Entregador conta como conseguiu levar colchões para os pontos de apoio do iFood e estabelecer uma comunicação mais eficiente com a plataforma.
A equipe do 55content conversou com Jean Clezar, entregador que transformou sua realidade e a de muitos colegas ao fundar a Associação de Ciclo Entregadores do Rio Grande do Sul (ACERGS).
Em nossa conversa, ele compartilha como a vida mudou de “água para vinho” após a fundação da associação, detalhando as lutas e conquistas que levaram à melhoria das condições de trabalho e remuneração dos entregadores. Desde estabelecer uma comunicação mais eficiente até conseguir colchões para os pontos de apoio dos entregadores do iFood.

Clezar explica como um pequeno aumento na remuneração por rota de R$5,00 para R$6,50 é apenas uma parte de um conjunto maior de melhorias que transformaram a realidade dos trabalhadores de plataformas digitais de moto e bike no Rio Grande do Sul.
Quando você começou como entregador?
Durante a pandemia, iniciei minha atuação como entregador de bicicleta e, devido às dificuldades enfrentadas pelos profissionais do setor, fundei a Associação de Ciclo Entregadores do Rio Grande do Sul (ACERGS). Comecei e depois evoluímos para a ACERGS. Participamos do grupo tripartite para regulamentação do setor e representei a associação nessas discussões. Criamos também a ACERGS Express, uma cooperativa que permitiu aos entregadores operar independentemente de plataformas externas e obter rendimentos superiores. Atualmente, sou delegado sindical do Sindmoto e conseguimos estabelecer pontos de apoio para o setor. Essa é minha contribuição significativa para a área, marcada por desenvolvimentos complexos na transição de e-bike para a ACERGS.
Como sua vida mudou fazendo parte da Associação?
A vida mudou demais, de água para vinho, literalmente. A transformação começou quando formamos um movimento de E-bike, inicialmente apenas uma associação com estatuto e normas, por insatisfação com a empresa Tembici, de quem alugávamos bicicletas elétricas para trabalhar com o iFood. Esse movimento visava lutar por nossos direitos e culminou em nossa participação em medidas legislativas e protestos organizados, que consolidaram a fundação da ACERGS, uma associação criada por cinco entregadores do Rio Grande do SUl. Essa evolução nos levou a Brasília, onde participamos da mesa de regulamentação das plataformas digitais em um grupo tripartite, representando os bikers junto com Aline Os, Señoritas Courier, de São Paulo. Este envolvimento propiciou minha entrada no sindicato e no Conselho Nacional da Solidaried Center. Atualmente, sou um dos cinco membros fundadores da Aliança Nacional dos Entregadores, participando ativamente em recomendações e atividades sindicais.
Por meio da luta iniciada pela ACERGS, alcançamos diversas melhorias para os entregadores, incluindo a aquisição de colchões para pontos de apoio e a evolução das bicicletas para modelos superiores. Estas conquistas também trouxeram benefícios como melhores planos de trabalho e um meio de comunicação mais eficiente que o oferecido pela Tembici, além de uma plataforma de negociação com a mesma empresa. Através dos sindicatos, estabelecemos a CCP, facilitando a comunicação direta com o iFood e melhorando o contato entre a plataforma e os entregadores. Em Porto Alegre, por meio de colaboração com o Sindmoto, conseguimos estabelecer pontos de apoio essenciais para os trabalhadores. Além disso, criamos a frente parlamentar do entregador em medidas legislativas de Porto Alegre, fortalecendo a representação e abrindo novas oportunidades para os entregadores. Esta série de avanços, alcançada nos últimos dois anos, transformou significativamente a realidade dos trabalhadores de plataformas digitais de moto e bike no Rio Grande do Sul, especialmente em Porto Alegre, e tem impacto notável em todo o Brasil. Graças a essas iniciativas, agora é mais fácil trabalhar com o suporte que conquistamos.
Como surgiu o insight de criar uma associação?
Após enfrentar dificuldades em estabelecer um diálogo com a empresa, decidi buscar orientação no Procon, onde me conectei com outros interessados e estudantes de Direito. Essas conexões me levaram à CUT e outras instituições que orientaram a possibilidade de criar um movimento ou associação. Inspirados por essas orientações, iniciamos uma manifestação em 8 de abril, que consolidou a decisão de formar uma associação dedicada à luta contra a precarização do trabalho e das condições das bicicletas. A indignação era geral, especialmente devido aos problemas de qualidade das bicicletas, os planos inadequados e o aumento dos valores cobrados pela Tembici. Liderando o grupo, conseguimos abrir diálogo com a Assembleia Executiva, que se mostrou receptiva às nossas reivindicações. Esse encontro marcou o início de uma colaboração ativa entre os membros do grupo, que passaram a trabalhar juntos de forma organizada para promover mudanças significativas.
Você sente que começou a ser melhor remunerado e ter mais benefícios depois das associações?
Claro. Inicialmente, eu recebia R$5,00 por rota, valor que aumentou para R$6,50. Embora o aumento não tenha sido muito significativo, a iminente regulamentação nos permitiu pressionar o iFood para melhorar a remuneração. Estamos colhendo os frutos dessas negociações e esperamos aumentos maiores devido à pressão que continuamos exercendo. Recentemente, retomamos as discussões para exigir uma remuneração melhor e instamos o iFood a negociar conosco, especialmente em nosso estado. Estabelecemos dois pontos de apoio, incluindo um em Porto Alegre, que melhoraram consideravelmente as condições de trabalho. Estamos trabalhando para conscientizar os trabalhadores sobre seus direitos e a importância de não se conformarem com condições insatisfatórias. A união tem trazido várias melhorias, incluindo suporte durante o trabalho. Com a regulamentação em curso, vemos uma oportunidade de aumentar nossas exigências por melhor remuneração e qualidade de vida. Estamos focados em garantir remuneração digna, saúde e segurança, pilares essenciais para melhorar a vida dos trabalhadores. Incluímos benefícios como convênios e plano de saúde gratuito, elevando a dignidade e o bem-estar dos trabalhadores. Em Porto Alegre, particularmente, essas iniciativas trouxeram progressos significativos, transformando a realidade dos trabalhadores frente à falta de proteção legal anterior.
A associação teve uma participação ativa para mudar o valor da rota de R$5 para R$6,50?
Certamente, entramos na história no momento oportuno. Em apenas um ano, já estávamos em Brasília, graças a conexões certas e ao timing ideal. Desde o início, eu estava entre os cinco fundadores da Aliança Nacional dos Entregadores, colaborando com pessoas de diversos estados e entidades como o Solidaried Center, a CUT e a CENTRAP, bem como com o sindicato dos bolsistas de aplicativos da Uber. A pressão nacional, amplificada pela participação ativa da IEBAI e outros sindicatos, teve um impacto significativo. Nosso trabalho foi destacado em jornais de vários estados e entrevistas para grandes veículos como a Folha de São Paulo, fortalecendo uma corrente emergente que hoje é conhecida como Aliança Nacional. Para participar mais ativamente e formalmente, mudamos o nome de E-bike para Sergs e constituímos uma associação com CNPJ. Essa transformação foi crucial para nossa capacidade de influenciar a regulamentação e acompanhar nosso crescimento. Estávamos no momento certo para impulsionar essas mudanças, e hoje, acreditamos na construção de uma união forte dos trabalhadores em todo o Brasil.