Em meio ao domínio de grandes plataformas como Uber e 99, um aplicativo regional de mobilidade vem se destacando no interior de Minas Gerais. O Rota Araxá, fundado em 2020, opera com um modelo cooperativista que coloca os motoristas no centro da gestão e das decisões. O app conquistou espaço ao propor uma lógica inversa à das multinacionais: dar voz e participação real aos condutores.
“A narrativa que a gente criou na época foi de que cada motorista seria dono do seu negócio. Isso gerou uma força muito grande para que eles trabalhassem em troca do aplicativo”, afirma Natalício Diniz, presidente e idealizador da cooperativa. Ele reforça que a sensação de pertencimento foi decisiva: “Eles se sentiam donos: ‘esse aplicativo é meu, eu não devo satisfação a nenhum dono mais, agora é o nosso aplicativo.’”
O modelo, que já reúne mais de 170 motoristas cooperados e cerca de 100 mil corridas mensais, prioriza o equilíbrio entre demanda e oferta, além de oferecer participação nos lucros no fim do ano. “A gente tem uma filosofia de não encher de motorista, para não prejudicar quem já está na plataforma. Aqui, o motorista tem meta, tem ganho, e consegue pagar carro de R$ 150 mil com o que fatura no app”, completa Diniz.
Gilberto Duarte, que entrou primeiro como fiscal e depois assumiu o marketing e agora a vice-presidência, destaca também o investimento em eventos e premiações. “No aniversário do Rota, quem ganha o presente é o cliente. Fazemos sorteios, promoções, parcerias com oficinas, postos, é um ciclo onde todo mundo sai ganhando.”
Nessa entrevista para o Clube Machine, Natalício e Gilberto falam sobre a origem do Rota Araxá, os desafios de se organizar como cooperativa, o engajamento dos motoristas, os limites para a expansão do modelo para outras cidades e o futuro dos aplicativos regionais em meio à concorrência com as grandes plataformas. Eles também detalham estratégias operacionais, ações promocionais voltadas aos passageiros e motoristas, e o papel da regulamentação municipal na consolidação do Rota como principal app de mobilidade em Araxá.
Pra gente começar, vou começar pelo Natalício. Conta um pouquinho da sua história antes de entrar no aplicativo. Como é que foi essa sua entrada no mercado de transporte por aplicativo?
Natalício: A minha história começa lá em São Paulo. Na verdade, eu sou paulista, né? Comecei a rodar com a Uber em 2015. Rodei por uns dois anos lá, foi o meu primeiro contato com esse mercado.
Depois, me mudei para Araxá. Eu sou pastor, e na época fui enviado de São Paulo para Araxá para pastorear uma igreja. Quando cheguei aqui, em 2018, não havia nenhum aplicativo na cidade, só táxi e mototáxi. Mas alguns meses depois começou a surgir um movimento, e foi lançado o primeiro aplicativo por aqui. O pessoal começou a se cadastrar, e depois surgiu um segundo aplicativo, que foi quando entrei.
Comecei como um bico mesmo, porque eu era pastor de uma igreja. Aí chegou a pandemia e as igrejas foram fechadas, então coloquei o carro na rua e fui rodar. Nessa época, participava de um grupo de motoristas no WhatsApp, com mais ou menos 100 integrantes. O pessoal reclamava das taxas, que eram muito altas na cidade, quase 20%. Logo depois chegou a Uber, cobrando 25%, 30%, até 35%. Isso preocupou muito os motoristas, e surgiram várias discussões no grupo.
Eu estava ali, ouvindo o pessoal, e falei: “Por que vocês não montam uma cooperativa?” Essa cooperativa daria condições para que os motoristas tivessem uma voz jurídica na cidade e pudessem negociar melhorias com os aplicativos. Ela traria mais peso e possibilidades de negociação.
Alguns ouviram, se interessaram e fizeram mais perguntas. Aí eu criei um grupo e falei: “Quem quiser saber mais sobre isso, entra nesse grupo que eu explico.” Na época, 25 motoristas entraram. Marquei uma reunião na igreja mesmo, e esses 25 vieram. Coloquei uma lousa e comecei a explicar como funciona uma cooperativa, que as taxas seriam menores e que a gente teria uma voz na cidade.
A princípio, a ideia era apenas criar uma cooperativa para ajudar os motoristas. Inicialmente, não teria aplicativo, apenas uma forma de organização. Mas, nas reuniões, que foram duas assembleias, surgiu a ideia de criar o nosso próprio aplicativo. Pensamos: “Vamos além da cooperativa.”
Começamos a conversar com os motoristas, surgiram vários nomes na época, Rota 99, Rota não sei o quê, até que o Gilberto sugeriu “Rota Araxá”. O nome pegou, decidimos montar a plataforma. Como tenho formação em TI, fui atrás de uma plataforma, fiz as configurações iniciais e começamos. Ficamos uns dois meses nesse processo, e o Rota Araxá nasceu em novembro de 2020, em plena pandemia, com 25 motoristas.
Logo começou a se multiplicar. De 25 passou para 50. Foi um movimento muito forte na cidade, porque a nossa proposta era apresentar um aplicativo dos motoristas. O cooperado é dono do aplicativo. O benefício era pagar menos taxa e, assim, ter um ganho maior.
Na época, colocamos uma taxa simbólica de R$ 35 mensais, durante os três primeiros meses. Com três meses de operação, já batíamos 100 corridas por dia. Em seis meses, já eram quase 500. E só foi crescendo, porque o pessoal abraçou a ideia e vestiu a camisa.
Começamos a plotar os carros, ir para a rádio, fazer propaganda. O Gilberto, que era do conselho fiscal, começou a ajudar no marketing, deu várias ideias que colocamos em prática. O aplicativo ganhou uma visibilidade enorme. Os carros plotados com ímã estavam por toda a cidade. Chegamos a 1.000 corridas em pouco tempo.
O pessoal começou a baixar o aplicativo muito rápido, porque onde você olhava, tinha um Rota. Pegou muito forte na cidade. Hoje, estamos indo para o quinto ano, com quase 90.000 passageiros e cerca de 100.000 corridas por mês na cidade.
O Rota virou um fenômeno, uma referência na região. Hoje, somos gigantes aqui.
Gilberto, conta um pouco da sua história. Como é que você chegou ao mercado de transporte por aplicativo?
Gilberto: Então, eu vim da área de mineração. Trabalhei muitos anos nesse setor. Em 2018, fiz uma cirurgia na coluna e, quando voltei ao trabalho, fui desligado da empresa com apenas 21 dias.
Fiquei um pouco sem chão, e resolvi comprar um carro e entrar para os aplicativos. Começou a dar certo. Conheci a turma também. Comecei com um aplicativo chamado Auto Car, mas a gente não estava satisfeito, a taxa era alta e não tínhamos voz.
Foi então que resolvemos nos unir em um grupo, criado pelo Natalício, e montar a cooperativa. Desde então, fundamos a cooperativa, escolhemos o nome Rota, fizemos as configurações do aplicativo.
Eu era do conselho fiscal. Depois, me candidatei a vice-presidente e fui eleito. Comecei a participar mais ativamente, ajudar, e assumi o marketing. Com algumas ações e buscando mais conhecimento, fomos juntando ideias com o pessoal e transformamos o Rota no que ele é hoje.
Eu queria que vocês relembrassem um pouquinho esse início da cooperativa, junto com a plataforma. Quais foram os principais desafios de vocês? Como foi esse processo de convencimento do motorista para que ele se engajasse, para que ele realmente entrasse na plataforma?
Natalício: Então, a narrativa que a gente criou na época foi de que cada motorista seria dono do seu negócio. E isso gerou no motorista uma força muito grande para que ele trabalhasse em prol do aplicativo.
O pessoal ia pra rua fazer panfletagem, falava do Rota em todo lugar. Foi um movimento muito forte, porque a proposta era que cada motorista fosse sócio do aplicativo. Não teria um dono só, todos seriam donos. Seria um aplicativo feito para o motorista e pelo motorista.
Isso pegou muito forte aqui porque eles se sentiam donos. “Eu sou dono do Rota, eu sou parte disso.” Era um sentimento de pertencimento: “Esse aplicativo é meu, eu não devo satisfação a nenhum dono de aplicativo, agora é o nosso aplicativo.” Quando o pessoal comprou essa ideia de que o aplicativo era deles, isso fez uma grande diferença.
Gilberto: É, os motoristas confiaram, vestiram a camisa, foram pra rua. A gente fez várias ações: pintamos muro, adesivamos carros, panfletamos a cidade. Todo mundo ajudando, os motoristas todos colaborando. Foi pra cima mesmo, com muita união. O motorista não é apenas um prestador de serviço, ele também é dono da plataforma.
Pensando nisso, como é que são tomadas as decisões do dia a dia? Por exemplo, a taxa que é cobrada do motorista, o valor da corrida… Como vocês se organizam para chegar nesses números?
Natalício: Então, nós temos as assembleias. Tem a assembleia geral ordinária e a assembleia geral extraordinária. Nessas assembleias, colocamos algumas pautas em votação para os motoristas participarem.
É lógico que existem algumas prerrogativas que são da diretoria. Hoje, somos cinco diretores: eu sou o presidente, o Gilberto é o vice-presidente, temos um diretor financeiro, um secretário e um diretor jurídico. Esses cinco formam o corpo diretivo da cooperativa.
Então, existem decisões que partem dos cinco, conforme o estatuto, que é bem definido quanto aos papéis da diretoria. Por exemplo, o preço das corridas: a gente ouve os motoristas, mas a decisão parte da diretoria. Já as taxas, por exemplo, precisam ser decididas em assembleia. A gente não pode mudar a taxa sem assembleia.
Se for necessário mudar uma taxa, precisamos marcar uma assembleia, apresentar a proposta, explicar o motivo do aumento ou da redução. E os cooperados precisam aprovar. Se não aprovarem, não se faz nada. Tudo é feito com participação ativa dos motoristas.
Cada motorista cooperado tem direito a um voto. Eles participam democraticamente. As eleições também são democráticas, ocorrem de quatro em quatro anos. Então, as decisões da cooperativa partem dos cooperados.
É lógico que existem algumas questões administrativas que são da diretoria, mas mudanças mais significativas sempre passam pela assembleia.
Falando em números, quanto é a taxa que vocês cobram hoje dos cooperados? E qual o valor de uma corrida mínima, por exemplo?
Natalício: A nossa corrida mínissa é a tarifa: R$ 13 até 3,5 km.
À noite, a mínima passa para R$ 15 até a meia-noite. Da meia-noite em diante, vai para R$ 18.
Teve dias em que tma hoje é de R$ 13, para até no máximo 3,5 km. A taxa é de 10%. Durante o dia, eiramos a taxa dos motoristas, por exemplo, em festas grandes da cidade. Nesses eventos, colocamos taxa zero — ou seja, rodaram sem pagar nada. E de vez em quando fazemos promoções também, tipo: rodou 20 corridas, ganha R$ 30, R$ 50, ou rodou sem taxa. A gente sempre promove essas ações.
E hoje, quanto um motorista ganha, em média? Sei que isso varia muito, né? Tem quem roda o dia inteiro e quem usa mais como complemento de renda. Mas qual é a média de ganho hoje no Rota?
Natalício: Olha, os que realmente rodam bastante, ganham entre R$ 15 mil e R$ 18 mil por mês, bruto. Tem motoristas que chegam a isso — e no fim do ano, alguns fazem até mais.
Você lembra de algum caso de recorde, de alguém que se destacou muito?
Natalício: Teve um motorista, em dezembro, que bateu quase R$ 19 mil. Ele é o nosso top 1. A gente tem premiação, tem o ranking do top 10. Esse cara faz quase 1.500 corridas por mês.
E como é que funciona esse esquema de gamificação? É por pontos? Número de corridas?
Natalício: Então, a gente tem um Top 10, né? E também fazemos um sorteio mensal com eles. Quem bater 500 corridas, por exemplo, ganha um valor. A gente realiza esse tipo de sorteio com os motoristas também.
Agora entrando em um tema mais operacional, que a gente vê bastante: a questão de corrida cancelada. Como é que vocês trabalham esse ponto hoje? Quanto está, por exemplo, a porcentagem de corridas canceladas? E como vocês fazem para diminuir isso?
Natalício: Então, isso é um problema, principalmente em épocas de alta demanda. Às vezes, a pessoa pede um carro e quer que ele chegue rápido, mas o motorista está em outra corrida ou há um deslocamento maior.
Nesses períodos, o cancelamento aumenta bastante, porque o passageiro não encontra carro disponível imediatamente e não quer esperar 8, 10 ou até 15 minutos.
Mas no dia a dia, em dias normais, o cancelamento existe, lógico, mas é bem menor.
E como é que vocês atuam quando percebem que está havendo um pico de cancelamentos?
Natalício: Hoje temos uma equipe com cerca de três secretárias que trabalham conosco. Elas monitoram o sistema o dia todo. Tem uma que trabalha pela manhã, outra à tarde, e uma que cobre o dia inteiro.
Elas fazem esse acompanhamento das corridas, entram em contato com os usuários, tentam entender o que aconteceu e, em alguns casos, até conseguem reverter situações. Acompanhamos bastante isso por meio delas.
Nos eventos de segunda-feira, o tema do engajamento dos motoristas é recorrente. Muitos motoristas preferem corridas da Uber ou 99, mesmo com pagamentos menores, devido ao volume de chamadas dessas plataformas. Diante disso, como o Rota Araxá trabalha o engajamento? Além das premiações para os motoristas mais ativos, que outras ações são realizadas para mantê-los na plataforma?
Natalício: Hoje temos muito poucos motoristas que rodam em outros aplicativos. Eles só fazem isso se o dia estiver muito ruim.
Aqui em Araxá, por exemplo, a Uber é ilegal. Existe uma regulamentação da prefeitura, e a Uber não pode operar. Nem a Uber, nem o inDrive. Inclusive, há fiscalizações, e se forem pegos, os carros podem ser apreendidos.
Então, a gente consegue manter os motoristas porque há demanda suficiente. Eles não têm tempo de rodar em outro aplicativo. Aqui é muito difícil alguém do Rota rodar em outro app. Além disso, há uma cultura na cidade de que, se você faz parte de um aplicativo, não roda em outro. A concorrência é bem forte nesse sentido. Geralmente, quem está em um aplicativo maior roda só por ele.
É claro que tem aqueles motoristas menores, que ainda não têm muitas corridas e acabam rodando por três ou quatro apps. Mas quem está num aplicativo consolidado roda só nele. Até porque o carro já está plotado, com o nome do aplicativo, ímã, bandeira. Então o veículo está totalmente identificado com aquele app.
E querendo ou não, como o modelo de vocês é uma cooperativa, a partir do momento em que o motorista se torna cooperado, ele também vira dono do aplicativo. Então não faz muito sentido ele buscar outro, né?
Natalício: Exatamente. Por isso que o modelo de cooperativa deu tão certo aqui. O motorista não vai jogar contra ele mesmo, porque ele é dono do negócio.
É muito difícil isso acontecer. Mas claro, sempre tem alguém que liga o inDrive ou a Uber. Mas se forem pegos, acabam tendo um prejuízo grande.
Vejo que existe esse movimento de motoristas se unindo em cooperativas e lançando suas próprias plataformas. Vocês têm esse tipo de contato?
Natalício: Não temos contato ainda. Mas o cooperativismo é uma resposta para o motorista que quer ter autonomia. Hoje em dia, muitos aplicativos só pensam em lucrar: cobram taxas altas e não oferecem nenhum benefício ao motorista.
Eles só pensam no próprio lucro. O cooperativismo vem para mudar isso. É muito forte. Se os motoristas se unirem, ninguém consegue bater.
Só que uma das coisas mais difíceis hoje é unir motoristas de aplicativo. Porque é uma classe muito desunida. Se você conseguir unir esse pessoal para buscar um objetivo em comum através do cooperativismo, dá pra conquistar muita coisa, como nós conseguimos aqui em Araxá.
Para motoristas que pensam em se unir e formar uma cooperativa, qual o caminho ideal? Quais foram os primeiros passos dados por vocês e o que fariam diferente se fossem abrir uma nova cooperativa em outra cidade?
Natalício: Uma cooperativa funciona de acordo com a lei, a Lei do Cooperativismo.
Eu sempre falo isso para quem me liga perguntando: a primeira coisa é estudar a lei. Ela vai orientar sobre o que deve ser feito.
Eu tinha uma ideia vaga no começo, bem superficial, baseada em uma matéria que tive na faculdade. Mas depois, nós contamos com o apoio do nosso diretor jurídico, o Daniel. Ele já tinha experiência com cooperativas, já havia atendido algumas. Quando chegou, nos deu uma visão totalmente diferente e nos ajudou muito. A cooperativa começou a ganhar forma de verdade com o apoio dele.
No início, era tudo muito superficial. Por isso, eu sempre recomendo: busque uma mentoria, procure alguém que já está fazendo isso, para entender como funciona.
Não é tão simples assim. Cooperativa é algo muito sério e, infelizmente, em alguns lugares é mal vista — justamente por conta de pessoas que usam a cooperativa para tirar vantagem dos motoristas ou de outros ramos.
Por isso, é fundamental ter uma orientação jurídica. A cooperativa tem uma lei própria e precisa funcionar de acordo com ela. Não é simplesmente juntar cinco pessoas e dizer “vamos abrir uma cooperativa”. Isso pode trazer muitos problemas se não for feito corretamente.
Se fizer de qualquer jeito, pode envolver Ministério Público, entre outras questões. É uma coisa muito séria. Então, comece estudando a lei. Baixe a Lei do Cooperativismo, estude, procure um profissional e busque orientação com quem já está fazendo.
E você, estando estruturado como uma cooperativa, tem algum tipo de vantagem, algum tipo de benefício fiscal? Como funciona essa parte?
Natalício: Sim, nós não pagamos o que uma empresa convencional paga. Os impostos de uma cooperativa são bem menores do que os de uma empresa, porque a cooperativa não visa lucro. Esse é o ponto de partida: a cooperativa não visa lucro.
Por isso, ela tem uma configuração diferente, tanto jurídica quanto tributária, e paga bem menos imposto. Tudo que a cooperativa arrecada, ela precisa devolver, no sentido de reinvestir, por exemplo, no aplicativo.
Investindo no próprio negócio?
Natalício: Isso. A cooperativa funciona com um exercício anual. Durante o ano, entram as recargas, no nosso caso, os valores pagos pelos motoristas, e com isso a gente paga as contas, os salários dos diretores, faz eventos. No final do ano, realizamos uma GO (assembleia geral ordinária), onde prestamos contas desse exercício. É aí que surgem as sobras.
Porque, dentro do cooperativismo, não se fala em lucro, se fala em sobras. Pagamos todas as contas e, no final do ano, apresentamos um relatório com o resultado do ano inteiro e as sobras.
Por exemplo, se sobrar R$ 200 mil, esse valor será repartido em partes iguais entre os cooperados. Essas são as sobras. Além de pagarem uma taxa menor, os motoristas ainda recebem essas sobras no fim do ano. Eles até comparam com uma PLR ou um 13º, algo semelhante. Mas o importante é que esse valor volta para eles no fim do ano.
Então, a sobra é repartida entre todos os motoristas?
Natalício: Isso, é repartida entre os motoristas. E ainda tem esse ponto da isenção fiscal, como você comentou.
E o que você acha que falta para os aplicativos regionais ganharem mais espaço no mercado? E o que você acha que falta para esse modelo de cooperativa chegar a outras cidades e avançar, principalmente num momento em que se fala tanto em novos modelos de aplicativo?
Natalício: Os aplicativos regionais precisam entender que existe um segredo para o crescimento. E o segredo é focar no motorista.
O motorista hoje está de saco cheio de pagar taxa alta e de não ter voz. Se alguém denuncia ele, as grandes plataformas vão lá e bloqueiam o cara sem nem ouvir o que ele tem a dizer. As plataformas maiores tratam o motorista como apenas um número.
Quando o aplicativo regional entende que o mais importante do negócio é o motorista, o jogo muda. Porque aí ele vai investir no motorista, ouvir o que ele tem a dizer e criar algo que facilite a vida dele.
Se um aplicativo local fizer isso, já sai na frente, porque a maioria não faz. As grandes empresas simplesmente bloqueiam, não se importam com o que o motorista está passando, se está pagando taxa alta, se está ganhando bem ou mal.
Quando o aplicativo se volta para o motorista e entende que sem ele o negócio não anda, ele passa a crescer. Porque com o motorista engajado, o atendimento melhora, e isso fideliza mais passageiros.
Agora, se o motorista não se sente valorizado, ele cancela corrida, atende mal, não se preocupa. E se você não tem motorista que atenda bem, você não cresce.
Não adianta ter muito passageiro se ninguém atende. Às vezes, o aplicativo toca, toca, toca e ninguém aceita. E quando aceita, o atendimento é ruim. Isso é reflexo da má gestão e das taxas abusivas.
O motorista já está cansado, porque alguns gestores agem com tirania, sem parceria. O gestor precisa entender que o motorista tem que ser um parceiro. Se ele não entender isso, não vai crescer.
Em cidade pequena, o aplicativo local tem que trabalhar com base na parceria. Mesmo que seja uma empresa que visa lucro, tem que enxergar o motorista como parceiro. Se conseguir fazer isso, já sai na frente e pode crescer muito.
E nas cidades maiores? A gente está falando muito de Araxá, depois quero que vocês falem um pouco mais sobre a estrutura da cidade, mas você acha que esse modelo funciona também em cidades grandes? Ou o cenário é outro?
Natalício: Então, em cidade maior vai precisar de um bom marketing. Tem que investir em marketing forte e tentar convencer os motoristas a saírem da “mãe Uber”, que é um grande desafio.
Não é fácil competir com a Uber, com a 99, com o inDrive. Eles são canibais. É muito difícil competir com essas plataformas Numa cidade grande, precisa haver uma mobilização muito séria dos motoristas. Eles têm que desligar a Uber. Se não fizerem isso, não vai crescer. Porque a Uber toca demais.
Convencer alguém que já usa a Uber há muito tempo a usar um aplicativo local é muito difícil. Para crescer, precisa de muito investimento, marketing pesado e motoristas que comprem a ideia.
Não é como em cidade pequena. É muito mais difícil. Especialmente se a Uber já opera por lá.
Não é fácil convencer o motorista a sair de uma plataforma onde ele está acostumado, mesmo que esteja pagando taxas altíssimas. Às vezes, ele ganha R$ 500 por semana, acha bom, e não se importa com a taxa.
E aí vem o outro problema: a falta de união dos motoristas. Se não houver união, nada muda.
Quando geralmente a gente conversa com o pessoal de empresas, fala-se muito sobre franquias, modelos de expansão. Como é que esse ponto funciona com vocês? Vocês imaginam levar esse formato para outras cidades também, ou o foco realmente é Araxá e esse é o jogo?
Natalício: Então, o nosso foco hoje é só Araxá. Nós até tínhamos outro aplicativo, que era o Rota Brasil. Havia um projeto de levar o modelo para outros lugares, mas, quando fomos entender como isso teria que ser feito, vimos que seria complicado. Como somos uma cooperativa, em cada cidade onde fôssemos abrir, precisaríamos criar uma filial da cooperativa lá. Isso demandaria muito tempo, traria vários problemas, porque a gente não conseguiria acompanhar de perto.
Então, optamos por focar somente em Araxá. Nosso modelo cooperativista é diferente. Não dá simplesmente para abrir um aplicativo em outra cidade, a lei não permite. Teríamos que transformar os motoristas de lá também em cooperados, criar uma nova filial, eleger uma diretoria local… seria algo muito difícil de administrar.
Falando um pouco sobre Araxá, queria que você contasse mais sobre a cidade. Quais são os pontos específicos que ajudaram o Rota a ter sucesso aí? O que você acha que existe no município que favoreceu o crescimento de vocês?
Gilberto: Araxá é conhecida como a cidade de Dona Beja. Tem o Grande Hotel, o Parque do Cristo. Araxá é uma cidade turística.
A população é bem receptiva e gosta muito de usar o aplicativo. E como o Natalício falou, estamos presentes nos principais eventos da cidade. Os grandes eventos têm patrocínio nosso, estamos sempre atuando. E não são só benefícios para os motoristas. A gente também traz benefícios para os passageiros. Temos premiações, brindes, promoções.
A última foi o “Carro Surpresa”: a pessoa chama um carro e pode ganhar R$ 50 via Pix. Parte da arrecadação da cooperativa volta para o cliente também. No final do ano fazemos sorteios, promoções, sorteamos iPhones, caixas de som. No aniversário do Rota, quem ganha presente é o nosso cliente.
Você comentou que a cidade é turística. Já ouvi pessoas dizendo que, em cidades turísticas, o desafio pode ser maior porque muitos visitantes já têm Uber e 99 instalados. Como isso funciona na prática?
Gilberto: Sim, é um desafio. Mas os moradores locais já conhecem bem o Rota. Quando chega alguém de fora e não encontra Uber, logo alguém recomenda: “Chama o Rota que chega rapidinho.” Hoje temos carro espalhado pela cidade inteira. São 173 veículos, se não me engano.
Natalício: O próprio pessoal dos hotéis indica a gente. Quando alguém chega e tenta chamar Uber, eles já avisam: “Aqui não tem Uber, aqui é só Rota.” Na prática, ninguém acha carro da Uber, porque os motoristas não rodam por lá. É muito raro.
Gilberto: E isso acontece pelos valores. As tarifas da Uber são muito baixas, e o motorista não consegue manter um carro no padrão. O Rota exige um padrão mais alto.
Temos carros como Corolla, T-Cross, Yaris, Virtus. São carros melhores para atender com qualidade.
Vocês chegaram antes ou depois da Uber na cidade?
Natalício: Nós chegamos depois. A Uber já estava iniciando por aqui na época
Já ouvi relatos de que, quando um app regional chega antes da Uber, a chegada da gigante pode dificultar bastante. Mas no caso de vocês foi meio simultâneo?
Natalício: Sim, a Uber chegou, mas não conseguiu se firmar.
Quando isso aconteceu, fizemos um grande movimento nos grupos, com campanhas de conscientização entre os motoristas locais.
Mostramos que rodar com a Uber significava ter os ganhos muito reduzidos. Na época, a Uber cobrava até 30% de taxa e oferecia corrida mínima de R$ 6 ou R$ 7. Não dava para manter o carro assim. Era prejuízo. O motorista acabava rodando com o carro sucateado, sem condição.
Gilberto: Na verdade, quem começou aqui foi um aplicativo local chamado Via Urbana.
Depois vieram mais dois, inclusive um que era forte, mas com taxa alta também.
Caminhando para o final da nossa entrevista, queria saber: o que vocês imaginam para o futuro, tanto da cooperativa e da plataforma de vocês, quanto do mercado de transporte por aplicativo?
Natalício: Nosso objetivo é manter a estrutura e melhorá-la cada vez mais, para que o motorista tenha seus ganhos garantidos. Temos uma filosofia: não encher de motoristas para não prejudicar quem já está rodando.
A gente sempre ajusta o número de motoristas conforme a demanda. Começamos com 25, hoje são 173.
Queremos que o Rota continue sendo o número 1 da cidade, como já é. E que continue proporcionando qualidade de vida ao motorista. Aqui tem carro de R$ 150 mil rodando, e os motoristas conseguem pagar esses carros com o que ganham.
Recentemente estive em São Paulo, entrei num carro de aplicativo que estava completamente sucateado. Aqui, não. Só carro executivo. Hoje atendemos empresas multinacionais e oferecemos serviço corporativo também.
Nosso foco é melhorar ainda mais, buscar mais parcerias com empresas, para garantir que o motorista continue confortável e com boa rentabilidade. Para isso, tem que ter corrida. Então, a gente investe muito em qualidade: treinamentos, acompanhamento dos motoristas, orientação diária.
Nosso objetivo é sempre prestar o melhor atendimento possível e fidelizar os clientes. Se o cliente for mal atendido, ele muda de app. A gente monitora avaliações, chama o motorista para conversar, busca melhoria contínua. Hoje tá bom? Amanhã tem que ser melhor.
Gilberto: Além disso, buscamos parcerias para os motoristas em manutenção, posto de combustível com desconto, oficina, lava-jato. Queremos garantir benefícios para eles também. Isso faz diferença.
Natalício: E tem um movimento crescente dos aplicativos regionais. A gente vê isso como uma tendência. Cada vez mais, Uber, 99, inDrive vão perder espaço para os regionais.
Por quê? Porque a proposta dos regionais é oferecer ao motorista uma condição melhor. Se seguirmos por esse caminho, vamos dominar o mercado cada vez mais, trazendo o motorista para perto e oferecendo um ambiente de trabalho mais justo do que o das grandes plataformas — que hoje oferecem condições bem precárias.
Gilberto: Condições melhores de ganho, para manter um carro melhor, com taxas menores. Isso é essencial para o motorista.
Ah, e o Gustavo, lá do canal Uber do Varão, entrou na live agora há pouco e comentou que o Natalício falou de corrida de R$ 3 para até 3 km. Mas é R$ 13, né?
Natalício: Exatamente, é R$ 13. Essa é a corrida mínima Temos categorias específicas no app. Tem o Rota X, que é a categoria mais básica. Tem o Rota VIP, que parte de R$ 17, para quem quer um carro mais top, mais confortável.
E também temos o Rota Mulher, para mulheres que querem ser atendidas por motoristas mulheres. Isso é muito forte aqui, porque muitas não se sentem à vontade em corridas com homens.
Gilberto: E temos também o Rota Pet.