Como funcionam os dispositivos de segurança das plataformas? Entenda qual o apoio prestado às vítimas: “Empresas não encaravam como um problema interno”.
Amanda Nogueira é jornalista e pesquisadora doutoranda em comunicação pela Universidade Federal da Bahia (UFBA). Junto com seu orientador, André Luiz Martins, ela desenvolveu um artigo sobre os dispositivos de segurança nos aplicativos de transporte, analisando suas funcionalidades e limitações.
Durante o estudo, foram observados mecanismos de segurança disponibilizados pelas plataformas, como o botão de emergência e atalhos que conectam diretamente a autoridades, como a discagem do número 190. Entre 2020 e 2021, Amanda notou que essas ferramentas ainda não estavam completamente estabilizadas.
A pesquisadora, que já tinha interesse em estudos de gênero, ampliou o objeto da pesquisa para incluir a relação entre gênero e objetos técnicos, além de explorar situações envolvendo violência em aplicativos de transporte e de relacionamento. Estudos anteriores já abordavam a violência de gênero contra mulheres, motoristas ou passageiras, tanto no Brasil quanto em outros países. Amanda percebeu que sua pesquisa poderia contribuir para entender quais tipos de violência ocorriam e como as plataformas estavam lidando com essas situações.
Para sua análise, foram observados os métodos de segurança de aplicativos como Uber, 99 e Cabify (que não atua mais no Brasil). Amanda investigou como as empresas respondiam às ocorrências de violência: “Em 2021, Uber e 99 estavam respondendo a dinâmicas e questões daquele momento, mas não posso afirmar que são os aplicativos mais seguros do mundo hoje. Essas plataformas mudam com o tempo e com as demandas dos usuários. Notei que ainda existem questionamentos e queixas, seja por mulheres, seja por pessoas LGBTQIA+, sobre como as plataformas respondem às violências”, afirmou.
A pesquisa também revelou a implementação de ferramentas como o “botão de pânico”, que, ao ser acionado, direcionava o usuário para o número de emergência. Mas destaca: “Ao apertar o botão, a segurança não é garantida magicamente; ele existe porque a violência é uma realidade, e o objetivo é impedir que ela se repita. Ainda assim, os aplicativos não atendiam completamente às necessidades de segurança dos usuários”.
Ela compartilhou sua experiência ao testar essas ferramentas: “Na época, a Cabify me ligou para verificar se eu estava bem após eu apertar o botão de pânico e cancelar a denúncia logo depois. Já Uber e 99 nunca fizeram isso comigo, mesmo quando testei essas funções em ambas”. Amanda explica que, embora houvesse políticas para combater a violência de gênero, elas não eram suficientes para responder completamente às necessidades dos usuários vítimas de violência.
Além disso, ela refletiu sobre o papel dos aplicativos como mediadores entre as vítimas e as autoridades públicas. Ela questionou a eficácia de algumas funções, como o botão que direcionava para o 190, argumentando que os usuários poderiam ligar diretamente. Porém, é necessário lembrar que, ao longo dos anos, as plataformas implementaram mudanças, incluindo políticas internas para identificar agressores e ações de bloqueio de perfis.
“Ao longo do tempo, percebemos que são várias pequenas ferramentas que, quando unidas, colaboram para evitar futuras situações de violência e também para coibir aquelas que estejam acontecendo. Além disso, elas podem ajudar na fabricação de provas de que aquela violência realmente existiu”, explica Amanda.
Hoje, a pesquisadora reforça a urgência de regulamentação no setor: “Precisamos de leis que responsabilizem as plataformas e que garantam a segurança dos usuários. Se em 2021 discutíamos como regular esse cenário, hoje é imperativo que haja regulação, exigindo das empresas transparência e atualizações constantes em suas ferramentas”, conclui.
Nogueira também explicou que, durante o tempo de sua pesquisa, a Uber implementou uma série de ferramentas dentro de um “guarda-chuva” chamado “U-Ajuda”, incluindo gravação de áudio, compartilhamento de rota e um botão de emergência. A 99, por outro lado, investiu mais em marketing e publicou um guia de como processavam as denúncias de violência.
“Assim, enquanto a Uber detalhava o que estava fazendo, a 99 optou por publicar o passo a passo do atendimento à vítima”, diz.
Entre 2012 e 2018, a jornalista conta que observou um salto na transformação dos aplicativos em resposta a denúncias de violência: “Inicialmente, as empresas tratavam as denúncias como algo que não era responsabilidade delas, mas começaram a desenvolver formas de lidar com a violência”. Ela conta que isso se intensificou pela pressão das vítimas de violência e pela existência de regulamentações, como a LGPD no Brasil e o marco civil da internet.
Para ela, é fundamental que as plataformas divulguem relatórios sobre dados de violência, mostrando como estão lidando com essas questões, o que contribui para maior segurança e confiança por parte dos usuários.