Altemir Neves é motorista de aplicativo desde 2017 e já viu o setor mudar completamente. Mesmo com status diamante, nota quase perfeita e uma rotina pesada que vai até 8h da manhã nos fins de semana, ele enfrenta frustrações diárias. Corridas a menos de R$1 por km, tarifas que não acompanham os custos, áreas perigosas sem aviso e a chamada “dinâmica fake” — quando o app sinaliza bônus, mas só chegam corridas comuns.
Nesta entrevista, Altemir revela como se mantém firme em meio aos desafios, com estratégias rígidas de seleção de corridas, controle de custos e muita experiência de rua.
Altemir, eu gostaria de saber um pouco mais sobre a sua rotina como motorista de app e como você chegou ao status de motorista diamante. Para começar: há quanto tempo você é motorista e o que te levou a realizar esse tipo de atividade?
Altemir: Eu estou na atividade desde 2017. O que me levou a ser motorista foi a busca por um ganho extra, porque também sou representante comercial. Trabalho na área de consultoria, e na época em que comecei, o mercado estava bem fraco.
No início, o Uber estava valendo muito a pena. Era uma realidade completamente diferente da de hoje. A gente ganhava bem, os custos eram menores — gasolina era barata, tudo ajudava. E claro, quem tem filhos sabe como as despesas são maiores. Eu sempre brinco: quem manda são os filhos! Tenho dois para criar, então tudo que é uma fonte extra de renda, a gente corre atrás.
Entendi. Então você começou como uma renda extra.
Altemir: Sim. E depois veio a pandemia, que complicou ainda mais. A área onde eu trabalho como representante foi muito impactada — praticamente não tinha como trabalhar. Então continuei no app, até porque gosto muito da atividade. Gosto de conversar, interagir com pessoas. Sempre fui assim.
Além disso, trabalho só à noite, e o convívio com os passageiros nesse período é bem diferente do que durante o dia. À noite o ritmo é mais tranquilo, rolam conversas mais longas. Sempre gostei disso.
E agora que você comentou que trabalha à noite, gostaria de entender melhor sua rotina. De que horas a que horas você costuma rodar? Por que prefere esse horário? Você segue alguma meta de ganhos ou tem um limite de horas por dia?
Altemir: Tem dias que começo às 16h e vou até 2h da manhã. Tudo depende do movimento e dos horários em que dá pra ganhar melhor. Durante a semana, os horários são diferentes, claro — às vezes dá pra estender até 3h ou 4h da manhã.
O mais comum é começar entre 17h e 18h, e seguir até 3h ou 4h. Nos fins de semana é diferente: eu viro a noite. Começo por volta das 19h, janto e sigo até 7h ou 8h da manhã. O fim de semana é mais puxado, mas também é quando se ganha melhor. Então vale a pena.
Você é de qual cidade?
Altemir: Eu moro em Cachoeirinha, que é na região metropolitana de Porto Alegre. É praticamente colada. Atravessou uma ponte, está em Porto Alegre. Então considero como se fosse Porto Alegre mesmo.
Altemir, você é um motorista seletivo nas corridas que aceita? Só pega corridas que pagam acima de R$1,50, R$1,60 por km?
Altemir: Sim, eu tenho meus critérios. Não aceito corridas abaixo de R$1,20 por km, de jeito nenhum. Ontem mesmo eu fiz alguns prints de corridas absurdas. Tipo uma com 5 km para buscar e mais 5 km para levar, pagando R$8. Isso dá menos de R$0,80 por km!
Isso sem contar que às vezes a corrida é para área de risco. Aqui a gente conhece os bairros — lugares onde tem tráfico, criminalidade… e o app quer te mandar pra lá com uma corrida que nem compensa.
Então não olho só o valor, mas também a localização do embarque e desembarque. Tem que cuidar muito isso aqui, senão a gente se coloca em situações perigosas por quase nada.
Entendi. E trabalhando dessa forma, com essa rotina e critério de corridas, você consegue faturar quanto por dia, semana ou mês?
Altemir: Eu prefiro falar por semana, porque o faturamento por dia é muito instável. Tem dia que você dá sorte e pega corrida boa, faz R$400. Tem dia que está fraco, mal faz R$200. Então não dá pra afirmar “hoje eu vou fazer R$400”, como alguns falam por aí.
Já estou há quase 8 anos no app, entre Uber e 99, e posso te garantir: isso de meta diária fixa não existe. Até porque, se você passar de 12 horas online, o aplicativo te bloqueia.
Na minha média, eu faço entre R$2.000 e R$2.500 por semana. Se num dia eu não atingi o que esperava, eu descanso e compenso no dia seguinte, com um horário diferente.
E como você lida com os custos? Combustível, manutenção… Você tem uma estratégia para abastecimento, por exemplo?
Altemir: Sim, tenho uma forma bem organizada. Abasteço sempre R$50 por vez. Coloco R$50, rodo até entrar na reserva, e só então coloco mais R$50.
Isso me ajuda a controlar exatamente quanto eu gastei com combustível naquele turno. Se eu encher o tanque de uma vez, acabo usando a gasolina para coisas pessoais e me perco nos cálculos — não sei mais o que gastei no app e o que foi gasto pessoal.
Então essa estratégia de R$50 por vez me ajuda a ter clareza. Botei R$50, rodei, vi quanto ganhei com isso, sei se compensou. É a forma que encontrei de me organizar.
Você trabalha com quais aplicativos? Uber, 99, inDrive?
Altemir: Atualmente só com Uber e 99. Antigamente tinha o Cabify, que pagava bem, mas acabou saindo por causa da concorrência com Uber e 99.
Já a inDrive, na minha opinião, é muito perigoso. Eles não têm o mesmo sistema de segurança. Eu já cheguei a usar, mas tirei o aplicativo do celular. Peguei passageiro com tornozeleira eletrônica e fui enviado para área de risco.
Hoje em dia, a Uber e a 99 são muito rígidas com motoristas. Qualquer coisa, eles te bloqueiam. Com o passageiro não é a mesma rigidez, mas com a gente, sim.
Na Uber e 99, pelo menos dá pra ver a pontuação do passageiro, quantas corridas ele já fez. Se tem tornozeleira mas já rodou várias vezes e tem boas avaliações, eu até aceito. Mas na inDrive não tem esse tipo de informação, então é muito mais arriscado.
Você tem uma ideia de quantos quilômetros você roda por dia?
Altemir: Olha, pelo aplicativo, eu rodo de 300 a 400 km por dia. Isso porque eu pego corrida longa, sabe? Não sou de recusar corrida longa — muito pelo contrário.
Por exemplo: às vezes estou em Porto Alegre e me chamam para levar passageiro até Caxias do Sul, que dá mais de 100 km. Se o valor for justo, eu vou. Claro, não vou aceitar uma corrida longa com valor que não paga os custos, mas, sendo razoável, eu topo.
Você trabalha com Comfort, X, Black…?
Altemir: Meu carro atual é um Nissan March, ano 2018. Antes, eu tinha um Gran Siena, que entrou água durante uma enchente — moro em uma área que foi atingida.
Eu tinha os dois carros: o Gran Siena e o March. O Gran Siena entrava no Comfort e ainda era no gás, então era ótimo. Já o March é apenas gasolina e álcool, e só roda no X.
Infelizmente, tiraram o Gran Siena do Comfort, mas até então era o carro que eu usava.
E, Altemir — desculpa, quase falei Evandro — como foi que você se tornou motorista Diamante? Como foi essa jornada até conquistar esse nível?
Altemir: Tranquilo! Então, para se tornar motorista Diamante, a Uber exige que a gente atinja uma pontuação específica a cada três meses, com um número mínimo de corridas.
O sistema agora usa algoritmos diferentes: algumas corridas valem 1 ponto, outras valem 2. E, claro, a nota do motorista também pesa. A minha sempre foi alta. Eu já fui 5 estrelas — só não estou com 5 agora porque levei um passageiro para o aeroporto que, no caminho, me perguntou como funcionava essa questão da nota.
Expliquei para ele que basta uma nota 4 para me derrubar de 5 estrelas. E foi o que aconteceu. Ele provavelmente me deu 4, e aí minha nota caiu. Hoje estou com 4,99. Mas manter uma nota alta não é fácil. Nem todo mundo vai com a tua cara, mesmo que você trate todos com respeito e educação.
Eu sempre trato todos igualmente, independente de quem seja. Meu pai dizia que “educação é uma só”. Ou você tem ou não tem. Não existe ser educado só quando quer. Então, eu trato todo mundo bem, brinco com os passageiros, e muita gente até diz que andar comigo é quase um stand-up gratuito. Recebo muitos elogios no app. As pessoas dizem que querem correr comigo de novo, que todos deveriam ser como eu.
E olha, manter essa nota por tanto tempo não é simples, porque qualquer detalhe pode te derrubar. Mas tenho orgulho de ter uma reputação sólida. Na 99, por exemplo, sou 5 estrelas até hoje.
Impressionante! E agora, Altemir, queria que você fizesse um comparativo: como era ser motorista quando você começou, em 2017, e como é hoje? Muita gente diz que os ganhos continuam iguais, mas os custos aumentaram muito. Qual a sua visão?
Altemir: Ah, mudou muito. Naquela época, a gente ganhava bem mais. Eu brinco que os R$2.500 que hoje você leva uma semana inteira para fazer, antigamente fazia de quinta a domingo.
Era outro cenário: gasolina a R$2 e pouco, os ganhos mais altos. Hoje a gasolina tá mais de R$6 e os apps não ajustaram os valores. Inclusive, recentemente saiu uma reportagem dizendo que a 99 aumentou a taxa cobrada do passageiro de 17% para 25%, mas não repassou nada disso para o motorista.
Esse é um problema antigo. Não me envolvo muito em política nem em movimentos de greve porque sei que a adesão é baixa. Muitos falam em parar, mas quando vem a chance de pegar corrida com dinâmico, saem para rodar. Isso atrapalha qualquer tentativa de negociação coletiva.
Outro problema é que tem muita gente aposentada ou sem necessidade real de renda que entra só para “passar o tempo”. Aí aceitam qualquer corrida, seja boa ou ruim, e isso prejudica quem realmente depende do aplicativo para viver. O algoritmo vê que tem motorista topando tudo, então não há incentivo para melhorar os valores.
Enquanto isso, os motoboys ganham R$1,50 por km com muito menos custo — e ainda fazem paralisação. Nós, com carro e custo lá em cima, estamos ficando para trás.
Verdade. E como você comentou que fatura em torno de R$2.000 por semana, ou cerca de R$8.000 por mês, quanto disso realmente representa lucro para você?
Altemir: Quando eu faço R$2.000 na semana, é praticamente tudo líquido, porque meu carro é próprio. Eu não tenho custo de aluguel. Só tenho manutenção.
E mesmo a manutenção eu faço por conta própria. Moro em casa, tenho ferramentas, e o que for possível fazer, eu faço. Só levo ao mecânico se for algo mais pesado, como motor.
Se for trocar rolamento, pivô, amortecedor, essas coisas mais simples, eu mesmo resolvo. Trabalhei muitos anos em concessionária, então tenho conhecimento. Já vendi carro, entendo bem da parte mecânica.
Por exemplo: semana passada troquei o rolamento da roda traseira. Me cobraram R$380 na oficina, mas eu comprei a peça por R$80 e troquei em casa. Só aí economizei R$300. Hoje em dia, a mão de obra custa mais do que a peça.
Claro, coisas mais delicadas como a parte elétrica, câmera de ré, multimídia… isso eu não mexo. Mas a parte mecânica básica eu resolvo. E essas economias de R$40 aqui, R$80 ali, fazem muita diferença no fim do mês.
Altemir, minha próxima pergunta: para você, qual é a maior dificuldade do motorista de aplicativo hoje?
Altemir: A maior dificuldade nossa é lidar com certas situações que nos irritam e desgastam. Por exemplo, uma coisa que está incomodando muito hoje é que os aplicativos não estão mais informando a cidade de destino quando a corrida aparece na tela. Eles mostram só o nome da rua e a quilometragem, mas não dizem o bairro nem a cidade.
Aqui na região, tem lugares que muitos motoristas evitam, como Viamão. Não é por causa das pessoas, que fique claro — mas sim porque as ruas são muito esburacadas, muitas são de chão batido, e tem muita ladeira. Já fiquei empenhado lá duas vezes. Isso acaba com o carro da gente.
E como os aplicativos não mostram o destino completo, a gente acaba aceitando corridas para lugares que não queria ir. Eu não gosto de cancelar corrida, tanto que meu índice de cancelamento é bem baixo. Mas nessas situações, sou obrigado a cancelar. E aí fica parecendo que é o motorista que está errado, mas a plataforma é que está ocultando informações importantes.
E outra: eu não gosto de deixar passageiro esperando. Se eu aceitei, eu vou buscar. Se não vou, prefiro nem aceitar. Acho muito errado quando o motorista aceita e depois cancela, deixando o passageiro na mão. Não gostaria que fizessem isso comigo, então não faço com os outros.
E além disso, os valores estão péssimos. Tem corrida sendo paga a R$0,80 o km, um absurdo. E pior: às vezes o aplicativo mostra que a área está com dinâmica cheia na tela, mas não aparece corrida nenhuma de dinâmica. Isso virou rotina — a gente até chama de dinâmica fake.
Outro ponto é a taxa de R$5. Quando a gente chega no local e o passageiro não aparece, tem que cancelar. Eles dizem que essa taxa é para cobrir o deslocamento, mas não é. Só pagam os R$5 fixos, não importa quantos km você rodou até lá.
Essas pequenas frustrações do dia a dia vão se somando e deixam o trabalho cada vez mais estressante. Mas é o que temos, né? A gente continua, porque precisa.
Só para ver se entendi: às vezes a Uber mostra que tem dinâmica na área, mas não toca corrida nenhuma?
Altemir: Exatamente. É fake. Você vê o mapa todo vermelho, indicando dinâmica, mas fica lá parado, sem tocar corrida nenhuma. Já fiquei 15, 20 minutos sem chamada, mesmo sendo motorista diamante e com nota alta. Ou seja, prioridade eu tenho, mas nem isso ajuda. Aí o passageiro reclama que está esperando faz tempo, e eu digo: “Mas eu estou aqui parado e não aparece corrida pra mim também.”
E, Altemir, você ainda recomenda a atividade de motorista de aplicativo para alguém que esteja precisando de uma renda? Quais dicas você daria para quem está começando?
Altemir: Olha, não é questão de indicar ou não. Acho que cada um sabe onde o calo aperta. Se a pessoa precisa, ela pode começar, sim — desde que não entre em qualquer roubada.
Por exemplo: tem locadoras cobrando R$800, R$900 por semana. A pessoa tem que ver se consegue um carro mais barato, ou se tem carro próprio, melhor ainda. Mas tem que estar disposto a trabalhar mesmo. Não adianta achar que vai rodar 5 ou 6 horas por dia e vai resolver a vida. Tem que pegar firme.
E o que mais dá dinheiro, todo mundo sabe, é fim de semana. Muita gente quer trabalhar só durante a semana e folgar no sábado e domingo. Aí não vai valer a pena mesmo.
Se for para entrar nesse ramo, tem que estabelecer metas, controlar custos e aceitar que os tempos mudaram. Os ganhos caíram muito — isso todo mundo que está há bastante tempo sabe. A gasolina subiu, as tarifas não acompanharam, e quem quiser viver disso vai ter que fazer conta e se organizar.
Uma resposta
E realmente tem muitos motoristas e melhor para os aplicativos que botar o preço que quer e o motorista parceiro como eles chamam não tem nenhuma opção de trabalho aí e o jeito se não conseguir pagar as contas e não come.o que pra fazer alguma ajuda pra nós motorista e só o governo mais não fazem nada, mais cada viagem que a gente faz é descontado a parte do governo. Como pode uma viagem de 10km mais ainda pra ir buscar o usuário acima de 6km e aplicativos só pagar 14 reais isso não é justo minha autoridade. Essas empresas de aplicativos de transporte estão cada dia mais bilionários e escravizado nós motorista brasileiro e nós governo não ver mais fige que não, mais ganhar o nosso suor.