabalho por trás. Os meninos que distribuem os perfumes, por exemplo, ficam o dia todo na distribuidora e têm o direito de ter lucro. As pessoas veem oportunidade como oportunismo — eu vejo como iniciativa. Eu também recebo por estar em outro grupo, ajudo outras pessoas e sigo fazendo o que já fazia, mas com suporte. Tem gente que me excluiu por isso, mas não dá para agradar todo mundo. A vida é assim.
Quer deixar um recado final?
Sim, só agradecer pela oportunidade. E reforçar que, como qualquer outro trabalho, ser motorista também exige preparo, esforço, e gratidão. Dá para fazer dinheiro, dá para ajudar outras pessoas e crescer. Mas é importante ter apoio, foco, humildade para aprender e fé no processo.