Motoristas reclamam: “Corrida mínima era R$6,10, hoje é R$5,25”; “Paga pouco por km e não repassa o valor dinâmico”.
Com o aumento do uso de aplicativos de transporte, a forma como os preços das corridas são calculados tornou-se uma questão de interesse público. As tarifas podem ser influenciadas por uma variedade de fatores, incluindo a demanda, o tráfego, a distância, o tempo da corrida e outras variáveis. No entanto, a transparência desse processo e a percepção de justiça tanto para os motoristas quanto para os passageiros são questões que geram debate.
“Corrida mínima era R$6,10, hoje é R$5,25”
Deivys Vieira dos Santos, motorista de aplicativo que atua em Ribeirão Preto, reclama que as plataformas não deixam claro como são calculadas as corridas. “Temos uma noção apenas quando acessamos o aplicativo para solicitar corridas, mas essa base de cálculo não é totalmente precisa. Acredito que o cálculo seja feito por quilômetro, o que é o método mais adequado, pois quase todos os custos do carro são medidos dessa forma. No entanto, o valor atual está muito baixo.”

Foto: Deivys dos Santos para 55content
O motorista revela que os valores estão defasados, baixos e não condizem com a realidade atual. Ele propõe que apenas aumentar o ganho por quilômetro já resolveria muitos problemas da plataforma:
“Sugiro um valor de R$2,00 por quilômetro e R$0,60 por minuto, além de melhorar o valor mínimo das corridas para algo entre R$8,50 e R$10,00. Atualmente, é comum encontrar corridas por menos de R$1,00 por quilômetro. O preço mínimo era maior até pouco tempo atrás: R$6,10 para nós motoristas. Agora, recebemos apenas R$5,25 como valor mínimo, enquanto os custos de dirigir aumentam diariamente. Ou seja, em vez de aumentar, o valor mínimo foi reduzido ainda mais. Entendo que se as corridas ficarem muito caras, as pessoas podem solicitar menos, mas não podemos continuar trabalhando em condições onde não ganhamos nada e apenas desgastamos nossos carros.”
“Uber investe para que a justiça não investigue seu algoritmo”
Claudio Sena, motorista de app e influenciador da categoria, diz que não sabe como as corridas são calculadas. “Os aplicativos mantém essas (e outras) informações em “caixa preta.” É absoluta falta de transparência nessa questão, e enorme preocupação que sejam reveladas, a ponto de a Uber investir pesado para evitar que a justiça autorize perícia em seu algoritmo, o que me leva a crer que, se o funcionamento do algoritmo for revelado, especialmente na precificação, seu negócio chega ao fim”, comenta.
Segundo ele, o modelo de precificação é péssimo. “Ninguém sabe como funciona, mas todo motorista sente na pele os efeitos de uma política tarifária perversa, que não contempla os custos deles, na evolução de preços ao longo dos anos.”

Cláudio Sena para 55content
Sena diz que seu principal desafio como motorista de app é ter bons resultados, sem que isso exija uma jornada excessiva com alta quilometragem rodada, e sem desgaste físico e mental. “O principal desafio é fazer com que a recompensa esteja a altura de tamanho investimento. O trabalho de Motorista de Aplicativos não é prazeroso, exatamente pela forma como as empresas tratam aqueles que chamam de “parceiros”, e, particularmente no que diz respeito a tarifa.”
Ele acrescenta dizendo que o grupo de Motoristas que dá apoio à Frente Parlamentar em Defesa da Categoria no Congresso Nacional, fez incluir o Markup no Projeto de Lei 536/2024, do deputado federal Daniel Agrobom, que tem como objetivo regulamentar a categoria dos motoristas de aplicativo.
Segundo o motorista, trata-se de uma ferramenta de precificação de bens e serviços oferecidos ao varejo, que apresenta valores a serem praticados considerando os custos de quem executa a atividade.
“O Markup obrigaria qualquer plataforma a só fixar preço de viagens se considerar os custos de cada motorista para realizá-las. Esse mecanismo corrige a defasagem tarifária, dando ao motorista dignidade merecida. Mas a Uber ea 99 não querem que o PL 536 seja votado, nem analisado. As empresas pretendem manter todos sob suas rédeas, pois assim elas prosseguem com a canibalização de preços”, conclui Sena.
“Paga pouco por km e não repassa o valor dinâmico”
Luiz Corrêa, Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos (Sindmobi) afirma: “Hoje o formato de precificação desagrada os motoristas, pois paga pouco por quilômetro e não repassa o valor dinâmico cobrado dos passageiros.”

Fonte: Luiz Corrêa para 55content
Ele diz que a precificação deveria seguir o formato original dessas empresas ao chegarem no Brasil, permitindo alterações devido a tempo e trajeto, além do retorno do multiplicador dinâmico. “O sindicato já apresentou essas demandas em manifestações, mas as empresas não mostram preocupação com os trabalhadores. O único caminho é o acordo coletivo e dissídio, previsto no projeto de lei da regulamentação federal dos aplicativos, o PLP 12/2024, que obriga as empresas a negociar anualmente com os trabalhadores”, conta o sindicalista.
“Você trabalha sem saber o que vai ganhar”
Denis Moura, diretor de comunicação da FEMBRAPP e presidente da AMPA-RJ revela que no contexto geral, os motoristas de aplicativo estão insatisfeitos com o modelo de precificação atual, pois ele gera insegurança financeira.
“Ao aceitar uma corrida, o preço pode mudar até o final, e o motorista só descobre a porcentagem paga ao intermediário (as plataformas como Uber e 99) após a corrida ser computada. Ou seja, o motorista não define o preço e nem sabe qual será a taxa cobrada. Isso, na minha opinião, é um modelo totalmente injusto. Você trabalha sem saber quanto irá ganhar, o que é totalmente errado. A maioria dos motoristas prefere o modelo antigo, que utilizava uma tarifa fixa por quilômetro rodado, similar ao modelo de táxi com bandeirada fixa, mais o quilômetro rodado e a minutagem da corrida. O valor total pago pelo cliente era abatido de um percentual fixo, proporcionando maior transparência.”

Foto: Reprodução/YouTube
Denis diz que a ausência de um percentual fixo e a variação constante das taxas cobradas pelas plataformas como Uber e 99 prejudicam os motoristas. Do ponto de vista do cliente, também há desvantagens. “Hoje, o cliente não pode prever o custo de uma corrida, pois as plataformas vendem a necessidade, não a corrida em si. Corridas para o aeroporto, de madrugada ou para mulheres são mais caras. A tarifação baseada na necessidade do cliente e não no quilômetro rodado e no transporte cria distorções.”
“As plataformas tendem a enviar mais corridas menos lucrativas para motoristas em situação financeira mais vulnerável, enquanto motoristas com carros mais novos em plataformas melhores enfrentam isso com menos frequência. Isso é inaceitável, pois a tarifação deve ser baseada no serviço prestado, com preços e taxas de intermediação pré-determinados para garantir justiça e transparência”, afirma.
Ele afirma que as associações propõem uma taxa fixa. “Embora não seja possível determinar uma taxa específica, já que podem surgir projetos propondo 5%, 10%, 15%, consideramos 25% excessivo. No entanto, é viável estabelecer que a taxa seja fixa, o que é constitucional. Além disso, apoiamos que o preço seja composto por uma tarifa reajustável anualmente, bandeirada, valor do quilômetro e tempo. Essas são as propostas das associações. Também há o sistema do marcap, que está no PL 536. O marcap aplica essa lógica por região, respeitando os limites de cada área. Essas são as propostas que as associações apoiam”, conclui Denis.
“Corridas de app são muito baratas”
A equipe do 55content entrevistou passageiros para saber a opinião deles sobre os preços das viagens. A passageira Alyssa Bernardes diz: “Acho as corridas de aplicativo muito baratas, considerando o preço da gasolina, o estresse que os motoristas enfrentam e o trabalho cansativo que realizam. Além disso, se compararmos com outros países, como os Estados Unidos, vemos que pedir um Uber lá é muito caro, enquanto aqui é super acessível e comum. Outro dia, saí para jantar com meu namorado em um restaurante japonês. O estacionamento custava R$30, enquanto o Uber custava R$15. Então, fomos de Uber. No Brasil, os motoristas de aplicativo são muito desvalorizados e ganham muito pouco.”
Ela diz que sua mãe prefere que ela vá de Uber para os lugares, mesmo quando pensa em dirigir. “Ela (mãe) sempre diz que, se eu for pagar pelo estacionamento, já vai custar mais do que o preço do Uber”, conta Alyssa.

Foto: Alyssa Bernardes para 55content
A passageira diz que nunca acha as viagens absurdamente caras. “O que acontece é que estamos acostumados a valores que desvalorizam os motoristas. Nunca me surpreendi com preços altos em aplicativos de transporte. O que me chocou de verdade foram algumas viagens de táxi que precisei fazer, que foram extremamente caras, fui roubada”, conta.
No entanto, houve uma situação recente que a surpreendeu: “No final de semana passado, eu estava com meus amigos em São Paulo. Uma das minhas amigas pediu um 99 e conseguiu negociar o preço para R$39,00 de Alphaville até Pinheiros. Quatro pessoas pagaram menos que o preço do ônibus intermunicipal que eu pego para a faculdade, saindo a menos de R$10,00 por pessoa. Achei muito barato.”
Alyssa ainda revela que é difícil opinar sobre o modelo de precificação e como ele poderia ser melhorado, porque, como consumidora do serviço, quer que seja o mais barato possível. “No entanto, eu realmente sinto pena dos motoristas, que trabalham tanto e são desvalorizados. Acho que uma solução seria aumentar a porcentagem do lucro destinada aos motoristas e diminuir a fatia das plataformas. Isso faria mais sentido”, sugere.
“Já cheguei a pagar R$200 em uma corrida de 12 km”
A passageira Aline Carlin acredita que os preços são justos, mas que o preço dinâmico varia muito na cidade de São Paulo. “Em viagens que já fiz, passando por outras cidades e outros países, vi uma variação de preço muito diferente do que é em São Paulo. Acredito que, pelo trânsito e pela distância das coisas, tudo aqui em São Paulo é muito mais caro do que em outras cidades. Mas, mesmo assim, acho que é justo, embora varie muito por causa do preço dinâmico. Isso acaba resultando, às vezes, em preços abusivos e exorbitantes, especialmente quando chove, por exemplo”, explica.
Aline acredita que o poderia ser melhorado é o agendamento de corridas: “Antigamente, eu agendava corridas com frequência, mas muitas vezes o preço do agendamento é mais caro do que pedir na hora, o que não deveria acontecer. Pelo menos, isso é algo que percebi em alguns casos comigo. Não acho isso legal; acho que agendar a corrida deveria ser mais barato. Poderia ser assim porque o motorista já aceitaria a corrida com antecedência, mas, ajustando o agendamento, deveria ser um pouco mais barato.”
A usuária explica: “Um exemplo de corrida cara aconteceu diversas vezes quando voltava para casa de madrugada, de alguma festa ou lugar onde todo mundo estava pedindo Uber ao mesmo tempo, e as corridas ficam exorbitantes. Já cheguei a pagar 200 reais por uma corrida de aproximadamente 12 km, saindo de uma festa.”
“Preço das corridas depende da concorrência”
Márcio Milani, CEO e fundador do aplicativo regional WIN CARS, diz que define o preço das corridas de seu aplicativo analisando a concorrência local:
“Para competir com Uber e 99, nosso objetivo é igualar os preços oferecidos aos passageiros, ouvindo atentamente os motoristas locais e negociando um valor mínimo aceitável que permita ao passageiro experimentar nossos serviços. Quando a concorrência for outro aplicativo regional, devemos oferecer um valor mínimo de corrida mais atrativo para os passageiros e manter uma taxa de retenção menor para os motoristas.”
Sérgio Brito, CEO e fundador do aplicativo regional Te Levo afirma que os preços das corridas de seu app também são definidos com base no preço do concorrente.

Fonte: Divulgação/Te Levo
“A política de preço sempre tem que levar o concorrente em conta. O valor que iremos reter, sempre é definido de uma forma que possamos atrair o interesse do motorista, mais uma vez fazemos uma análise do concorrente e procuramos sempre ter a melhor tática para atrair a atenção do motorista.”
“O importante é fazer um cálculo detalhado para chegar a um valor justo”
Anderson Monteiro, especialista em finanças, foi consultado pela equipe do 55content para fornecer orientações sobre como determinar o preço de um serviço. Segundo ele, para calcular o preço de um serviço o prestador precisa primeiro levantar todos os gastos envolvidos para evitar prejuízos.
“Por exemplo, no setor de transporte, ao levar uma pessoa a 50 quilômetros de distância, deve considerar os custos com gasolina, manutenção do carro, pneus, entre outros, somando, por exemplo, R$60. Além disso, é essencial analisar os custos operacionais, incluindo mão de obra, materiais, aluguel e utilidades, além de considerar o valor de seu tempo”, explica Monteiro.
Para ele, de modo geral, também é importante levar em conta o valor percebido pelo cliente, que influencia o quanto ele está disposto a pagar, bem como analisar os preços praticados pela concorrência para posicionar o serviço de forma competitiva no mercado. A demanda pelo serviço pode afetar o preço, permitindo ajustes conforme necessário.
Monteiro afirma que estabelecer uma margem de lucro desejada garante que o preço cubra os custos e gere lucro. Finalmente, escolher uma estratégia de preço, como preço de penetração, preço de skimming ou preço premium, ajuda a alinhar o preço com os objetivos de mercado. O importante é fazer um cálculo detalhado e abrangente para chegar a um valor justo e competitivo, conhecendo todos os custos envolvidos.
“No setor de transporte, se ele for levar uma pessoa a 50 quilômetros de distância, deve considerar os custos com gasolina, manutenção do carro, pneus, entre outros. Supondo que esses custos somem R$60, ele também deve levar em conta o valor de seu tempo e outros fatores, e então definir um preço, como R$90, por exemplo. O importante é fazer um cálculo detalhado para chegar a um valor justo. A premissa básica é conhecer todos os custos envolvidos”, exemplifica.
Anderson Monteiro mencionou que “diversos fatores influenciam ou deveriam influenciar o preço de uma corrida no transporte por aplicativo”. Ele destacou a importância de considerar os custos envolvidos, o tipo de transporte, como o transporte de pessoas, e o horário de transporte. Anderson ressaltou que “durante a madrugada, em horários de pico e em dias de chuva, os preços tendem a ser mais altos”. A distância percorrida e o tempo estimado da viagem são primordiais, assim como a demanda e oferta, que impactam diretamente os preços dinâmicos baseados na disponibilidade de motoristas e na quantidade de passageiros solicitando corridas.
Ele apontou que “condições de trânsito e das estradas podem aumentar o tempo de viagem e, consequentemente, o custo”. O tipo de veículo também afeta o preço, com veículos de luxo ou maiores geralmente custando mais. Taxas de serviço da plataforma, impostos locais e possíveis pedágios são componentes adicionais do preço, e serviços que oferecem maiores garantias de segurança e qualidade podem justificar preços mais altos. Por fim, Anderson observou que “flutuações no preço do combustível também podem influenciar o custo das corridas”.
Para encontrar o ponto de equilíbrio entre passageiro, motorista e empresa no transporte por aplicativo, Anderson sugeriu que “um caminho seria a categoria de transporte pressionar o governo para diminuir impostos”. Ele explicou que isso tornaria as corridas mais baratas, beneficiando os passageiros que pagariam menos, os motoristas que conseguiriam mais corridas e as empresas que lucrariam com o aumento da demanda. Além disso, essa medida poderia reduzir a quantidade de pessoas utilizando o transporte público, o que seria benéfico para os municípios.
Anderson enfatizou a necessidade de “estabelecer um preço justo que seja acessível para os passageiros, garantindo que eles vejam valor no serviço”. Ao mesmo tempo, é crucial garantir que “os motoristas recebam uma remuneração justa que cubra seus custos operacionais e lhes permita obter lucro”. A empresa precisa assegurar uma margem que cubra seus custos operacionais e possibilite investimentos futuros.
Ele destacou a importância de “manter uma comunicação clara e transparente com motoristas e passageiros sobre como os preços são definidos e ajustados” para construir confiança. Coletar feedback constante de passageiros e motoristas permite ajustar preços e melhorar o serviço. Oferecer incentivos para motoristas e promoções para passageiros em períodos de baixa demanda ajuda a equilibrar a oferta e a demanda. Anderson concluiu dizendo que “alcançar esse equilíbrio requer monitoramento contínuo e ajustes baseados nas condições do mercado, feedback dos clientes e custos operacionais”.
O que as empresas dizem?
A equipe do 55content entrou em contato com a Uber, 99 e inDrive solicitando esclarecimentos sobre como as viagens são calculadas. Enquanto a 99 se recusou a participar da matéria, a Uber ainda não nos retornou.
Já a inDrive disse: “O preço final das corridas na inDrive é definido através da negociação entre motorista e passageiro. Apesar disso, a plataforma oferece um preço sugerido como parâmetro, que é calculado de acordo com a distância da corrida, preço da gasolina, custos de manutenção do veículo e outros gastos, como pedágio, por exemplo. Alguns fatores podem fazer o preço final ser mais alto, como a urgência do passageiro, por exemplo.”