Carina Trindade é a favor da regulamentação do trabalho em plataformas digitais, com ênfase na proteção dos direitos trabalhistas e remuneração justa para os motoristas de aplicativo.
Nesta última sexta-feira (2), a equipe do 55content conversou com Carina Mineia dos Santos Trindade, uma das indicadas para representar a categoria dos trabalhadores no debate sobre a nova regulamentação do trabalho em aplicativos.
Carina é presidente do Sindicato dos motoristas em transportes privados por aplicativos do estado do Rio Grande do Sul – Simtrapli RS, Secretária Geral da Associação Liga dos Motoristas do Rio Grande do Sul – ALMA RS e foi indicada pela Central Única dos Trabalhadores (CUT).
Ela é motorista de aplicativo há sete anos, trabalhando, durante as madrugadas, na região metropolitana de Porto Alegre.
É a única mulher entre os representantes dos motoristas.
Como foram escolhidos os representantes?
Segundo Carina, a regulamentação é uma promessa de campanha do presidente Lula, que organizou uma reunião em janeiro, reunindo várias centrais sindicais.
“O objetivo era colocar em prática essa promessa de campanha, pois considerava-se urgente e necessário regularizar a situação dos trabalhadores que atuam por meio dessas plataformas.Durante essa reunião, o presidente solicitou que cada central sindical convocasse os trabalhadores de aplicativos em suas bases, incluindo entregadores, motoentregadores, cicloentregadores e motoristas, para realizar reuniões e selecionar um grupo de trabalho”, explica a motorista.
“No meu caso, meu sindicato é filiado à CUT, e a CUT já havia mapeado os trabalhadores que são presidentes de sindicatos em cada estado. Houve um amplo debate entre essas entidades para discutir a inclusão desses representantes no grupo de trabalho. Além do Rio Grande do Sul, há sindicatos de todas as outras regiões do país. Durante o trabalho realizado pelas centrais sindicais, foram levantadas diversas demandas dos trabalhadores de diferentes regiões. Com base nessas demandas, foram escolhidos três representantes titulares para compor o grupo de trabalho e trabalhar diretamente na regulamentação”, completa.
Questionamentos sobre a representatividade do grupo
No entanto, a representatividade do grupo de trabalho tem sido questionada. Nas redes sociais, alguns motoristas expressaram insatisfação com a falta de familiaridade com seus representantes. Carina ressaltou que, embora nem todos os motoristas conheçam ou se identifiquem com os membros do grupo de trabalho, todos estão comprometidos em defender os direitos dos trabalhadores e buscar melhorias na regulamentação.
“É compreensível que algumas pessoas da categoria possam não se sentir representadas ou não conhecerem pessoalmente os representantes do grupo de trabalho. Mesmo que os sindicatos façam um trabalho de divulgação e conscientização em suas regiões, nem sempre conseguimos alcançar todos os motoristas, já que não temos acesso direto aos cadastros das empresas de aplicativos.”
“Vivencio e conheço de perto as dificuldades e o dia a dia dos motoristas, pois estou nas ruas trabalhando 14 a 16 horas por dia para sustentar minha família. Eu participo ativamente de grupos estaduais, municipais e nacionais, buscando representar os trabalhadores da minha região. No entanto, reforço que todos os representantes do grupo de trabalho têm como objetivo principal a regulamentação e a defesa dos direitos dos trabalhadores. A ideia não é impor um modelo que não seja ouvido ou aceito pelos motoristas, mas sim buscar uma regulamentação que melhore as condições de trabalho, dê voz aos trabalhadores nas negociações com as plataformas e proteja-os de abusos e riscos”, conta Carina.
Problemas enfrentados pelos trabalhadores sem regulamentação
Sobre o debate em torno da regulamentação, a representante destacou que a falta de regulamentação traz uma série de problemas para os trabalhadores, incluindo bloqueios injustificados, denúncias falsas e remuneração insuficiente. Segundo ela, a proposta do grupo é criar uma estrutura clara para o setor, estabelecendo diretrizes para garantir a proteção dos trabalhadores, o poder de negociação com as plataformas e a definição de uma remuneração justa.
Uma das demandas dos trabalhadores é a definição de uma tarifa mínima de R$10 para corridas de até 3 quilômetros e um pagamento de R$2 por quilômetro rodado. Segundo a motorista, essa demanda foi incluída no documento apresentado pelas centrais ao governo, com uma proposta adicional para o reajuste anual do valor.
Ela afirma também que a regulamentação dos aplicativos de entrega por motos também está inclusa nas discussões do grupo de trabalho. A proposta é abranger todas as modalidades de entrega via aplicativos. Além disso, ela explica que o foco da discussão não está na criação de um novo aplicativo pelo governo, mas na regulamentação dos aplicativos existentes, com ênfase em assegurar direitos trabalhistas e garantir uma remuneração justa para os motoristas.
Sobre seguridade social, Carina ressaltou a situação de colegas que sofreram acidentes graves e encontraram dificuldades financeiras por não terem o suporte adequado e benefícios típicos de empregos formais, como seguro de vida ou benefícios por incapacidade.
“É possível que algumas pessoas não compreendam totalmente como a regulamentação funcionará ou possam ter preocupações específicas em relação a ela. No entanto, é importante destacar que a falta de regulamentação atualmente traz uma série de problemas para os trabalhadores. Trabalhar sem ser ouvido pelas plataformas, lidar com bloqueios indevidos, enfrentar denúncias falsas por parte dos passageiros e receber uma remuneração insuficiente são apenas algumas das questões enfrentadas pelos motoristas. Além disso, a falta de segurança e casos de violência também são preocupações reais”.
“A regulamentação não se trata de impor restrições excessivas ou obrigar os motoristas a serem contratados formalmente. A intenção é promover um ambiente de trabalho mais seguro e equilibrado. É compreensível que haja divergências de opiniões e preocupações, mas é difícil argumentar contra a necessidade de regulamentar uma profissão que se tornou tão amplamente difundida e que impacta a vida de tantas pessoas. Em diversos países ao redor do mundo, a regulamentação dos aplicativos de transporte já é uma realidade”, acrescenta Carina.
Propostas e benefícios da regulamentação
Sobre a relação da regulamentação proposta com a CLT (Consolidação das Leis do Trabalho), a motorista esclareceu que a ideia não é necessariamente criar um vínculo empregatício formal com carteira de trabalho assinada, mas garantir que os direitos dos trabalhadores sejam protegidos. Segundo ela, a ênfase está em proteger a autonomia do trabalhador, garantindo, ao mesmo tempo, que ele tenha os benefícios e a segurança proporcionados pelas leis trabalhistas.
“A CLT é um conjunto de leis que protege os trabalhadores e seus direitos, mas isso não significa necessariamente ter um vínculo empregatício com a empresa ou cumprir horários específicos. Hoje em dia, é possível ser considerado CLT sem ter a carteira assinada ou ter um vínculo formal com a empresa. O que defendemos é a autonomia do trabalhador, para que ele possa trabalhar no tempo que precisa. Essa é uma questão em debate”, afirma.
Dentro dos benefícios potenciais da regulamentação para os motoristas de aplicativos, a motorista listou vários pontos. Estes incluem o aumento da tarifa, com possibilidade de ajustes anuais, maior transparência nos processos de bloqueio de motoristas, proteção de dados pessoais em conformidade com a lei de proteção de dados e a disponibilidade de seguros de vida e de veículos.
“Nosso objetivo é defender um conjunto de direitos, muitos dos quais já estão presentes na CLT. No entanto, também defendemos a necessidade de direitos adicionais específicos para a categoria, como um valor mínimo para as corridas, ajustável quando necessário. Queremos garantir não apenas os direitos que já existem, mas também demandas mais específicas, como o direito a descanso aos sábados e domingos, remuneração adicional para quem trabalha nessas datas, entre outros pontos. Estamos buscando um equilíbrio entre a proteção dos direitos trabalhistas e a autonomia do trabalhador.”
Em relação à limitação da jornada de trabalho, Carina explicou que os motoristas muitas vezes trabalham em várias plataformas simultaneamente e que algumas empresas já estabelecem limites de tempo de trabalho. No entanto, ela reconheceu que jornadas de trabalho muito longas podem levar a problemas de saúde e estresse, o que indica a necessidade de garantir uma remuneração justa que permita aos motoristas sustentar-se sem ter que trabalhar horas excessivas.
“Pessoalmente, não defendo a limitação rígida de horários. Um motorista de aplicativo pode trabalhar em mais de uma plataforma simultaneamente. Atualmente, algumas empresas já limitam a jornada de trabalho, como a Uber e a 99, que estabelecem um limite de doze horas diárias. No entanto, é importante ressaltar que não há um controle efetivo sobre o cumprimento dessas limitações. Um motorista pode trabalhar até doze horas na Uber e depois mais doze horas na 99 Pop, por exemplo”, avalia.
“Uma das principais razões pelas quais os motoristas trabalham tantas horas é porque o valor recebido por cada corrida muitas vezes é baixo. Se tivéssemos uma remuneração justa, como os dois reais por quilômetro rodado que reivindicamos nas paralisações, talvez não fosse necessário trabalhar tantas horas para garantir um sustento adequado. No entanto, é importante destacar que nada está decidido ainda. Todas essas questões serão levadas em consideração durante o debate. Não podemos afirmar com certeza se haverá limitação de horário ou não, pois isso depende do consenso alcançado com as plataformas e do embate que teremos ao longo desse processo”, explica Carina.
Possibilidade de saída das grandes plataformas internacionais
Finalmente, a motorista comentou sobre a possibilidade de empresas como a Uber e a 99 deixarem o Brasil devido à regulamentação proposta. Ela acredita que isso é improvável, considerando o tamanho e a rentabilidade do mercado brasileiro para essas empresas. Ela também apontou para a possibilidade de crescimento de alternativas locais, como cooperativas e empresas menores, no caso de uma eventual saída das grandes plataformas internacionais. Ela mencionou que o próprio governo federal está incentivando a formação de cooperativas de motoristas, mostrando um possível caminho de crescimento e desenvolvimento no setor.
A representante afirmou também que o debate sobre a nova regulamentação considera as condições de trabalho em todas as plataformas, tanto grandes quanto pequenas. Carina reconheceu a importância de melhorar as condições de trabalho para todos, incluindo as plataformas menores.
“Hoje as grandes estão no debate através da Amobitec, e as pequenas estão no debate por meio do MID, e elas já entraram no debate mostrando que a gente precisa regulamentar. Prova disso foi no seminário que eles falaram isso. E é isso daí, acho que é público e notório, tanto pelas empresas quanto por nós. Claro que eles vêm com aquele pensamento de direitos mínimos, e nós queremos direitos básicos para o trabalhador. Mas sim, é importante salientar que existe essa preocupação com as plataformas menores”, destaca.
Quando questionada se todas as centrais sindicais estão alinhadas nas mesmas ideias e compartilham a mesma opinião, Carina respondeu que que podem haver divergências entre elas. No entanto, ela acredita que essas diferenças serão superadas durante o debate e que todos trabalharão em busca de consensos e melhores condições para os motoristas.
Andamento do grupo de trabalho e reuniões realizadas
Carina informou que o grupo de trabalho fez uma reunião bilateral com o governo, na qual apresentaram um documento com diretrizes e demandas dos trabalhadores. Ela mencionou que o documento possui mais de 100 páginas e foi construído com a colaboração de todas as centrais sindicais. Ela disse que acredita que as empresas também entregaram um documento, mas que eles ainda não tiveram acesso a ele.
“Até agora aconteceram apenas reuniões bilaterais: entre nós e o governo e entre as empresas e o governo. Agora, no dia 5, será instituído o grupo de trabalho tripartite, com a participação do governo, das empresas e dos trabalhadores”.
Por fim, Carina se mostra otimista com a possível nova regulamentação e acredita que ela será implementada ainda este ano, mas reforça que ela dependerá do debate e dos embates com a plataforma.
Considerações sobre gênero e representatividade feminina
Ela também destacou a importância de ter uma representação feminina no grupo de trabalho e de trazer questões relativas às mulheres para o debate sobre a regulamentação. Carina mencionou que as mulheres enfrentam problemas como assédio moral, violência física e assédio sexual no trabalho e que é fundamental encontrar soluções para esses problemas.
“Sou a única mulher no grupo de trabalho representando os motoristas, mas recentemente indicaram uma representante dos entregadores também, o que considero muito importante. É fundamental trazer as questões das mulheres para o debate da regulamentação. Enfrentamos diversos problemas, como assédio moral, violência física e assédio sexual dentro dos veículos. Portanto, é essencial incluir essas questões e buscar soluções para garantir a segurança e o respeito no ambiente de trabalho. É uma preocupação que levo comigo, tanto como motorista quanto como representante sindical”, conclui.