“Não sou seletivo: aceito duas corridas ‘ruins’ e, na terceira, a Uber me oferece uma excelente”, diz motorista de app

Motorista de app conta: “No mês faturo de 2.400 a 3 mil, descontando combustível, alimentação e o aluguel do veículo de R$ 450 por semana”. 

Homem sorridente dentro de um carro, usando uma jaqueta com forro de lã e camisa roxa.
Foto: Carlos Brito para 55content

Carlos Brito atua como motorista de aplicativo desde 2016. Natural de Belém do Pará, ele iniciou sua trajetória na área após deixar o emprego em uma empresa de ônibus e receber indicação de um amigo para a plataforma. 

Ao longo dos anos, já trabalhou em diferentes cidades, incluindo Salvador e São Paulo, e atualmente está de volta a Belém, onde continua exercendo a atividade. Nesta entrevista, Carlos compartilha sua experiência, rotina de trabalho, estratégias para manter um bom faturamento e sua visão sobre os desafios enfrentados pelos motoristas de aplicativo.

Como você se tornou motorista de aplicativo e há quanto tempo trabalha nessa área?

Carlos: Eu comecei no dia 15 de novembro de 2016. Na época, tinha saído de uma empresa de ônibus onde trabalhei até julho daquele ano. Decidi dar um tempo do trabalho convencional. Foi então que um amigo, que também tinha saído da mesma empresa e já estava atuando como motorista de aplicativo, me indicou para a plataforma. Perguntei como funcionava, ele me explicou e me levou até o escritório da Uber em Salvador, onde morava na época. Fiz o processo lá, fui aprovado e comecei a rodar. Um detalhe interessante é que ele também me indicou porque havia uma bonificação para quem levasse novos motoristas, então acabou sendo vantajoso para ele também.

E como é a sua rotina hoje como motorista de aplicativo? De que horas a que horas você trabalha? Você costuma fazer pausas? Trabalha todos os dias da semana? Segue alguma meta?

Carlos: Logo no início, trabalhei cerca de três meses durante o dia. Depois, preferi mudar para o turno da noite, porque em São Paulo, onde eu estava, as corridas à noite eram melhores. No entanto, tem o lado perigoso: fui assaltado sete vezes e, em duas dessas ocasiões, fui sequestrado. Em uma delas, me levaram para um cativeiro e, na outra, levaram só o carro, que ficou todo depenado. O carro foi encontrado graças ao rastreamento e a polícia me chamou para recuperá-lo.

uanto a metas, nunca estabeleci um valor fixo. Não gosto de me prender a isso, porque, se não bato a meta em um dia, acabo tendo que compensar no seguinte. Minha rotina era sair entre 6 e 7 da noite, fazer algumas pausas — especialmente em um posto onde eu e outros motoristas sempre parávamos — e retomava por volta de meia-noite ou 2 horas da manhã, quando o movimento aumentava com o pessoal saindo de eventos e bares. Hoje, mudei um pouco essa rotina e trabalho mais durante o dia.

E sobre faturamento: você segue alguma meta diária, tipo R$ 200, R$ 250, R$ 300? Como costuma funcionar para você?

Carlos: Prefiro focar na lucratividade. Costumo tirar limpo entre R$ 100 e R$ 120 por dia, já descontando combustível, alimentação e aluguel do carro. Mas já consegui tirar bem mais que isso, depende muito da semana e do ritmo. Eu também não fico correndo demais; faço pausas para descansar, às vezes até tiro uma soneca no carro mesmo. Se estou perto de casa, paro para almoçar e fico um tempo a mais parado. Já tive semanas em que consegui fazer R$ 3.400.

E no final do mês, quanto dá para tirar, em média?

Carlos: No mês, dá para tirar entre R$ 2.400 e R$ 3.000 limpos. Isso já descontando tudo: combustível, alimentação e aluguel do carro. Eu não tenho carro próprio, então alugo de terceiros, não de locadora. Por isso, pago um valor mais acessível: R$ 450 por semana. Já faz dois anos que voltei para Belém e estou rodando há cerca de um ano. Nesse período, já trabalhei com dois carros diferentes e, nos dois, paguei o mesmo valor de R$ 450 por semana. É bem mais barato do que locadoras, que cobram R$ 570, R$ 600 nos carros pequenos e até R$ 800 nos sedãs. Sinceramente, não compensa alugar direto de locadora, porque os valores das corridas não acompanham esses aumentos.

Além das corridas, você consegue alguma renda extra?

Carlos: Sim, faço muitas amizades com os passageiros e, às vezes, consigo corridas particulares. Também costumo viajar bastante para o interior. Normalmente, faço a corrida pelo aplicativo, mas depois combino diretamente com o cliente para a volta ou outros trajetos. É uma forma de aumentar o faturamento, já que as despesas maiores, como combustível, já foram cobertas.

E com combustível, quanto você costuma gastar por dia?

Carlos: Na média, gasto cerca de R$ 100 por dia. Quando corro bastante, chega a isso. Mas tem dias em que gasto menos, depende do movimento e das corridas que faço

Você comentou que é motorista de aplicativo há um tempo. Na sua opinião, antes era mais fácil trabalhar com a Uber e outros apps?

Carlos: Olha, para falar a verdade, eu acredito que os aplicativos hoje até oferecem uma condição melhor de trabalho. Digo isso porque você acaba sendo seu próprio patrão. Não tem aquela obrigatoriedade, aquela pressão de horário fixo, chefe cobrando, sabe? Você tem liberdade para decidir se acorda cedo, se começa mais tarde, se quer parar durante o dia. Por isso mesmo que eu não gosto de colocar metas rígidas. Aqui em Belém, por exemplo, chove bastante, então tem dias que, se está chovendo forte, eu simplesmente opto por não sair. Diferente do trabalho convencional, onde chova ou faça sol, você precisa cumprir o horário e responder ao patrão se houver atrasos.

Além disso, eu gosto de lidar com pessoas, puxar assunto com os passageiros, interagir, sempre respeitando o espaço de cada um. Também gosto muito de dirigir, então esse trabalho me agrada bastante. Para você ter uma ideia, quando eu estava em São Paulo, recebi propostas para voltar a trabalhar em empresas de ônibus, mas não aceitei. Preferi continuar no aplicativo, no meu ritmo, sem ninguém mandando em mim. Sempre tive esse perfil, de não gostar de chefes me controlando. E como gosto de conversar com os passageiros, essa liberdade foi um dos principais motivos que me fez permanecer no aplicativo desde 2016 até hoje.

E falando sobre faturamento, em 2016 e 2017 você acha que conseguia faturar mais? Fazia mais número ou era parecido com agora?

Carlos: Com certeza, naquela época dava para faturar bem mais. Quando comecei, o aplicativo ainda estava crescendo. Ele chegou em São Paulo em 2015, se não me engano, e eu entrei no final de 2016. Quem já estava desde o começo ganhava bastante. Até antes da pandemia o rendimento era muito bom. Depois, com o tempo, foi diminuindo, porque aumentou muito o número de motoristas. Hoje a concorrência é maior. Mesmo com o combustível caro e os preços de aluguel de carro altos — principalmente em locadoras —, ainda dá para tirar um bom valor, mas não é como antes.

Também tem a diferença regional. Eu voltei para Belém em 2023 e, sinceramente, São Paulo é muito melhor para trabalhar, tanto em quantidade de corridas quanto no faturamento. Aqui em Belém as condições são mais limitadas, mas dá para fazer um bom rendimento com estratégia.

Você tem algum aplicativo favorito para trabalhar? Prefere Uber, 99, ou outro?

Carlos: Em São Paulo, trabalhei em vários aplicativos. Inclusive, tive uma experiência muito boa com a Cabify. Era excelente. Eu tinha um Voyage e ele entrava numa categoria superior lá na Cabify, então as corridas compensavam muito. Infelizmente, a Cabify saiu do Brasil. Depois disso, continuei trabalhando com Uber e 99. No entanto, tive um problema com a 99: fui banido da plataforma e até hoje não entendi o motivo. Fui até o escritório deles em Santo Amaro, onde morava, para tentar entender, mas nunca me deram uma explicação clara. Desde então, fiquei só com a Uber. Aqui em Belém é a mesma coisa, estou apenas na Uber. Minha avaliação estava em 4,99 e atualmente está em 4,95.

Você costuma ser um motorista seletivo com as corridas ou aceita a maioria das chamadas?

Carlos: Eu aceito praticamente todas as corridas. Aqui em Belém, por ser uma cidade menor, muitas corridas são de valor baixo, mas não costumo recusar. O que faço é pausar o aplicativo quando estou finalizando uma corrida, para não ser acionado antes de terminar. Normalmente, quando faltam uns 2 ou 3 minutos para deixar o passageiro, eu volto a ficar disponível.

Não gosto de selecionar demais porque, muitas vezes, aceito uma ou duas corridas mais simples e logo depois aparece uma corrida boa, que compensa. Já aconteceu várias vezes de a terceira corrida ser excelente ou me levar para um bairro bom para rodar. Além disso, acredito que aceitar as corridas ajuda a manter uma boa nota.

Vejo muita gente em grupos de motoristas reclamando que só aparece corrida pequena, mas quando perguntamos a avaliação deles, estão com nota baixa, tipo 4,70 ou 4,80. Eu sempre prezei por manter minha nota alta, minha média sempre foi 4,95 para cima.

Recentemente, minha nota caiu um pouco porque o carro que estou usando agora não é de locadora, é de terceiros, e ele estava um pouco surrado. A porta rangia, o vidro também tinha problema. Dei um jeito de consertar, mas enquanto estava assim, alguns passageiros acabaram me avaliando para baixo. Mesmo assim, continuo aceitando a maioria das corridas, acredito que no fim compensa mais.

Seu Carlos, qual dica você daria para quem está começando a trabalhar com a Uber? E na sua opinião, ainda vale a pena ser motorista de aplicativo?

Carlos: Minha dica principal é que a pessoa não fique refém do horário e nem das corridas. Tem muita gente que fica escolhendo demais, esperando só corrida boa, e acaba perdendo muito tempo parado. No final do dia, essa espera acaba pesando no bolso. Às vezes o ganho fica abaixo do esperado justamente por ter passado horas selecionando corrida. Então eu aconselho a aceitar mais, ser flexível, trabalhar com constância.
Eu ainda recomendo que as pessoas entrem para o aplicativo, seja como renda extra ou como renda fixa. No meu caso, é minha fonte de renda fixa desde 2016. Nunca mais trabalhei como empregado, só com o aplicativo.

Claro que existem situações negativas, como em qualquer área, mas eu acredito que cada um pode criar sua própria maneira de trabalhar, sua rotina. Isso não quer dizer que todo mundo vá ganhar muito dinheiro fácil, mas o espaço ainda existe. Sempre tem rotatividade: tem gente desistindo, outros voltando para o mercado formal, e acaba abrindo espaço para novos motoristas.

Se o mercado estivesse saturado, acredito que a própria plataforma já não aceitaria mais cadastros. Aqui em Belém, por exemplo, fui duas vezes ao escritório físico da Uber e nas duas ocasiões tinha pouca gente lá, só dois motoristas fazendo reclamações. Bem diferente de São Paulo, onde o escritório está sempre lotado, com vários atendentes para dar conta da demanda. A diferença de volume de motoristas entre as cidades é bem clara.

E você comentou que consegue fazer cerca de R$ 2.000 por mês com carro alugado. Para você, qual é a maior dificuldade enfrentada pelo motorista hoje?

Carlos: A maior dificuldade, sem dúvida, é o valor da corrida mínima. Esse é o principal problema para nós motoristas. O combustível vive aumentando, o custo de manutenção e aluguel de carro também, mas o valor das corridas continua praticamente o mesmo.

Para ter uma ideia, em São Paulo, eu alugava um carro sedã por R$ 550 por semana e pagava gasolina por R$ 2,99. Quando vim para Belém, já pagava gasolina a R$ 3,29. Hoje, aqui, o combustível está custando R$ 6,15, até R$ 7 em alguns postos, e o valor da corrida não acompanhou esse aumento.

Esse é um dos grandes questionamentos que todos nós temos. Seria justo que houvesse um reajuste no valor das corridas para compensar esses custos.

Seu Carlos, eu acho que era isso. Mas gostaria de saber se você sentiu falta de falar algo ou gostaria de acrescentar alguma coisa.

Carlos: Eu gosto mais quando me perguntam, assim vou lembrando dos assuntos. Mas acho que falamos tudo o que precisava.

Se fosse para acrescentar algo, diria que gostaria de ver mais união entre os motoristas. Infelizmente, vejo muito motorista puxando o tapete dos outros. Eu participo de um grupo grande, com quase 250 mil motoristas, e acompanho muita gente entrando lá para buscar informações, querendo saber se vale a pena começar. Aí vejo colegas desmotivando, jogando contra, reclamando. Mas é curioso: eles falam mal, mas continuam rodando. Sempre digo que o “osso pode estar duro, mas o cachorro não larga”.

Acredito que falta mais união na categoria, mais companheirismo. Em vez de desmotivar quem está começando, deveríamos dar orientação sincera e ajudar, porque tem espaço para todo mundo. Pode estar difícil, mas dá para trabalhar.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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