Uber Flash: “Fazia entregas para não ficar parado”

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Reportagem
Apuração aprofundada sobre um tema específico, com múltiplas fontes e contextualização completa.
Motociclista com capacete e jaqueta de couro preta utilizando um aplicativo de navegação em seu celular, que está preso ao guidão da moto. A tela do celular mostra o mapa com o destino da entrega.
Foto: Reprodução/ Uber Flash.

Motoristas relatam suas experiências com as funções de entregas das plataformas e revelam dificuldades.

Nos últimos anos, o trabalho como motorista de aplicativos tornou-se uma alternativa viável para muitos brasileiros enfrentarem a crise econômica e as oscilações do mercado de trabalho. No entanto, a rotina de quem trabalha com os aplicativos de transporte envolve desafios que vão além do simples transporte de passageiros. Muitos motoristas, diante da crescente concorrência e da busca por uma renda mais estável, têm recorrido também às corridas de entregas.

Atualmente, o Brasil conta com 1.660.023 pessoas atuando como motoristas ou entregadores de aplicativo, segundo uma pesquisa conduzida pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap) em parceria com a Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec).

Dessa forma, ao longo da pandemia, muitos motoristas passaram a aceitar também corridas de entrega para complementar a renda, mas essa mudança trouxe à tona uma série de dificuldades e dilemas. Desde a incerteza sobre o conteúdo dos pacotes até a falta de suporte adequado por parte das plataformas.

Uber Flash

Famoso também por seu ramo de entregas, o Uber Flash é uma categoria muito utilizada no envio de obejtos. Dessa forma, a plataforma diversifica o trabalho de seus motoristas e também permite que seus clientes reservem o horário para a entrega.

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Uber Flash. Foto: Reprodução/ Uber.

A opção está disponível dentro do próprio aplicativo de corridas com passageiros, e a empresa promete maior praticidade no transporte de objetos: “Transfira documentos, suprimentos e equipamentos entre locais ou escritórios para manter o bom funcionamento das coisas”, afirmam em seu site.

O serviço também está disponível para empresas que desejam oferecer entregas no mesmo dia. Mas a Uber já enfrentou dificuldades com o transporte no Brasil, com seu serviço oferecido pelo Uber Eats. A plataforma de entrega de alimentos encerrou suas operações no Brasil em março do ano passado.

O delivery de comida que surgiu em 2019, quando a Uber adquiriu uma participação majoritária na startup chilena Cornershop, integrando os pedidos de supermercado ao Uber Eats, deixou o país alegando que focaria no Uber Flash e na mediação de entrega de compras de supermercados, atacadistas e lojas especializadas.

Kátia Anello, que tem mais de 16 mil corridas pela Uber, utilizou a funcionalidade durante o período da quarentena: “Com a pandemia e os lockdowns, o transporte de passageiros pelo aplicativo Uber caiu pela metade, resultando em corridas apenas em horários específicos. Para complementar a renda, passei a fazer entregas utilizando o Uber Entregas e o Uber Eats”.

A motorista conta que nos horários de pico, quando funcionários essenciais entravam e saíam do trabalho, focava no transporte de passageiros, e no restante do tempo se dedicava às entregas de comida. Mas com o término da pandemia e a normalização da vida cotidiana, foi gradualmente deixando de fazer entregas.

“Hoje, em dias específicos de pouco movimento de passageiros, ainda tento a sorte com algumas entregas, mas é raro. Eu sou muito agitada e gosto de estar em movimento, conversando sobre diferentes assuntos e conhecendo pessoas, o que o transporte de passageiros proporciona, apesar de haver passageiros de todos os tipos. Fiz entregas em um momento necessário, e elas fortaleceram meus ganhos naquela época”.

Em relação ao suporte, Kátia lamenta que raramente favorece o motorista, sendo tardio e lento, muitas vezes respondendo quando o problema já foi resolvido por eles mesmos: “Nesse sentido, as entregas são mais seguras que o transporte de passageiros, pois você está sozinho no carro, embora cada entrega seja uma incógnita sobre o que vai encontrar”.

inDrive Delivery

A inDrive iniciou e diversificou sua operação com as entregas em 2021. Com 5 anos de operação no Brasil, a empresa entrou no ramo das entregas com o inDrive Courier e agora mantém seu serviço com três categorias.

A primeira delas, o inDrive Entregas, conta com o envio para empresas no mesmo dia, atendendo PME e indivíduos. Já a opção de “Frete” oferece entrega sob demanda no mesmo dia para qualquer carga acima de 20 quilos (atendendo PME e indivíduos). E por fim, o Delivery Pro que atua em segmentos de grande escala.

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inDrive Entregas. Foto: Reprodução/ Beatriz Beyrute.

Diferente da categoria de Entregas, que é operada via app, o inDrive Delivery funciona em uma página da web. Buscamos a empresa, que revelou: “O inDrive Delivery tem um módulo de gerenciamento de processos de envio com tecnologia avançada, como algoritmos de roteamento de entregas, motor de despacho de ordens e grupos, monitoramento de SLA e um serviço de mapeamento robusto para construir uma rota de entrega otimizada”.

Além disso, a inDrive conta que em comparação com a entrega roteada manualmente, o inDrive Delivery também ajuda a reduzir a equipe de logística necessária, aumentar o número de entregas em uma rota, aumentar o desempenho dos entregadores e reduzir a taxa de cancelamento.

99Entrega

A 99 não ficou de fora e trabalha com seu serviço de envios na categoria 99Entrega, que permite enviar itens a algum familiar ou amigo sem sair de casa. Além disso, empresas de diversos tamanhos podem utilizar a categoria para realizar a entrega de produtos para os consumidores finais, segundo a 99.

Os motoristas e motociclistas podem utilizar a modalidade como mais uma opção de renda. A empresa afirma que conta com uma base de parceiros, com mais de 1,5 milhão de profissionais cadastrados em mais de 3.300 cidades brasileiras.

Na hora de utilizar a funcionalidade, a 99 indica: “Ao solicitar o serviço, o usuário deve enviar, via aplicativo, o nome do destinatário e demais orientações sobre a entrega. Para empresas, também é possível fazer o cadastro no site 99Entrega e realizar a solicitação pela plataforma. Quem requisita deve depositar o pertence diretamente na mochila ou baú do entregador”.

Entre os requisitos para os itens serem enviados estão: respeitar todas as leis vigentes, limite de peso de 10kg e caber no depósito do motociclista parceiro. Além disso, o objeto não pode ultrapassar o valor de R$500,00.

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99Entrega. Foto: Reprodução/ 99.

O serviço se inicia e, em seguida, o remetente recebe um código em seu aplicativo, enquanto o destinatário o recebe por SMS. Dessa forma, ao chegar no local, o motorista deve se dirigir ao destinatário, confirmar seu nome e solicitar o código de verificação. Somente após inserir esse código no aplicativo, a entrega pode ser concluída.

O aplicativo também oferece opções de pagamento, como PIX, dinheiro, cartão de crédito, débito e o saldo da 99Pay, a carteira digital da plataforma.

Apps regionais entram no mercado de entregas

O Garupa é um aplicativo de mobilidade urbana desenvolvido no Rio Grande do Sul, que disponibiliza as seguintes categorias: Garupa Delivery, Garupa Kids, Garupa Pet, Garupa Objeto, Garupa Executivo, Garupa Empresas e Garupa Mulher.

O Garupa Objeto fica disponível para os motoristas, e aqueles que aceitam realizar a entrega, são liberados dentro do seu app e, quando o cliente chama, ele já tem conhecimento de que será o passageiro.

Roberto Felin Junior, gestor do app, revelou: “Acabamos fortalecendo esse setor com uma tarifa diferenciada. Além da distância e do km rodado, o motorista parceiro tem um valor a mais, diferenciado de tarifa, configurado conforme a cidade que nosso sócio faz a gestão juntamente com seus motoristas”.

Ele explicou que, por exemplo, os convênios com algumas redes de supermercados permitem que, quando uma corrida é chamada desse local, ela só vá para aqueles motoristas que já estão em concordância e aceitam essa modalidade.

Cobranças indevidas? O que os clientes pensam

Para analisarmos se o serviço está sendo bem recebido pelo público, buscamos informações com o Procon de São Paulo sobre as principais demandas que surgem desse serviço de entregas.

Quais são os tipos de reclamações mais frequentes recebidas pelo PROCON em relação aos aplicativos de transporte?

Sobre os dados, temos reclamações por empresa (destacamos as duas maiores) e os principais problemas demandados pelo consumidor:

Uber do Brasil Tecnologia Ltda, neste ano até 12/06/2024, teve 2.409 reclamações, sendo os problemas mais relatados, “Cobrança indevida” com 466 registros e “Dificuldade na devolução de valores pagos / reembolso” com 329.

No ano passado, a mesma empresa foi relatada em 4.193 casos, sendo 1.138 por “Cobrança indevida” e 755 por “Dificuldade na devolução de valores pagos / reembolso”.

Sobre a 99 Tecnologia Ltda, neste ano até junho: foram 687 reclamações, sendo os problemas mais relatados, “Cobrança indevida” com 126 registros e “Dificuldade na devolução de valores pagos / reembolso” com 83.

Em 2023, foram 1.679, sendo 441 por “Cobrança indevida” e 261 por “Dificuldade na devolução de valores pagos / reembolso”.

Quais são os passos que o PROCON segue para mediar conflitos entre consumidores e empresas de aplicativos de transporte?

Ao acatar a queixa do consumidor, o Procon-SP respondeu que envia uma notificação pedindo esclarecimentos para a empresa e, se for o caso, pedindo uma solução. Mas quando o problema não é solucionado, ou a dúvida não é esclarecida, há uma segunda tentativa de acordo.

Se por fim não houver solução, a empresa é incluída no cadastro de empresas reclamadas e o consumidor é orientado a recorrer ao poder judiciário: “Nas situações em que há indícios de danos coletivos, o caso é remetido à equipe de fiscalização do órgão de defesa; se for apurada infração à legislação, a empresa pode ser autuada”.

Procon atende os motoristas?

Sobre aqueles motoristas que sofrem algum problema ou dano pelas plataformas, o órgão afirma: “O Procon-SP acata e busca soluções para as reclamações de consumidores em relação aos serviços ou produtos comercializados por fornecedores; faz parte das atribuições e atividades do órgão de defesa receber demandas de cidadãos na qualidade de consumidores. Deste modo, não temos como acatar as demandas de motoristas, seja por problemas que tenham com os usuários do serviço ou com a plataforma de transporte”.

O dia a dia nas entregas

Ronaldo da Conceição atua como motorista de aplicativo e trabalhou com o Uber Flash durante o período da pandemia para ajudar em seu faturamento: “Como não podia ficar parado, aproveitava as oportunidades de entregas quando o movimento de passageiros diminuía”.

No entanto, Ronaldo explica que parou de fazer entregas quando um passageiro alegou que ele não havia entregue um item solicitado, mesmo tendo certeza de que foi entregue: “Tudo isso porque o porteiro esqueceu de repassar ao cliente”.

“Preferia fazer entregas, pois não tinha que lidar com passageiros difíceis. Embora as entregas tivessem aumentado um pouco, o ganho era pequeno em comparação ao transporte de passageiros, que atualmente é mais rentável”.

Ele ainda conta que a competição aumentou quando muitos motoristas migraram para motos, tornando mais difícil encontrar local para estacionar e fazer as entregas, especialmente em Copacabana e no centro da cidade do Rio de Janeiro.

Em contrapartida, Claudemir Bergamo, que trabalha com os aplicativos Uber e 99, contou que prefere o transporte de passageiros: “No início do meu trabalho com entregas, tive uma experiência negativa onde a pessoa que recebeu não quis pagar, e, por falta de experiência, não soube como lidar com a situação”.

O motorista explica que houve casos em que o remetente afirmou que o destinatário estaria esperando no local, mas não estava, ou entregas que tinham um volume maior do que o carro suportava. E completa: “Para mim, o valor pago por entregas ou transporte de objetos é muito abaixo do necessário, sem muita diferença entre eles. Acredito que o transporte de passageiros seja mais vantajoso”.

Além disso, destaca que o suporte dos aplicativos é: “Praticamente inexistente, sendo lento e ineficaz”, em que muitas vezes precisam resolver os problemas por conta própria antes de obter uma resposta.

Visão econômica

Gustavo Cruz, estrategista-chefe da RB Investimentos, explicou a importância desses serviços para o bolso dos motoristas: “Acredito que a ideia principal é você aumentar a utilização da frota. Você coloca os motoristas que estão em um período de baixa demanda para realizar a entrega, e aí ele aumenta a utilização do veículo, tendo um ganho maior ainda”.

Ele explicou que essa função, na verdade, já existia para grandes empresas, mas está ficando mais acessível ao grande público, na medida em que o serviço se democratizou.

“Com os apps já tendo essa frota, você acaba criando um serviço de entrega mais eficiente. Com uma ideia de diversificar sua operação e não ficar tão dependente de um ou outro ponto. Até porque, por exemplo, se você tem um avanço relevante no transporte público, diminuiria a necessidade dos aplicativos. E a tendência é que, por mais lento que seja, isso aconteça nas principais capitais”.

Além disso, ele comentou sobre a questão da disponibilidade, permitindo que o motorista escolha se quer fazer transporte de pessoas ou apenas de mercadorias, criando uma flexibilização na rotina de trabalho e evitando que se torne algo repetitivo.

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