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“Os sindicatos pediram CLT e o governo passou a conversar apenas com a Uber e 99”, diz representante da inDrive 

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Aplicativos de Transporte, inDrive, Motorista
Carlos inDrive 1
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Carlos Nishikawa diz que regime CLT para os motoristas era uma das exigências sindicais e que a PLP surgiu de um consenso entre governo, sindicato e grupo da Uber e 99.

A equipe do 55 conversou, na última segunda-feira (18), com Carlos Shigueo Nishikawa, Coordenador de Assuntos Governamentais da inDrive, sobre o PLP 12/2024. O projeto de lei complementar, que regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativos, foi assinado pelo presidente Lula e enviado ao Congresso no começo do mês de março.

Durante a entrevista, foram abordados os primeiros contatos para a reunião do grupo tripartite, os desafios enfrentados nas negociações, a exclusão de algumas plataformas das discussões, e as perspectivas da inDrive em relação à proposta de regulamentação.

Segundo o representante,o principal ponto de discórdia nas negociações foi a exigência dos sindicatos para que todos os motoristas fossem registrados sob o regime da CLT, uma demanda que as empresas não aceitaram, culminando em um impasse que levou o governo a intervir. A intervenção governamental resultou na criação de um projeto de lei próprio, que foi levado ao congresso sem o consenso das partes.

A escolha do governo de convocar a Amobitec, representante da Uber e 99, e o sindicato para elaborar o esboço de um novo projeto de lei, deixou a inDrive e outras plataformas fora das negociações ativas. 

A proposta de lei enfrentou resistência, especialmente dos motoristas, que se opõem à sindicalização e estão preocupados com o impacto das contribuições previdenciárias propostas em seus rendimentos. A inDrive, especificamente, criticou o projeto por não levar em conta a diversidade de modelos de negócios presentes no mercado, como seu sistema de contas pré-pagas e a estrutura de cobrança única.

Carlos Shigueo Nishikawa destacou a preocupação com as novas regulamentações permitindo a Uber e a 99 aumentar suas taxas, e a possibilidade de que tais mudanças beneficiem desproporcionalmente as grandes empresas, em detrimento das menores e das regionais. A inDrive diz estar buscando formar uma coalizão para garantir que a regulamentação seja equitativa e não resulte em um monopólio da Uber.

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Como foram os primeiros contatos para a reunião do grupo tripartite?

Nós garantimos uma participação em um grupo de negociação ao lado de outras plataformas, totalizando cinco assentos reservados para o MID, com a presença de outras empresas como a Rappi, Loggi e a 99 (que também é filiada à Amobitec). Este grupo, formado por cinco representantes, conduziu as negociações. Além dessas empresas, outras como Uber e a 99 através da Amobitec, bem como órgãos como o Procon e cooperativas, foram convidados a participar da negociação em nome das empresas.

Do lado dos trabalhadores, apenas os sindicatos e representantes governamentais participaram. Apesar das tentativas de associações de motoristas de se juntarem ao grupo tripartite, elas foram majoritariamente rejeitadas pelos sindicatos, chegando a um ponto de conflito evidente. Lembro-me de um incidente onde Marlon foi a Brasília tentar participar das negociações, mas foi mal recebido. As associações que tentaram participar também enfrentaram resistência.

O principal ponto de discórdia nas negociações foi a exigência dos sindicatos para que todos os motoristas fossem registrados sob o regime da CLT, uma demanda que as empresas não aceitaram. Esse impasse aconteceu em setembro do ano passado. 

Os sindicatos realmente queriam a implementação do regime CLT?

Sim, os sindicatos realmente pressionaram por essa mudança, mas ao chegar a um impasse de “CLT ou nada”, o governo decidiu intervir, anunciando que criaria seu próprio projeto de lei sem o consenso das partes e o levaria ao congresso para discussão.

Então o governo convocou a Amobitec, representante da Uber e 99, e o sindicato para elaborar o esboço de um novo projeto de lei. A escolha da Amobitec se deu porque eles mostraram disposição em atender a demandas importantes para o governo, como a possibilidade de sindicalização dos motoristas e contribuições ao INSS, incluindo uma contribuição mínima, que foi eventualmente aceita. Essas concessões já eram parcialmente aceitas pela Amobitec antes de 2017, porém foram interrompidas pela CLT. Assim, ocorreram negociações entre governo, sindicato e Amobitec para criar esse projeto de lei, que foi apresentado entre 4 e 5 de março. O MID, por outro lado, não teve participação ativa nessa fase de negociação. Apesar de tentativas de envolvimento, como uma reunião com o Ministério do Trabalho, o MID acabou ficando de fora das discussões. O projeto de lei final foi fruto de um acordo entre sindicato, governo e Amobitec.

Como vocês interpretam a parceria entre o governo, a Amobitec e os sindicatos, que aparentemente deixou de fora o MID dessas negociações? Vocês estavam presentes ou foram convidados para a cerimônia em que o Lula assinou o projeto?

Não, nós não fomos convidados para a cerimônia. Quanto à exclusão do MID e outros aplicativos da negociação, a percepção é que, dada a dominância da Uber e 99 no mercado, com cerca de 85% a 90% de participação, o governo optou por negociar com os principais atores para garantir um impacto significativo. Isso, no entanto, trouxe desafios para empresas menores e regionais, que se sentiram prejudicadas. 

Inicialmente, o grupo de trabalho abordou tanto o transporte quanto as entregas. Porém, devido a maiores exigências dos entregadores, o governo optou por adiar a discussão sobre legislação para motoboys, focando primeiro nos serviços de transporte, onde parecia haver maior concordância. Esse ajuste de estratégia reflete a complexidade e os diferentes interesses no setor.

A proposta de lei enfrentou resistência, particularmente entre os motoristas, que em geral se opõem à sindicalização e expressaram preocupações sobre como a contribuição previdenciária proposta afetaria seus rendimentos. A contribuição sugerida levantou questões sobre de onde viriam os recursos. Os motoristas temem que o ônus recaia sobre eles, seja por meio de uma redução nos seus pagamentos ou pelo aumento das tarifas para os passageiros.

Alternativas como o Microempreendedor Individual (MEI) foram sugeridas para facilitar a contribuição previdenciária sem onerar excessivamente os motoristas ou passageiros. Essa discussão revela um embate entre diferentes partes do setor, incluindo empresas menores e regionais que também se opõem ao modelo proposto. A situação atual evidencia uma tensão entre a necessidade de regulamentação e as realidades econômicas dos envolvidos.

No posicionamento oficial da inDrive, vocês dizem que o projeto não leva em conta a diversidade de modelos de negócios presentes no mercado atual. Poderia especificar quais elementos do projeto você acredita que ignoram ou falham em abordar em relação a outros modelos de negócios?

Bom, vou explicar usando exemplos específicos para esclarecer. Primeiro, no modelo da inDrive, os motoristas mantêm contas pré-pagas conosco, adicionando saldo a cada corrida realizada, enquanto nós retemos 10% do valor como nossa receita. Diferentemente, o Urbano Norte opera com uma mensalidade fixa paga pelos motoristas para receberem corridas, um modelo que não se alinha com o nosso. Além disso, existem franquias como a Lady Driver, que representam outro tipo de modelo de negócio. Nossa plataforma é distinta por não intermediar o pagamento direto entre passageiro e motorista.

A complexidade aumenta com a introdução de novas obrigações financeiras, como contribuições ao INSS. Por exemplo, atualmente, se cobramos 10% sobre uma corrida de R$100, nosso ganho é de R$10. Porém, diante de novos requisitos, consideramos aumentar essa taxa em 5 pontos percentuais, elevando-a para 15%. Esse ajuste significativo, que representa um acréscimo de 50% sobre a taxa atual, tem potencial para impactar tanto motoristas quanto passageiros, elevando os custos associados às corridas.

Comparativamente, plataformas líderes de mercado, que gerenciam todo o processo de pagamento e cobram comissões de cerca de 30% a 40% sobre as corridas, podem absorver essas mudanças com maior facilidade. Essas empresas possuem maior flexibilidade financeira para ajustar suas taxas sem impactar sua operação, diferentemente do nosso cenário, onde tais ajustes representam um desafio maior tanto para nossa operação quanto para nossos usuários.

Motoristas temem que novas regulamentações permitam à Uber e à 99 aumentar legalmente suas taxas, a fim de garantir que o ganho horário dos motoristas não ultrapasse R$32,09. Qual é sua visão sobre essa questão?

A Uber e a 99 têm o controle total sobre o sistema de remuneração dos motoristas. Se um motorista está fazendo várias corridas mal pagas, reduzindo sua média de ganho por hora para um mínimo estipulado, a plataforma tem a capacidade de ajustar as corridas. Isso significa que podem evitar pagar a diferença ao motorista, simplesmente lhe oferecendo corridas melhores para que atinja a média desejada. Essa prática foi descrita como uma “bandeira verde” do governo para que as plataformas possam pagar menos aos motoristas. Ou seja, legalmente, as plataformas podem ajustar o fluxo de corridas, distribuindo viagens mais lucrativas para alguns enquanto outros ficam com as menos vantajosas, mantendo assim um equilíbrio forçado.

Você acredita que o projeto passará pelo Congresso?

Após a medida assinada pelo presidente Lula, dando 40 dias para o Congresso decidir, as minhas expectativas e ações estão focadas na regulamentação dos serviços de motoristas de aplicativo. É desafiador prever se a regulamentação vai realmente acontecer, mas estou empenhado em persuadir os parlamentares de que a urgência proposta não é benéfica para os motoristas. 

Sinto que é crucial eliminar o regime de urgência e tem sido claro para mim que precisamos trabalhar ativamente para isso. Estou planejando ir a Brasília para dialogar diretamente com os congressistas e colaborar com a frente parlamentar dos motoristas de aplicativo, liderada por Daniel Agrobom. Nossa meta, como empresa, é proteger os interesses dos motoristas e evitar uma regulamentação que favoreça injustamente as grandes empresas, como a Uber, criando barreiras para as menores e as regionais, como a Urbano Norte e a Lady Driver. Estamos tentando formar uma coalizão para assegurar que a regulamentação seja equitativa e não resulte em um monopólio da Uber. Entendemos que esse projeto cria, querendo ou não, uma barreira para a entrada de empresas menores e regionais. 

Você acha que com esta regulamentação o governo tenta, de alguma forma, reproduzir o modelo de “campeões nacionais”?

Acredito que não é bem o caso, visto que as principais empresas envolvidas têm capital internacional e não deram a devida atenção às plataformas regionais brasileiras. Pela forma como a proposta está redigida, parece que ela favorecerá ainda mais o domínio de mercado das grandes empresas atuais, como a Uber e a 99, o que é preocupante. Defendo que a regulamentação deveria focar em atender às principais demandas dos motoristas, como melhor remuneração e maior transparência nos ganhos. Até o momento, não acredito que a proposta atual atenda a essas necessidades, e os motoristas concordam comigo.

No posicionamento oficial da inDrive, vocês falam que a empresa entende que, para impedir a falta de transparência nas comissões cobradas por plataformas, o instrumento mais viável é a fixação da taxa de intermediação. Vocês acreditam que isso deveria ser adotado na regulamentação?

Imagine a situação em que, durante uma corrida de Santo Amaro para Vila Madalena, um motorista recebe R$ 30,00. No meio da viagem, surge uma conversa sobre o pagamento com o passageiro, que afirma ter pago R$ 60,00 pela corrida. Isso destaca a divisão desigual dos ganhos, onde o motorista fica com apenas 50% do valor pago, enquanto a outra metade vai para a plataforma de serviço. Esta prática é um ponto de controvérsia entre os motoristas, que prefeririam uma comissão fixa em vez de uma porcentagem variável do custo da viagem. 

Propõe-se que as plataformas adotem uma taxa de comissão fixa, sugerindo, por exemplo, 10%, em oposição às taxas percentuais atuais. Isso significaria que cada empresa definiria sua própria taxa fixa, como a Uber com 25%, a 99 com 20% e a Lady Driver com 22%, promovendo maior transparência e satisfazendo melhor os motoristas ao eliminar a sensação de desigualdade. A empresa poderia estipular uma taxa de até 90%, desde que isso fosse informado de maneira clara e o motorista estivesse a ciência de que está sendo cobrada uma taxa de 90%. 

 Esse movimento é fortalecido por uma proposta de lei em São Paulo, encabeçada por Marlon, que visa estabelecer comissões fixas para as corridas, buscando trazer mais clareza e justiça para o sistema de pagamentos e diminuir a insatisfação dos motoristas.

Há a chance de criar diferentes regulamentações para os aplicativos, dividindo-os entre aqueles com maior presença no mercado, como Uber e 99, e aqueles com menor. Isso já foi considerado ou discutido?

O que defendemos no MID é que o governo deveria reconhecer e levar em conta diferentes modelos de negócios, incluindo os nossos, como Lady Driver, Urbano Norte, entre outros. Se houver a possibilidade, claro que gostaríamos que isso fosse considerado. No entanto, isso depende muito da interpretação do Congresso e da disposição de empresas líderes como a Uber e a 99 em aceitar tal abordagem. Idealmente, haveria uma regulação específica permitindo certas práticas para plataformas que operam de maneira particular. Contudo, compreendo que nossos concorrentes podem não ver isso com bons olhos, mas questiono se isso também não poderia ser benéfico para outras plataformas, levando a um consenso geral.7

O que você considera uma boa regulamentação?

m dos pontos-chave que consideramos importante é a inclusão do Microempreendedor Individual (MEI) como uma forma viável de contribuição. Contudo, isso implica em negociações com o governo, e há incertezas sobre a receptividade a essa ideia. A proposta já constava no projeto de lei do deputado federal Daniel Agrobom. A adoção do MEI facilitaria para todos a contribuição, inclusive para as plataformas, que poderiam auxiliar o governo na arrecadação por meio de um sistema que cobraria dos motoristas e repassaria ao governo. No entanto, essa abordagem exige ser ouvida, e fazer essas alterações em um curto prazo de 45 dias é impraticável. 

Por isso, solicitamos que o governo remova a urgência para permitir um diálogo mais amplo. Além disso, sugerimos a possibilidade de reduzir a alíquota, que atualmente implica em uma carga excessiva tanto para os motoristas quanto para as plataformas. Não somos contra a contribuição para o INSS; pelo contrário, reconhecemos a importância da proteção social. No entanto, é essencial que essa contribuição não comprometa a saúde financeira das empresas e dos trabalhadores. Essas são algumas das propostas que acreditamos que deveriam ser consideradas na elaboração de uma regulamentação mais justa e eficaz.

Vocês são contrários à contribuição previdenciária por parte das empresas?

Na verdade, não somos contrários à contribuição previdenciária por parte da empresa. No entanto, acreditamos que essa questão merece um debate mais amplo. Do modo como está atualmente, pode comprometer a saúde financeira da empresa.

O projeto Agrobon está avançando mais do que vocês imaginam. Ele foi conversado com o MID ou é exclusivamente deles? 

Na verdade, esse projeto foi debatido somente entre os motoristas; nossas opiniões não foram consideradas. Contudo, reconheço que há aspectos positivos, como a questão do MEI, que pode ser extremamente vantajosa para todos os motoristas e também para as empresas.

Vocês apoiam a ideia de ganho por quilômetro ou isso não é um tema de discussão entre vocês?

No momento, estamos em processo de análise. A principal questão relacionada ao ganho por quilômetro é que isso pode resultar em cenários variados em diferentes cidades e regiões, devido a fatores como o mercado local e outros aspectos. Portanto, é essencial avaliarmos cuidadosamente o impacto dessa medida. Precisamos verificar se isso está alinhado ou não com os padrões atuais, isto é, com o que já é cobrado dos passageiros pelos motoristas. Agradeço a você, Renato, pela pergunta. Se a proposta estiver em conformidade, por que não adotá-la? Caso contrário, se estiver significativamente desalinhada, isso exigirá uma discussão mais aprofundada com os motoristas. Por exemplo, uma discrepância grande pode levar à redução da demanda. Estamos atualmente analisando essa questão, realizando simulações, e esperamos ter uma posição mais definida sobre isso nas próximas semanas ou meses.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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