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“As corridas não passam de R$ 1,80 mesmo em horário de pico”: motorista lamenta situação das corridas em capital brasileira

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Entrevista
Conversas com especialistas, gestores e profissionais do setor, com perguntas conduzidas pela equipe do 55content.
Marcelo José, motorista de aplicativo. Foto: Reprodução/ Arquivo pessoal.

Motorista há 8 anos, Marcelo comenta sobre as funcionalidades da plataforma: “A Uber manipula as tarifas dinâmicas, prioriza os novatos, que aceitam qualquer corrida”.

Marcelo José Martins, motorista de aplicativo de 53 anos, foi desligado de seu emprego CLT em 2016 e enxergou nas plataformas de transporte uma nova possibilidade de se reinventar e levar renda para sua casa.

“Naquela época, só existia uma categoria, que era Uber Black. Eu tinha um Toyota Corolla e rodei de 2016 até 2018 para 2019, quando surgiu a categoria do X”, diz.

Marcelo relata que, durante os primeiros anos com os aplicativos, os ganhos eram “bons” e que conseguia faturar “uma renda muito boa”, mas que, desde a pandemia, o cenário tem mudado para os trabalhadores: “Quem disser que está tendo retorno financeiro está mentindo.

O aplicativo hoje não cobre os custos de operação, como manutenção do carro, desgaste, depreciação. Tudo isso consome o que você acumula. Com a popularização do Uber X, as corridas ficaram mais baratas e os custos aumentaram”.

Ele ainda completa dizendo que trabalha com um modelo de locação, com a empresa Localiza: “Aumentou muito o preço. Naquela época, quando vendi o Corolla, percebi que o investimento em carro próprio não era sustentável”.

Martins revela que, no início, pagava R$ 330 por semana no aluguel da Localiza e hoje paga R$ 730. “Enquanto isso, o aplicativo não reajusta os valores pagos aos motoristas, mesmo cobrando caro do passageiro e aplicando tarifas dinâmicas”.

Ele ainda se queixa da grande entrada de motoristas na plataforma, que, segundo ele, começam a rodar sem nenhuma experiência, aceitando corridas “inseguras”, podendo aumentar os casos de violência contra a classe: “É preciso filtrar bem os passageiros, senão o motorista pode acabar em uma situação de risco”.

O motorista mineiro, de Belo Horizonte, explica que a situação de dirigir em sua cidade está “complicada”. Isso porque, segundo ele, com a entrada da categoria de motos, houve um impacto significativo nas corridas de carro.

“Apesar disso, há muitos acidentes com motos, e a Uber não parece se importar. Já presenciei casos graves, e muitos passageiros relatam experiências ruins, como falta de suporte em situações de acidente”.

Como é a sua experiência como motorista há 8 anos?

Durante esses oito anos, houve períodos de estabilidade financeira, especialmente de 2014 a 2018. Mas depois veio a pandemia, e, a partir de 2021, a renda dos motoristas caiu drasticamente. Hoje, mesmo rodando 12 horas por dia, o rendimento não passa de R$ 3.500 a R$ 4.000 líquidos por mês. Não adianta dizer que faz R$ 15.000 no aplicativo, porque esses valores não são líquidos. Quando você desconta custos operacionais, manutenção, combustível e alimentação, sobra muito pouco.

Em dezembro, que antes era uma época excelente, os ganhos não têm sido tão bons. De 2021 para cá, a Uber não aumenta significativamente os valores das viagens, exceto em períodos muito curtos de alta demanda. Não tenho expectativa de que as coisas melhorem agora no final do ano. A Uber hoje não está preocupada com a qualidade do serviço ou com os motoristas. Ela quer apenas atender à demanda, sem se importar com a experiência do passageiro ou com a segurança.

A Uber também manipula as tarifas dinâmicas. Antes, elas surgiam naturalmente em áreas de alta demanda. Hoje, o algoritmo controla quem recebe dinâmico e quando. Já presenciei situações em que, no mesmo local, um motorista tinha dinâmica ativa e outro não. Isso prejudica quem já está há mais tempo no aplicativo, porque a empresa prioriza os novatos, que aceitam qualquer corrida.

Como é ser motorista de aplicativo em Belo Horizonte?

O trânsito de Belo Horizonte é extremamente caótico, especialmente nos horários de pico, entre 6h e 10h da manhã e das 17h às 19h30 da noite. Nessas horas, o fluxo é intenso, com muitas pessoas indo ou voltando para cidades da região metropolitana, como Ribeirão das Neves, Santa Luzia, Sabará, Contagem e Betim. Com a chegada do final de ano, o movimento aumenta ainda mais, principalmente nos shoppings, tornando o trânsito ainda mais complicado.

Apesar disso, a categoria de motos não parece ser bem gerida. Não sou contra o trabalho dos motoqueiros, mas é visível que muitos veículos estão em péssimas condições. Basta observar para notar a precariedade de muitas motos. Isso reflete a falta de fiscalização e controle, o que prejudica não só os passageiros, mas também nós, motoristas de carros, que perdemos corridas para essa modalidade.

No geral, vejo que a situação dos motoristas de aplicativo, tanto de carro quanto de moto, está longe de ser ideal. As plataformas priorizam seus lucros e não oferecem suporte adequado nem aos motoristas nem aos passageiros. Enquanto isso, enfrentamos altos custos de operação, baixa remuneração e condições de trabalho cada vez mais difíceis.

O que resta para nós é continuar nos adaptando e buscando alternativas para sobreviver nesse mercado desafiador. Mas, para o futuro, não vejo perspectivas de grandes melhorias, a menos que haja uma regulamentação mais justa e uma maior valorização dos motoristas por parte das plataformas.

Comente sobre o faturamento na sua cidade.

Sobre os valores, corridas longas aqui em Belo Horizonte não passam de R$ 1,80 por quilômetro, mesmo em horários de pico. As corridas curtas às vezes pagam bem, mas, no geral, os ganhos são baixos, mesmo em dezembro, que é um mês de festas e 13º salário. A quantidade de motoristas dobrou desde 2020, e isso impacta diretamente nos ganhos.

O que observou de mudança tanto positiva quanto negativa nas plataformas?

Depois de quase oito anos como motorista, a maior mudança foi a evolução tecnológica das plataformas, que agora oferecem mais informações sobre as corridas. No entanto, a voz do passageiro ganhou muito mais peso do que a do motorista. Hoje, se um passageiro fizer um relato contra você, sua conta pode ser suspensa imediatamente, sem contraditório ou ampla defesa.

Essa autonomia excessiva dos passageiros prejudica os motoristas. Há casos de passageiros que não vão com a sua cara e fazem falsas denúncias. Isso afeta sua avaliação e diminui o número de corridas que você recebe. A Uber prioriza motoristas com notas altas, mas não considera que avaliações injustas podem impactar negativamente os ganhos de quem está na plataforma há mais tempo.

Qual a sua opinião em relação à regulamentação da PL 12/24 dos motoristas de app?

Esse viés de regulamentação veio advindo do novo governo do Lula. Assim que o governo tomou posse, isso era promessa de campanha dele: regulamentar os veículos de aplicativos, criar a profissão de motorista por aplicativo e ter uma regulamentação municipal, estadual e federal.

Só que a gente vê que o escopo da regulamentação, o projeto, aquela peça que eles começaram a redigir ali, tem um viés político e de arrecadação de impostos. O governo, junto com as plataformas, não está preocupado em criar condições boas de serviço para os motoristas. A ideia é arrecadar INSS para favorecer o governo, mais dinheiro no cofre público. Isso não vai trazer benefício algum para o motorista.

Vou te dar um exemplo: se você ficar incapacitado de rodar, tendo uma despesa adequada de R$ 4 mil a R$ 5 mil, como vai viver com um salário mínimo? Como é que você vai conseguir manter seus custos familiares e pessoais? Então, isso é balela. O objetivo da regulamentação tem três vieses: arrecadação do governo, doutrinação do motorista pelas plataformas e tabelamento dos preços. Eles oferecem R$ 32 por hora, mas o carro não se desgasta por hora, é por quilômetro.

O desgaste do pneu, a depreciação e o custo operacional são medidos por quilometragem rodada, e não por hora. Essa conversa de ganho por hora e querer pagar um valor fixo é surreal. Isso não vai suprir o financeiro de um motorista. Sobre regulamentar a profissão, ela vai existir para o governo, não para o motorista. Quando você precisar de auxílio, será um salário mínimo. Quem vive com um salário mínimo hoje? Ninguém.

Eu acho isso tudo uma balela. Essa conversa de regulamentação só surgiu no governo do Lula. No governo Bolsonaro, não havia esse tipo de viés. Não que eu seja de direita ou esquerda, mas o governo anterior favorecia a livre concorrência. Ele disse: “Vocês resolvem diretamente com as plataformas.” Criaram o MEI (Microempreendedor Individual), que oferece algumas garantias e é mais vantajoso do que ser CLT para uma empresa de mobilidade.

Se você fosse CLT, teria seus ganhos limitados, pagaria mais impostos, e a empresa lucraria muito mais. Além disso, o governo atual quer que você se filie a sindicatos, o que traz mais custos. Esse governo é sindicalista, e muitos sindicatos acabam sendo oportunistas. Lutam por algumas causas plausíveis, mas, em grande parte, há demagogia e interesses próprios.

A regulamentação, no formato atual, é totalmente inviável. Nenhum motorista foi chamado para conversar sobre isso. Isso é mentira. Lideranças como o Paulo Xavier, que é bem-intencionado e representa a categoria, não têm força suficiente para alterar o rumo dessa discussão. Tudo depende do Congresso e do STF, que ainda estão decidindo pontos como o vínculo empregatício.

Eu sou contra esse vínculo porque trabalho no horário que quero, do jeito que quero. Organizo meus ganhos de acordo com minha rodagem. Não vejo benefício em criar vínculo, mas acredito que as plataformas poderiam oferecer melhores apoios, como parcerias para descontos em manutenção de veículos. Por exemplo, a Uber não tem nenhum centro automotivo conveniado em Belo Horizonte para oferecer pneus ou serviços com preços mais acessíveis.

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