“Os valores são justos, os repasses que não são”: motorista relata a sua experiência de trabalho nas plataformas de transporte

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Volney Maciel, motorista de aplicativo. Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal.

Motorista de app comenta o dia a dia da profissão e detalha suas estratégias para aumentar os ganhos: “O que faz diferença é a sua estratégia e o volume de trabalho”.

Volney Maciel, motorista de 59 anos, roda em Curitiba, Paraná, e relata sua experiência com as corridas em sua região. Atuando nesse ramo desde 2016, ele deixou sua rotina de regime CLT e deu uma oportunidade para a mobilidade urbana.

Ele relata: “Eu morava em Joinville, em Santa Catarina, e trabalhava em dois empregos CLT. Tinha muito pouco tempo livre, mesmo nos fins de semana, porque uma das minhas folgas era no sábado e a outra no domingo. Não tinha descanso. As férias também nunca coincidiam, então eu praticamente não tinha férias. Sentia que estava caminhando, acredito eu, para a morte. Já estou quase com 60 anos, e naquela época, com 54, já sentia os efeitos no corpo.

Foi então que decidi mudar. Na época, os aplicativos de transporte estavam começando, acho que tinham um ou dois anos no mercado. Resolvi tentar. Saí de um emprego, depois do outro, comprei um carro e investi nisso. Desde então, nunca mais parei. Hoje, já estou há quatro anos em Curitiba, trabalhando como motorista de aplicativo.”

Ele, que iniciou os trabalhos com os apps em 2018, explica que a mudança de cidade refletiu diretamente na demanda por corridas, “que é muito maior em Curitiba”.

Sobre o trabalho, Maciel afirmou que Curitiba oferece muito mais oportunidades. No entanto, percebeu que os valores pagos pelos aplicativos não mudaram em nada de Joinville para Curitiba: “O que mudou foi apenas a maior demanda, o que considero uma grande vantagem”.

E ainda completa dizendo que hoje ele não se imagina trabalhando novamente em uma cidade pequena como Joinville. Ele reconheceu que, no início, a experiência foi positiva, especialmente porque trabalhava mais à noite e de madrugada, mas atualmente acredita que não valeria a pena.

Volney costuma começar o trabalho durante a semana por volta das três ou quatro horas da manhã. Nesse horário, segundo ele, consegue pegar muitas corridas, principalmente de pessoas indo para o trabalho ou para a escola.

Ele explicou que tem uma estratégia bem definida: prioriza corridas que saiam da região central em direção a áreas mais afastadas. Segundo ele, isso ajuda a evitar o fluxo maior de trânsito, que geralmente começa a partir das seis e meia da manhã, quando muitas pessoas se deslocam das áreas periféricas para o centro, causando congestionamentos.

Ele revelou também que trabalha até por volta das dez ou dez e meia da manhã e, depois disso, retorna para casa para descansar. Às vezes, volta a trabalhar no final da tarde, mas, nesse caso, adota a estratégia inversa: foca nas corridas que partem das áreas periféricas em direção ao centro, acompanhando o movimento de retorno das pessoas para casa no final do dia.

Ele concluiu explicando que essas estratégias, escolhendo horários, locais e o fluxo ideal dependendo do dia da semana: “São fundamentais para otimizar o trabalho e os ganhos”, diz.

Quanto você tenta faturar, em média, por dia?

Durante os dias da semana, de R$ 200 a R$ 250, e aos finais de semana, de R$ 300 a R$ 350.

Como você descreveria a experiência de trabalhar como motorista em Curitiba? Quais são os principais desafios e oportunidades na cidade?

Eu participo de alguns grupos no WhatsApp, e o pessoal reclama bastante. Reclamam de passageiros, dos lugares, dizem coisas como ‘não vou para tal bairro, não vou para tal cidade’. Aqui, se não me engano, temos entre 10 e 13 cidades na região metropolitana de Curitiba. Tem muita gente que não aceita corridas para determinadas cidades porque acham que é ruim, que os passageiros são piores, ou porque consideram perigoso.

Eu, sinceramente, não tenho essa restrição. Para mim, ainda é muito bom trabalhar aqui. Não me vejo voltando para uma cidade menor, porque com a remuneração dos aplicativos, você não consegue se sustentar. O que faz diferença é a sua estratégia e o volume de trabalho. Como Curitiba tem bastante demanda, isso ajuda bastante.

Claro, uma das minhas estratégias é aceitar apenas corridas que realmente valham a pena. Não fico aceitando qualquer coisa, clicando de forma aleatória, sem pensar. É preciso ter critério e trabalhar de forma planejada para fazer valer a pena.

Tem muita gente que não tem estratégia nenhuma e só reclama. No meu caso, eu sigo as minhas estratégias, sou fiel a elas, e ainda acho que está bom para trabalhar.

Você acha que os valores cobrados pelas plataformas são justos?

Até acho justos os valores cobrados dos passageiros, mas o problema é o repasse para os motoristas, que não é nada justo. Já vi casos, por exemplo, em que o aplicativo — falo muito da Uber porque é o mais usado, e eu só trabalho com Uber e 99.

Te dou um exemplo: uma vez fiz uma corrida do aeroporto até a cidade da Lapa, na região metropolitana. O aplicativo ia me pagar setenta e poucos reais. Fiz meus cálculos, achei que valia a pena, então aceitei. Só que depois descobri que o passageiro tinha pago 140 reais pela corrida.

Tudo bem, eu entendo que a Uber é uma empresa e visa lucro, não é caridade. Mas por que cobrar 50% de comissão? Então, vejo que o repasse é o problema, não o valor cobrado dos passageiros.

Outro ponto é que a 99 tem uma taxa melhor. Eles cobram menos e repassam mais para o motorista, o que considero um pouco mais justo. Claro, a Uber tem suas vantagens, mas, quando se trata de repasse, a 99 acaba sendo mais interessante. Mesmo assim, nenhuma delas é perfeita.

O que você acredita que essas plataformas poderiam fazer para melhorar o faturamento diário dos motoristas e tornar o trabalho mais vantajoso e sustentável?

Melhorar o repasse. Priorizar mais o motorista do que o passageiro. O problema é que as plataformas costumam focar muito em promoções e descontos para os passageiros, mas não oferecem incentivos reais para os motoristas.

A 99, por exemplo, tem algo que considero muito positivo: os convênios para desconto em combustível. Apesar de eu não usar tanto a 99, reconheço que os descontos que eles oferecem nesse aspecto são excelentes. Agora, imagina se a Uber, com todo o poder de negociação que tem, investisse nisso também. Eles poderiam conseguir descontos ainda melhores para os motoristas. Mas, nesse ponto, eles simplesmente não se mexem. Nunca vi a Uber fazer algo parecido.

Em vez disso, oferecem benefícios que não fazem sentido. Descontos em academias, por exemplo. Sinceramente, nunca vi um motorista dizendo: ‘Vou trabalhar com a Uber porque eles dão desconto na academia.’ Isso não atrai ninguém. Outro exemplo são os descontos em seguradoras. A maioria de nós prefere pesquisar e escolher o que funciona melhor individualmente, sem depender da plataforma. Essas ‘vantagens’ que eles promovem não são úteis.

O que realmente faria diferença seria um repasse mais justo e benefícios que impactem diretamente o nosso dia a dia, como descontos em combustível ou manutenção de veículos. Mas, infelizmente, eles continuam cobrando o que querem, repassando o que querem, sem oferecer melhorias significativas para os motoristas.

E como foi para você a transição de empregos CLT para o trabalho como motorista de aplicativo? Que impacto essa mudança teve na sua vida?

Sem dúvida, foi muito melhor. Muito melhor para a minha saúde. Agora eu faço os meus horários. Se tenho algo importante para resolver, como compromissos familiares, consultas médicas ou até mesmo levar minha família para algum lugar, consigo me programar. Isso é algo que não era possível antes.

Também posso organizar meu tempo para fazer passeios ou cuidar das coisas do dia a dia. Minha qualidade de vida melhorou muito. Por exemplo, agora consigo tirar férias de verdade, algo que nunca foi possível quando trabalhava em dois empregos CLT. Antes, se tirava férias de um, continuava trabalhando no outro, e isso não era um descanso completo. Eram férias pela metade.

Hoje, consigo planejar viagens e realmente aproveitar esse tempo. Embora eu trabalhe bastante, muitas horas como já comentei, ainda assim não trocaria. Considero que tenho muito mais qualidade de vida agora.

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