Thiago Lima é motorista da Uber em Curitiba (PR) e começou no app antes da pandemia para fazer uma renda extra, mas hoje transformou a atividade em sua renda principal. Cerca de 98% do seu faturamento vem do trabalho como motorista da categoria Uber Black.
Trabalhar com aplicativo em Curitiba pode parecer simples à primeira vista, mas, como mostra o motorista Thiago Lima, a realidade exige muito mais do que apenas dirigir. Ativo nas redes sociais e rodando exclusivamente com Uber Black, Thiago começou na profissão pouco antes da pandemia como uma forma de renda extra e, com o tempo, transformou a atividade em seu trabalho principal — hoje, 98% de sua renda vem das corridas.
Ele que começou com um carro popular, mas hoje roda de carro elétrico, se destaca pela visão estratégica sobre custos, pela disciplina com metas diárias e pelo olhar crítico sobre a profissão. Entre análises sobre quilometragem e ganhos por hora, relatos de atendimento a passageiros com necessidades especiais e até episódios de preconceito vividos dentro do veículo, Thiago oferece um retrato sincero da vida nas ruas, com seus desafios, aprendizados e recompensas.
Nesta entrevista, ele compartilha sua trajetória, explica por que o carro elétrico faz sentido mesmo com o alto investimento inicial, detalha sua organização financeira e dá conselhos diretos para quem está pensando em começar nos aplicativos. Para ele, mais do que rodar muito, o segredo está em conhecer o próprio custo, saber onde está pisando, ou melhor, dirigindo, e principalmente ter controle emocional para lidar com as surpresas do dia a dia.
Como e quando você começou a trabalhar como motorista de aplicativo?
Então, comecei um pouco antes da pandemia. Eu tinha um Ford Ka. Comecei como uma renda extra, literalmente. Era só para suprir, uma renda a mais mesmo. Queria fazer para ver como era. Passei bastante tempo no aplicativo, fiz muitas corridas, sempre observando os custos.
Hoje, colocando na linha do tempo, o custo sempre foi algo que eu encarava como um investimento. Se eu gastava R$ 50 de gasolina, eu precisava tirar pelo menos o triplo ou quádruplo disso no dia. Então comecei dessa forma.
Tive uma pausa durante a pandemia, por causa de toda aquela doideira que aconteceu. Voltei há pouco tempo, no meio do ano passado.
Como teve a pandemia, acabei deixando os aplicativos de lado e indo para o mercado CLT. Mas não fiquei por lá e voltei para o aplicativo. Hoje estou de carro elétrico.
E aí, hoje você trabalha só com aplicativo?
Só com aplicativo. 98% da minha renda vem do aplicativo.
E em qual cidade você roda?
Curitiba, capital paranaense.
Roda em alguma cidade aí perto ou só na capital mesmo?
Não, só na capital mesmo.
E você roda na Uber, 99 ou algum outro aplicativo?
Principalmente Uber. Faço apenas Uber Black, por causa do carro elétrico.
Você comprou o carro ano passado? Como é que foi?
Sim. O carro está financiado. Dei meu carro anterior como entrada, que era um Polo Highline. O carro foi financiado e agora estou pagando as parcelas. As parcelas são “pequenas”: R$ 2.500 por mês. Baixíssimas, né? Pouquinha coisa, R$ 2.500 só. Mas consigo tirar em uma semana.
E como é a sua rotina? Você vai para a rua todo dia? Que horas você sai e que horas volta?
Moro na região sul de Curitiba, onde não toca Black. Então, preciso me deslocar todo dia, em média, de 10 a 12 km até uma região onde começa a tocar Black. Tem um horário certinho em que começa a tocar, por volta das 6h20 da manhã e fico na rua até umas 8 horas da noite.
Mas é todo dia? De segunda a segunda?
Tiro alguns dias de folga, resolvo outros problemas, mas prefiro rodar de segunda a segunda. Até mesmo nos feriados. Hoje tenho esse financiamento para pagar, então preciso matar isso logo.
Qual sua meta diária e quanto disso realmente é lucro para você?
Eu tenho uma meta mínima por dia, que é de R$ 400. Cerca de 70% desse valor fica pra mim.
E para recarregar o carro, você recarrega casa ou nos postos? Como é que funciona?
Recarrego em casa, na maioria das vezes. Instalei o box em casa, veio tudo certinho, então recarrego lá mesmo.
E você prioriza o ganho por hora ou por quilômetro?
Isso é algo que todo motorista precisa pensar com bastante atenção, porque não é tão simples quanto escolher entre hora ou quilômetro, e eu mesmo utilizo o GigU, um aplicativo que mostra a quilometragem, o valor por hora, por minuto, enfim, todos os dados que ajudam a tomar decisões melhores na rua.
Apesar disso, essa discussão sobre rodar baseado apenas em ganho por hora é bem polêmica, porque, no meu caso, que rodo exclusivamente no Black, as corridas não tocam o tempo todo, e mesmo nos horários de pico, quando a demanda é maior, ainda assim temos muitos carros Black para poucos passageiros, principalmente aqui em Curitiba, o que torna essa lógica do ganho por hora um pouco ilusória.
Por isso, eu priorizo o quilômetro, porque o valor por hora até pode parecer bom, hoje mesmo tocaram corridas de R$ 65, R$ 75 por hora, mas isso só acontece quando uma corrida entra logo depois da outra, o que raramente acontece, então a pessoa acaba se enganando ao pensar “vou rodar só por hora”, quando na prática isso não se sustenta.
O carro funciona por quilômetro, o combustível é gasto por quilômetro, o maior custo do motorista é medido por quilômetro e não por tempo, e basta pensar em algo simples para entender: ninguém faz revisão no carro a cada 250 horas, isso não existe, porque toda manutenção, seja de carro, moto, bicicleta ou qualquer outro meio de transporte, é baseada na quilometragem, exceto nos casos de veículos pesados, de uso extremo, como os de mineração, que aí sim operam por hora, mas fora isso, tudo é por quilômetro.
Então, se o motorista não fizer esse cálculo corretamente, se não souber o quanto custa cada quilômetro rodado e não tiver clareza sobre o seu custo real, ele vai acabar levando prejuízo, achando que está lucrando quando na verdade está apenas empatando o dinheiro, sem retorno de verdade pelo trabalho que está fazendo.
E qual é o melhor tipo de corrida para você? Prefere as mais longas ou as mais curtas?
Para mim, tanto faz. Eu aceito tudo, minha taxa de aceitação é 97%. Aceito todas as corridas que tocam para mim.
Então você não se considera um motorista seletivo?
Não. Tocou, eu aceito. Por ser Black, o valor do quilômetro já é bom. Hoje, o meu quilômetro mais baixo foi R$ 3,63, e agora há pouco peguei uma corrida com o quilômetro a R$ 4,90, então, bastante vantajoso.
E qual é a taxa que fica com a Uber?
Para mim, é irrelevante. Quer dizer, irrelevante modo de dizer. Tocou a corrida, é aquele o valor que ela vai me pagar, eu foco nisso. Mas, para ter uma ideia, semana passada veio o resumo com taxa de 8%.
Você acha que vale a pena investir em carro elétrico para trabalhar como motorista de aplicativo, ou só em casos específicos?
Vou colocar um ponto de vista direto: o futuro é o carro elétrico. Hoje, o meu custo por quilômetro é de R$ 0,12. Um carro a combustão, qualquer um, com a gasolina no preço que tá, aqui em Curitiba tá custando R$ 6,89, se a pessoa abastece com gasolina e o carro faz 8 a 9 km por litro, o custo por quilômetro dela vai girar entre R$ 0,70 e R$ 0,75, ou seja, ela já gasta sete vezes mais que eu.
Com um carro a álcool, considerando que o litro está a R$ 4,89 aqui, arredondando, o custo do km fica em R$ 0,50. Ou seja, veja o degrau gigantesco que existe. Tudo bem que o investimento num carro elétrico é mais alto, mas se você somar o que gasta com combustível em comparação ao que gasta com energia, você percebe que a economia paga a parcela do carro.
Eu, por exemplo, R$ 900 por mês de energia em casa para carregar o carro e faço muito dinheiro com isso.
Quanto você costuma faturar no mês?
R$ 15.000 bruto.
E quanto realmente é lucro?
Mais de R$ 8.000. Eu coloco todas as minhas despesas na conta: manutenção do veículo, IPVA, seguro, almoço, lanches. Meu custo médio correto por dia é de R$ 185, mas, na planilha, eu lanço R$ 240, R$ 250 por dia para garantir uma sobra maior no final do mês. A diferença entre esse valor e o custo real gera uma sobra estratégica de uns R$ 1.800 no mês.
Tanto que, no último mês, sobrou o suficiente para eu pagar quatro parcelas do carro de uma vez, adiantei o financiamento. Tudo isso entra no meu controle financeiro.
Eu poderia muito bem estar com um celular novo, um iPhone na mão, ter gastado R$ 8.000, R$ 10.000 num aparelho, mas gosto das coisas simples, sou meio muquirana, não gasto mais do que eu ganho, nunca.
E nessa questão da organização financeira, que é extremamente importante para motorista, como você se organiza com tudo isso? Usa algum aplicativo, tem alguém que te ajuda ou é tudo sozinho?
Principalmente, uso uma planilha que foi feita para mim, e tanto que quem me chama no Instagram, eu envio ela sem problema. Gosto de democratizar as facilidades.
Eu coloco tudo nela: gastos de casa, carro, absolutamente tudo. No fim do mês, eu abro minha conta da Uber, vejo o saldo, e já sei que vou conseguir pagar cartão de crédito, água, luz, telefone, internet, celular, parcela do carro, tudo certinho com o dinheiro que está ali. A organização é o ponto principal para qualquer motorista. Se ele não souber o próprio custo, ele está perdido.
E você acha que ser motorista de aplicativo é para qualquer um? Ou depende da pessoa?
Não é para todo mundo. A pessoa tem que gostar de lidar com cliente, gostar de dirigir, conhecer bem a cidade que ela roda.
Se não conhecer a cidade, vai penar, principalmente se rodar na categoria Black. Se não souber onde ficam os pontos mais movimentados, onde estão os passageiros com maior poder aquisitivo, vai sofrer bastante.
Eu rodo só Black. E quando não toca, fico parado. Já cheguei a ficar três horas parado em locais que sei que costumam tocar bem, só conversando com o pessoal, respondendo o Instagram, vendo TikTok.
O motorista Black, na verdade, é aquele que ganha ficando parado. Aqui em Curitiba, é assim mesmo, a maior parte do tempo ficamos parados.
Mas, colocando um porém interessante, na semana a gente roda muito menos e fatura praticamente o mesmo que quem faz X ou Comfort. O custo é bem menor e o desgaste também. Se não me engano, na semana passada fiz 120 corridas e tive um faturamento maior que o de alguns colegas que fizeram 250 corridas no UberX.
Para ser mais preciso, essa semana eu fiz 134 corridas, R$ 3.512 de faturamento, e a taxa da Uber foi de 7,98%.
E qual foi a corrida que mais te marcou, positiva ou negativamente?
Ah tem várias histórias, tudo depende. Já atendi idoso com dificuldade de locomoção e precisei pegar a pessoa no colo para colocar na cadeira de rodas. Já peguei criança com autismo em crise e precisei acalmar.
Tudo isso influencia no seu dia, porque não é só dirigir o carro, é ter paciência, ter controle emocional, saber lidar com situações delicadas.
A criança ali em crise, a mãe desesperada, e você chega com calma, conversa: “Posso colocar uma música? Ela gosta de que tipo?”, aí você põe e a criança se acalma, e isso traz uma paz enorme. Para quem gosta de gente, sim, ser motorista vale a pena. Agora, para quem vai para a rua obrigado, não.
Você aconselharia uma pessoa que está desempregada e precisa de um trabalho ou alguém que quer sair do CLT para virar motorista de aplicativo?
Não. Porque essas pessoas vão para a rua já estressadas, loucas para faturar, com aquela pressão: “Preciso ganhar, preciso pagar conta.” Vão aceitar qualquer corrida, se expor no trânsito, correr riscos.
É aí que mora o perigo, o cara sai estressado, um passageiro bate a porta mais forte, suja o carro, e pronto: a pessoa já fica desequilibrada, nervosa, e tudo vira um problema.
Que dicas você daria para quem está começando ou pensando em começar como motorista de aplicativo?
Estude bem a sua cidade. Converse com quem já roda por aí, entenda como realmente é, porque é fácil se iludir vendo influenciadores na internet, e eu sigo vários: Uber do Batista no Rio, Uber 24h SP em São Paulo, Uber do Floripa em Florianópolis.
Cada cidade tem sua realidade, mas a reclamação é sempre a mesma: “a tarifa não tá boa”. E isso nunca melhora. O ponto central, volto a insistir, é conhecer o próprio custo. Antes de começar, a pessoa precisa saber quanto a plataforma paga e quanto custa para ela rodar.
Hoje tem motorista que aceita corrida a R$ 1,00, R$ 1,20 o KM, e está empatando dinheiro. Eu mesmo já fui assim, no passado, quando não sabia calcular o KM.
Hoje temos ferramentas para tudo, e a pessoa precisa saber onde está pisando. Se conhecer bem o território onde vai rodar, vai tranquilo, vai ganhar dinheiro, pagar as contas e crescer.
Você falou que posta stories, alguma coisa assim no Instagram. Você compartilha dicas do dia a dia?
Dicas nem tanto, mas eu acabo passando algumas orientações mais focadas para a galera, tipo hoje mesmo, falei sobre o quilômetro rodado e a hora, explicando um pouco como funciona isso na prática.
Ah, e uma coisa que você me falou, que até viralizou nas redes sociais, foi um episódio que me chocou bastante.
Eu tenho um vídeo no meu Instagram com 38 mil visualizações. O passageiro chegou, entrou no carro, e aqui no veículo eu tenho um tablet que exibe propagandas — estava passando anúncios de festas, e nesse dia passou algumas baladas do público LGBT que acontecem aqui em Curitiba.
Aí o passageiro virou e mandou: “Você é viado?”, assim, direto. Falou na cara: “Você tem um BYD e é viado?”, tipo, com preconceito mesmo, sabe?
Foi uma situação absurda. Claro que eu reportei o passageiro para a plataforma. Não mostrei o rosto dele nem nada, mas são situações que acontecem dentro do carro.
Se fosse com uma pessoa sem paciência, estressada, poderia ter virado confusão, briga, agressão.
E é por isso que eu sempre digo: o Uber é uma caixinha de surpresas o tempo todo, e a gente tem que estar preparado para qualquer coisa.
E lá nas suas redes sociais, você recebe dúvidas, perguntas do pessoal?
Bastante, ainda mais agora que estou ganhando um pouco mais de relevância e tendo mais alcance. A galera vem no privado perguntar, conversar, tirar dúvidas.
E qual é o principal questionamento que as pessoas trazem? O maior sofrimento, digamos assim?
Sempre o custo. Esse é o maior ponto de interrogação para quem está começando ou quer mudar de categoria. As pessoas perguntam: “Mas como é seu custo com o carro elétrico? Quanto você paga? Realmente vale a pena?”
Hoje em Curitiba, o que acontece é que muita gente está indo direto para o carro alugado, achando que vai ganhar dinheiro, principalmente com carro elétrico. Tem motorista pagando R$ 1.500 de aluguel por semana. Aí você soma isso com mais R$ 800 de energia e outros gastos e no final das contas, o que sobra? R$ 1.000? R$ 900? R$ 800 de lucro na semana? Para trabalhar 90 horas? A conta não fecha. E é aí que o pessoal se frustra.