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USP solicita ao STF audiências públicas sobre vínculo empregatício de motoristas

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Motorista, Política
USP SanFran
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USP intervém no STF por direitos de motoristas de aplicativos e pede para que todas as partes interessadas sejam atendidas antes do veredito. 

À medida que se aproxima a data em que o Supremo Tribunal Federal (STF) decidirá se motoristas de aplicativos de transporte e entrega têm ou não relação de emprego com as empresas, o “Núcleo de Pesquisa e Extensão O Trabalho além do Direito do Trabalho” da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP) solicitou ao STF a realização de audiências públicas. Também foi pedido que sejam ouvidas as opiniões de partes interessadas (amici curiae) e especialistas antes de emitir um veredito sobre o assunto.

A história recente aponta que a tendência das decisões do STF tem sido a de negar a existência de tal vínculo, baseando-se em interpretações que consideram essas relações como contratuais civis, fundamentando-se em precedentes de terceirização de atividades-fim. 

Contrapondo-se a essa visão, o NTADT da USP argumenta que a jurisprudência atual pode estar ignorando os princípios fundamentais do Direito do Trabalho, como a primazia da realidade sobre a forma e a irrenunciabilidade dos direitos trabalhistas, e alerta para as consequências econômicas e sociais dessa abordagem.

A possibilidade de um precedente vinculante que impeça a Justiça do Trabalho de examinar a formação da relação de emprego em casos concretos é vista pelo grupo de pesquisa como uma restrição severa à proteção dos trabalhadores, podendo resultar em perdas significativas para o Regime Geral de Previdência Social e no agravamento de riscos relacionados à saúde e segurança no trabalho.

 A universidade defende que a Justiça do Trabalho tem um papel essencial na proteção dos direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente aqueles em posição de vulnerabilidade econômica, e que a dignidade humana deve prevalecer sobre os interesses do capital.

Além disso, a USP enfatiza a importância da função social da propriedade privada e da proibição da mercantilização do trabalho, princípios consagrados na Constituição Federal e na Declaração Universal dos Direitos Humanos, e apela para a realização de audiências públicas antes da decisão final do STF. 

O objetivo é garantir um debate abrangente que inclua todas as partes interessadas, incluindo “amici curiae” e especialistas no assunto, para assegurar uma decisão justa e informada que considere seu impacto sobre a vida de milhões de trabalhadores brasileiros.

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Veja abaixo a íntegra da nota: 

NÚCLEO DE PESQUISA E EXTENSÃO “O TRABALHO ALÉM DO DIREITO DO TRABALHO”

FACULDADE DE DIREITO DA UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO – USP

SOBRE O RECONHECIMENTO DO VÍNCULO EMPREGATÍCIO NAS AÇÕES ENVOLVENDO TRABALHADORES E PLATAFORMAS DE APLICATIVOS DIGITAIS

O Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho” (NTADT) da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, representado por seu coordenador-chefe Professor Associado Guilherme Guimarães Feliciano, vem a público manifestar-se, por meio da presente nota pública, a propósito da Reclamação Constitucional 64018, sobre o reconhecimento do vínculo empregatício nas ações envolvendo motoristas de aplicativo e suas respectivas plataformas, e o faz nos seguintes termos: 

1. No julgamento da RCL 64018, adiado na sessão de 8 de fevereiro de 2024 e previsto para o próximo dia 21 de fevereiro de 2024, o STF provavelmente definirá os parâmetros constitucionais da possibilidade jurídica de reconhecimento do vínculo empregatício entre trabalhadores e empresas mantenedoras das respectivas plataformas digitais. Na imensa maioria das reclamações constitucionais a respeito, as duas turmas do STF têm afastado o vínculo de emprego ou mesmo a própria competência da Justiça do Trabalho sob a compreensão de que se trata de uma nova morfologia contratual, de base civil, razão pela qual evocam, para a procedência de tais reclamações, os precedentes da ADC 48, ADPF 324 e RE 958.252, todos relativos à terceirização de atividades-fim. Tais decisões contrapõem o que antes haviam decidido algumas turmas do Tribunal Superior do Trabalho, que admitiram o vínculo empregatício em tais hipóteses, desde que presentes os requisitos da relação de emprego (art. 3º da CLT), diante da possibilidade de fraude contratual pela distorção da natureza jurídica da relação concretamente considerada. 

2. O uso desarrazoado e desproporcional das reclamações constitucionais para revolvimento de fatos e provas, assim como a utilização desses expedientes como recursos “per saltum” e a duvidosa aderência estrita dos precedentes utilizados em diversas decisões do STF nas preditas reclamações constitucionais, são aspectos que causam apreensão e, no limite, sugerem um caminho de erosão oblíqua da tutela constitucional do trabalho que, no campo dogmático, revela-se pelos tradicionais princípios especiais do Direito do Trabalho, como, em particular, os princípios da primazia da realidade e da irrenunciabilidade. A rigor, estabelecer em precedente vinculante de caráter abstrato a impossibilidade de que os órgãos da Justiça do Trabalho examinem a formação da relação de emprego em casos concretos significará restringir violentamente a competência material expressa no art. 114 da Constituição da República, especialmente após a EC n. 45/04. Na perspectiva da análise econômica do direito, a universalização de relações de trabalho sem estrita proteção juri’dico-laboral significará, ademais, carrear, ao longo dos anos, imensas perdas arrecadatórias para o Regime Geral de Previdência Social, além de agravamentos dos riscos relacionados ao trabalho, uma vez que os trabalhadores implicados em tais relações não são cobertos, via de regra, pelas normas de proteção à saúde e segurança no trabalho.

3. A Justiça do Trabalho tem como função maior a salvaguarda dos direitos fundamentais dos trabalhadores, especialmente quando figuram como partes hipossuficientes nas relações de trabalho concretamente consideradas. Seu papel, nesse contexto, é assegurar juridicamente o mínimo equilíbrio contratual entre partes economicamente assimétricas, sobrevalorizando a dignidade humana em detrimento da força pura do capital. Ademais, a própria Constituição impõe a observância da função social da propriedade privada (art. 5º, XXIII, art. 170, III da CF/88), visando a um crescimento econômico justo e equilibrado e coibindo expressamente a mercantilização do trabalho (art. 1º, incisos II, III e IV da CF/88). No mesmo sentido, ademais, o trabalho está sob a proteção da Declaração Universal dos Direitos Humanos (art. 23 da DUDH), que igualmente vincula o Estado brasileiro na ordem internacional. 

4. Por tais razões, e em arremate, o Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho” pugna pela promoção de audiências públicas que, antes do julgamento definitivo da matéria vazada na RCL 64018, façam ouvir todos os “amici curiae” a serem admitidos naqueles autos, assim como as demais organizações interessadas e os mais relevantes especialistas na matéria ou, alternativamente, que se aguarde o julgamento do Recurso Extraordinário n. 1.446.336, da relatoria do Ministro Edson Fachin, a respeito da formação de vinculo empregatício entre motorista de aplicativo e a empresa Uber, em circunstâncias similares às da RCL 64018, mas com possibilidade de mais amplo debate com a sociedade civil, a se admitir a repercussão geral proposta pelo relator, proporcionando ao STF subsídios mais alentados para uma decisão de tamanha relevância jurídica e impacto socioeconômico na vida de milhões de trabalhadores brasileiros. 

São Paulo, 15 de fevereiro de 2024

Núcleo de Pesquisa e Extensão “O Trabalho além do Direito do Trabalho

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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