Motorista destaca como apps mantêm demanda apesar de tarifas.
Murilo Rodrigues, 30 anos, é motorista de aplicativo na cidade interiorana de Dourados, localizada no Mato Grosso do Sul. Com mais de 6 anos de experiência com as plataformas, ele relata o dia a dia das viagens em sua região.
“Os aplicativos chegaram aqui em 2016, com muita resistência. E foram regulamentados pelo município só em 2022. Uma regulamentação formal, só para a prefeitura ter acesso ao cadastro. Uma coisa bem básica mesmo”, diz.
Ele ainda explica que o táxi exerce uma força muito grande sobre o transporte de passageiros, incluindo a sua região, e que no início dos aplicativos houve muita discussão entre as classes. Mas contorna: “Hoje a gente convive bem”.
“Eu trabalho como se fosse um emprego, faço horário comercial, tento manter disciplina com horário certo. Acho que o alicerce principal é você levar a sério. A pessoa sai à noite, quer rodar 3 horas e ganhar R$ 200, isso não acontece”.
Em sua cidade com 250 mil habitantes, Murilo explica que roda cerca de 8 horas diárias, contando com uma média de 120 km: “O faturamento diário é cerca de R$ 300 bruto. Líquido, vamos considerar R$ 200 líquidos por dia”.
Rodrigues explica que a média da sua cidade fica em torno de R$ 250 a R$ 300 bruto, sendo entre R$ 170 e R$ 200 o faturamento líquido por dia.
“Aqui na cidade fica em média R$ 1,80 o km. O aceitável seria uma tarifa de R$ 2 por km rodado”, conta o motorista.
Quando questionado sobre as tarifas dinâmicas em sua cidade, ele relatou que os aplicativos não consideram regiões mais afastadas ou estradas de terra. Ele comentou que parece que a plataforma não identifica que se trata de outra cidade e que o aplicativo só funciona no perímetro de Dourados.
Ao sair para essas cidades próximas, como Itaporã, a cerca de 20 quilômetros, o serviço já não opera. Ele destacou que, mesmo assim, o aplicativo calcula o pagamento como se fosse uma corrida entre bairros dentro de Dourados.
Murilo ainda acrescenta que, em sua região, as corridas são, em média, no valor de R$ 12: “Não é justo. Dá para melhorar com certeza. As tarifas são defasadas, a manutenção do carro, o custo de vida para você manter um carro hoje em dia, financiamento, manutenção, combustível, está altíssimo”.
Hoje, você acha que compensa rodar com os aplicativos? Qual é a sua visão sobre esse trabalho?
Eu sou solteiro, não tenho filhos. Para mim vale a pena. Aqui, por mais que a cidade seja pequena, eu consigo ter esse faturamento, vamos arredondar, R$ 200 por dia limpo.
O custo de vida acaba sendo menor aqui do que em outras cidades. Então, R$ 200 por dia em São Paulo não é nada. Eu acompanho muitos motoristas de São Paulo, isso aí não é nada. Isso aí eles tiram em uma manhã.
Para a gente aqui, o custo de vida é muito mais baixo, tudo é perto. Se eu pegar da minha cidade aqui, de um ponto extremo ao outro para atravessar a cidade, eu acho que não dá 20 quilômetros.
A cidade tem 250 mil habitantes, mas é pequena, é tudo pertinho. Geralmente, as corridas são com tarifa mínima e é muito difícil passar de 20 reais, mesmo atravessando a cidade. Quando na Dinâmica, raramente passa de R$ 30 a R$ 40.
Qual o valor da corrida mínima?
Eu rodo full time inDrive, 99 e Uber aqui. Uber está praticamente em desuso porque os motoristas, de uma forma geral, se comunicam com o outro. A gente deixou o Uber em desuso porque a taxa é muito alta e não tem muitas chamadas. O pessoal aderiu aqui à inDrive e à 99. A 99 cobra R$ 5,70 a mínima. E inDrive é R$ 7.
Por que os motoristas optaram por não rodar com a Uber?
Eu percebo que a taxa da Uber é bem mais alta do que a da 99 e da inDrive. A inDrive, pelo que sei, tem uma taxa fixa de 10% no Brasil inteiro. Já a 99 varia de acordo com o desempenho de cada motorista. No meu caso, a média é de 15%.
Por outro lado, a Uber tem aquela taxa variável que pode chegar a 20%, 30%, e, às vezes, até mais de 40%. É muito alta. Por isso, de forma unânime, os motoristas que conheço, especialmente nos grupos de WhatsApp que participo, concordam que trabalhar com a Uber aqui se tornou inviável, tanto pela demanda quanto pelas taxas. Isso acabou fazendo com que muita gente deixasse de usar a plataforma.
A força da inDrive, com o sistema de negociação livre, e da 99, que também tem o “99 Negocia”, contribuem para isso. Eu diria que, se fosse calcular, a Uber hoje não representa nem 20% das chamadas aqui na cidade. É muito pouco mesmo.
Além disso, houve uma tentativa de criar uma associação de motoristas aqui, mas não deu certo. Acho que durou um ano, se tanto. O pessoal aqui, assim como em outras partes do Brasil, é bem desunido. Sempre vejo motoristas reclamando disso.
O que funciona com força mesmo são os grupos de WhatsApp. Aqui na cidade, acredito que temos três grupos grandes, com pelo menos uns 500 motoristas no total.
Em Dourados há o serviço de mototáxi? Se sim, como influencia nos chamados?
Disputar com eles está sendo difícil, porque já estava saturado com carro. Quando chegou a moto, tanto o Uber quanto a 99, a disputa ficou mais acirrada ainda.
E como a moto é mais barata, e é uma cidade pequena, geralmente, a maioria das corridas aqui são de pessoas sozinhas mesmo. Quem se desloca sozinho, geralmente. Por sua lógica, o passageiro, o cliente, vai onde vale a pena. Se eu fosse passageiro e pudesse usar a moto pagando metade de um carro, eu usaria a moto.
Porque a cidade é pequena, o trânsito não é pesado, não é violento. A categoria moto trouxe uma grande competição na cidade.
O que você observou de mudanças desde que começou a trabalhar como motorista de app?
Positiva: segurança. Lá no começo tinha muito assalto, muita morte de motorista. Ainda tem de vez em quando até hoje, mas se você for pegar um gráfico, o gráfico com certeza é descendente do que era lá atrás, antes da pandemia.
De melhoria, é isso. E de ponto negativo, não tem como falar da tarifa. A tarifa realmente é o alicerce principal de toda a discussão. Tarifa muito defasada.
Acho que a pandemia foi um laboratório para os aplicativos observarem o quanto o motorista está disposto a trabalhar por pouco.
Eles viram que as pessoas, mesmo não valendo a pena, mesmo você pagando para trabalhar, mesmo você ficando no prejuízo, estavam dispostas a aceitar uma corrida com preço baixíssimo. Se uma pessoa aceita, eles viram que podem cobrar aquilo ali.
Para o passageiro, é ótimo, claro. Eles podem manter a demanda da plataforma, mesmo punindo o motorista.
E o motorista, por sua vez, ignora a questão de se vale a pena ou não rodar. Ele aceita trabalhar por menos. Aí se esperava que, com o fim da pandemia, voltasse o grupo que era antes da pandemia em questão de demanda e tarifa. Não voltou, e eu acho que nem vai voltar também.
A pandemia foi um fim de um ciclo e um começo de outro. Um ciclo negativo, porque as plataformas têm os dados lá, eles têm o esforço. Eles sabem que todo dia está entrando gente, gente que aceita trabalhar por pouco. Enquanto existir isso, nunca vai mudar.
Eu sempre tento pensar na ótica da plataforma, sabe? Se eu fosse lá o CEO da Uber ou da 99, eu falo: “Poxa, tem tanta demanda de motorista querendo entrar todo dia. Eles aceitam, eles pegam tudo que a gente manda. Por que eu vou mudar, né?” Não tem por que mudar.
O que você espera para o futuro da classe?
Eu acho que o futuro dos aplicativos de transporte é tão incerto quanto o futuro da sociedade como um todo. Se você observar, nos Estados Unidos e na Europa, até hoje não existe um consenso em relação à regulamentação. Cada estado tem suas próprias regras, e a discussão ainda está longe de ser resolvida.
Na minha visão, os aplicativos não vão acabar, mesmo que venha a existir uma regulamentação ou vínculo empregatício. Acabar, não acabam. Mas podem mudar drasticamente, e quem quiser continuar nesse trabalho terá que se adaptar às mudanças.
Eu gosto de lembrar a ideia inicial dos aplicativos, que era ser uma renda extra. Só que as pessoas começaram a encarar isso como emprego principal, e agora esse emprego nem é exatamente autônomo. E com toda essa discussão de se vai ser CLT, se vai ter regulamentação, o futuro parece bem incerto. Não sinto muita segurança sobre o que está por vir.
Acredito que todo motorista deveria pensar em não ficar preso nisso por muito tempo. É até meio contraditório eu falar isso, porque já estou há sete anos na estrada. Mas, enquanto você trabalha e paga suas contas, é essencial buscar uma especialização, um plano B. Ser motorista a longo prazo, na minha opinião, não vale a pena. Diferente de um taxista, que tem outra estrutura, ser motorista de aplicativo por muitos anos não compensa.
E olhando para frente, com o custo de vida aumentando, acho que vai compensar ainda menos. No meu caso, ainda vale a pena porque sou solteiro, não tenho filhos, e o trabalho ajuda a manter a casa e pagar as contas básicas. Mas para um motorista que sustenta uma família, imagino que ele não esteja feliz com essa realidade. Deve estar tão inseguro quanto eu sobre o futuro.
É difícil ficar otimista olhando para o próximo ano, com as mudanças e regulamentações que estão sendo discutidas. É muita incerteza e insegurança, e isso acaba deixando todos os motoristas apreensivos.