Termo da computação tornou-se popular entre quem trabalha com aplicativos de transporte, sendo “acusado” de definir preços, corridas e formas de trabalhar.
No mercado de aplicativos de transporte, como Uber, 99, inDrive e outros, o termo “algoritmo” tem ganhado popularidade.
Mas será que esses algoritmos são responsáveis por determinar fatores como preços dinâmicos, tempo de espera, rotas e a distribuição de corridas entre motoristas?
Atualmente, há discussões sobre a transparência e a ética dos algoritmos, incluindo preocupações com discriminação algorítmica, justiça e impacto nas condições de trabalho dos motoristas.
Mas o que é algoritmo?
O professor de matemática, Silvio José Pereira Galvão, diz que o algoritmo é um conjunto finito de instruções bem definidas, sistemáticas e precisas que, quando seguidas passo a passo, resolvem um problema específico ou executam uma tarefa determinada. Ele pode ser aplicado em diferentes contextos, desde a matemática até a ciência da computação, onde é essencial para a programação e a execução de tarefas em computadores. A eficácia de um algoritmo é medida pela sua capacidade de produzir um resultado correto em um número finito de etapas, com eficiência em termos de tempo e recursos computacionais.
“Um algoritmo é como uma receita de culinária para resolver problemas. Assim como uma receita tem uma lista de passos que você segue para fazer um prato, um algoritmo é uma série de instruções que você segue para resolver um problema ou realizar uma tarefa. Cada passo é claro e deve ser seguido na ordem certa. Por exemplo, um algoritmo pode ser usado para encontrar o maior número que divide dois outros números sem deixar resto, ou para dizer a um computador como organizar uma lista de nomes em ordem alfabética. Essencialmente, é um método que garante que, se você seguir todas as etapas, chegará ao resultado desejado”, explica o professor.
Algoritmo dentro da Uber e 99
José Carlos Toniazzo, professor dos cursos de Ciência da Computação e Sistemas de Informação da Unochapecó e da empresa NStech, explica que a definição de algoritmo é mais ampla do que se imagina. Segundo ele, “um algoritmo é um passo a passo para resolver um problema. Ele não é exclusivo da computação; é um conceito presente no cotidiano e na matemática. Por exemplo, posso escrever um algoritmo no papel para resolver uma equação de segundo grau.”

Foto: Reprodução/Linkedin
Ele observa que hoje em dia se fala muito sobre “o algoritmo do site” ou “o algoritmo da rede social”, mas isso simplifica toda a complexidade de sistemas como Uber, 99 ou Instagram. “O erro conceitual começa aí”, afirma Toniazzo. Na ciência da computação, a base da programação é o aprendizado de algoritmos, entendidos como passos para resolver problemas. No entanto, a lógica de um aplicativo de transporte é muito mais complexa, envolvendo diversas tecnologias e códigos-fonte que cruzam dados para oferecer soluções, como o cálculo da menor rota ou outras funcionalidades.
Quanto às vantagens e desvantagens do uso de algoritmos em apps de transporte, Toniazzo diz que todos os aplicativos utilizam algoritmos. Ele sugere que a questão deveria focar na inteligência sistêmica e nos recursos de inteligência artificial que esses apps utilizam para melhorar o tempo de espera, a rota e a distribuição de corridas, beneficiando tanto motoristas quanto usuários.
Falando em ética, ele destaca que é possível criar soluções que priorizem lucro sobre a disponibilidade de corridas ou motoristas com base em suas avaliações. “Isso vai além de simples algoritmos e envolve uma solução tecnológica complexa. O termo correto é inteligência sistêmica”, afirma.
Quando se fala em experiência do usuário, Toniazzo explica que estamos entrando em subáreas do desenvolvimento de sistemas, como User Experience (UX), que envolve a interface gráfica. No entanto, ele ressalta que a inteligência sistêmica por trás da otimização de rotas, cálculo de preço dinâmico e outros aspectos também é importante.
“A Verdadeira Complexidade do Uber e 99 Está na Inteligência Sistêmica”
Toniazzo alerta que utilizar o termo “algoritmo” de forma generalizada é superficial. É essencial contextualizar que algoritmo é um conceito muitas vezes mal utilizado, enquanto a verdadeira complexidade está na inteligência sistêmica das soluções, que incluem servidores de aplicação, bancos de dados e uma infraestrutura robusta.
Ele aponta que a discussão sobre transparência e ética não se resume à tecnologia, mas à política da empresa. No caso de apps de transporte, as regras de negócio são definidas pela empresa, que pode implementar as soluções que desejar. Seja preço dinâmico, tempo de espera ou distribuição de corridas, a empresa tem liberdade para criar suas regras. “É importante esclarecer que a inteligência sistêmica dessas plataformas é muito mais complexa do que um simples algoritmo”, diz Toniazzo.
Ele ainda diz que se o problema do Uber é a falta de motoristas, a empresa pode criar mecanismos para melhorar a distribuição de corridas em determinados horários ou ajustar preços dinamicamente para equilibrar oferta e demanda. Assim, busca-se um equilíbrio justo para motoristas e usuários, maximizando a eficiência e a lucratividade do sistema.
Controle da mão de obra através de inteligência artificial
Questionada sobre como os algoritmos modificaram as relações de trabalho, Mariana Ferrer, vice-procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho (MPT) e Coordenadora Regional da Coordenadoria Nacional de Combate às Fraudes nas Relações de Trabalho (CONAFRET), disse que controle de mão de obra por meio de algoritmos permite que os trabalhadores sejam gerenciados por inteligência artificial, eliminando a necessidade de supervisão pessoal direta.
“Esses sistemas são programados para direcionar as atividades de acordo com os objetivos das empresas proprietárias das plataformas. De fato, o comando e o controle ocorrem por programação. O programa-fonte é expresso em linguagem de máquina que o computador é capaz de decifrar. Com isso, o programador trabalha com os algoritmos da forma que bem entender, adaptando o sistema às suas necessidades e gerando comandos que repercutem na realidade do trabalhador”, explica a advogada.
Mariana destaca que esse método é mais preciso no comando e no controle que o tradicional, uma vez que afere de forma plena o tempo que o trabalhador está logado, a sua localização exata (geolocalização), além do número de corridas aceitas e recusadas.

Foto: Mariana Ferrer para 55content
“Assim, ocorre um mapeamento integral do trabalhador, por meio da inteligência artificial, que permite que a empresa ao mesmo tempo em que dispersa o trabalho, tenha pleno controle sobre ele. Para consecução desse fim, não há necessidade de um número grande de supervisores para controlar e dirigir a massa de trabalhadores, vez que o trabalho, que seria árduo, é desempenhado por meio do aprendizado de máquina.”
“Subordinação algorítmica é um sistema sofisticado de controle”
Mariana ainda explicou o conceito de subordinação algorítmica. Segundo ela, é uma modalidade de subordinação em razão do gerenciamento de mão de obra utilizado pelas plataformas digitais, por exemplo, nas relações de trabalho dos motoristas de aplicativo. Mariana explica que, nesses casos, além da subordinação clássica, em razão de ordens diretas por parte da empresa encaminhadas por meios remotos e digitais; da subordinação objetiva, em que o trabalho realizado está ligado aos fins da empresa; e estrutural, em que o trabalhador está inteiramente inserido na dinâmica e na estrutura organizacional da empresa; há a subordinação algorítmica.
“Essa modalidade de subordinação configura-se em razão de a empresa valer-se de um sistema sofisticado gestão, supervisão, avaliação e controle de mão de obra à base de ferramentas tecnológicas aptas a criarem e manterem um poder de controle empresarial detalhado sobre o modo de organização e de prestação dos serviços do trabalhador”, finaliza a vice-procuradora-chefe.
“Prioridade é para quem aceita mais corridas, mas não quero pagar para trabalhar”
O motorista de aplicativo, Deivys Vieira, diz que os algoritmos da Uber e 99 dão prioridade aos motoristas que aceitam todas ou a maioria das corridas. Segundo ele, isso penaliza aqueles que recusam corridas para obter um ganho justo.
“Quando rejeitamos uma corrida ruim, essa corrida é direcionada para outro motorista que a aceita. O algoritmo entende que há outros motoristas dispostos a trabalhar, mas na realidade, se não recusarmos corridas ruins, acabamos perdendo dinheiro e, pior, pagando para trabalhar. Se eu não aceitar as corridas ruins, o aplicativo continua a me enviar essas corridas. Se houver dois motoristas lado a lado e o outro motorista aceitar mais corridas do que eu, a corrida será direcionada para ele e não para mim. É evidente que as plataformas dão prioridade a quem aceita mais corridas.”

Foto: Deivys Vieira para 55content
Segundo ele, isso muda à noite, quando há menos motoristas na rua, e as corridas são enviadas para qualquer motorista disponível. Deivys conta que já aconteceu de uma pessoa chamar um carro, e ele estar ao lado dela, mas a corrida não ser direcionada para ele.
“Por exemplo, hoje estou em casa esperando uma corrida com meu aplicativo ligado. Geralmente, os motoristas param aqui perto de casa e consigo ouvir o celular deles tocando, o som da 99, que é bem alto e irritante. Já vi tocar duas ou três vezes para eles e nenhuma vez para mim. É bem frustrante, porque a 99 parece fazer um bloqueio, mas ainda assim manda corridas para eles. Já a Uber, não manda. Às vezes, fico 30 ou 40 minutos sem receber uma chamada”, relata o motorista.
Deivys diz que quando vai para São Paulo, não tem esse problema, pois lá as corridas são boas e a maioria ele aceita. “Em São Paulo, não tenho esse problema de “bloqueio branco”, porque as corridas valem a pena, sendo R$ 2,00 ou R$ 2,50 por km. Então, aceito a maioria das corridas. Por outro lado, aqui em Ribeirão Preto, onde a maioria das corridas é de R$ 1,20 ou R$1,30 por km, às vezes até R$ 1,00 por km, não toca. Na verdade, eu tenho que recusar, porque senão acabo pagando para trabalhar.”
“Distinção entre motoristas para lucrar mais”
Ele diz que às vezes está em um mercado finalizando uma corrida e vê as pessoas abrindo o aplicativo e chamando um carro. “Não toca para mim, e não é porque é uma corrida Confort, é um X ou um Pop mesmo. Toca para outro motorista. Já aconteceu de eu estar buscando uma passageira que cancelou a viagem porque não ia dar tempo de se arrumar. Fiquei parado perto da casa dela, esperando ela chamar de novo, pois estava atrasada. Mesmo assim, a 99 não mandou a corrida para mim, mesmo eu estando ao lado dela. Outro motorista, a cerca de 200 metros da casa dela, foi chamado pela 99 para buscá-la, enquanto eu estava bem ao lado.”
Deivys conclui dizendo que a 99 e a Uber fazem distinção entre motoristas. “Por que fazem isso? É porque querem ganhar dinheiro, mas a maneira como fazem é complicada e prejudica bastante a gente. As dívidas acabam acumulando. A gente vê que tem corridas no mapa, mas não toca. Às vezes estou em uma área com tarifa dinâmica estourada, como duas vezes ou uma vez e meia o valor normal, e mesmo assim não toca para mim, mas toca para outro motorista”, lamenta.
“Algoritmo entende as preferências do motorista”
O motorista de aplicativo e influenciador, Ronaldo Lopes possui uma visão diferente. Segundo ele, o algoritmo é capaz de identificar se você está aceitando apenas um tipo específico de corrida e, assim, passa a te oferecer mais desse tipo. Isso vale também para a região.

Foto: Ronaldo Lopes para 55content
Ronaldo afirmou que o algoritmo prioriza ao máximo o passageiro, mas consegue entender as preferências de cada motorista, como o tipo de corrida que ele escolhe e como realiza as viagens. Ele confia no algoritmo nesse aspecto. Acredita também que, quando mantém uma rotina de trabalho e tem um horário fixo para voltar para casa, parece que o algoritmo direciona corridas para esse trajeto. Segundo ele, essa impressão é especialmente notável ao trabalhar à noite, quando a demanda é maior do centro para os bairros.
“Por exemplo, quando eu morava em Diadema, recebia mais corridas para Diadema. Hoje, morando em Barueri, as corridas são direcionadas para Barueri. Sinto que em certas áreas não recebo chamadas, especialmente em regiões que não costumo ir. São Paulo é muito grande. Por exemplo, eu não vou para Grajaú ou Capão Redondo, então, quando estou em São Paulo, raramente recebo corridas para essas áreas. Acho que o aplicativo entende que não trabalho nessas regiões”, aponta.
“Se recuso e cancelo muitas vezes, parece que o sistema para de me mandar”
Ronaldo diz que quando cancela muitas corridas, não sente que é penalizado com corridas ruins, mas, se recusa e cancela muitas vezes, parece que o sistema para de enviá-lo chamadas por um tempo. “Nessas situações, eu fico offline e online novamente, limpo o cache e o aplicativo volta a funcionar normalmente. Essa é minha compreensão sobre o funcionamento do aplicativo durante o trabalho e a visualização das corridas”, finaliza o motorista.
“Algoritmo tende a favorecer corridas de valor mais baixo”
Denis Moura, motorista de app, diretor de comunicação da FEMBRAPP e presidente da AMPA-RJ afirma que sua preocupação em relação aos algoritmos depende da capacidade das pessoas de saber lidar com eles. “O algoritmo é uma inteligência artificial desenvolvida para aumentar a lucratividade da empresa. Quando o algoritmo percebe que a lucratividade é maior com um número maior de motoristas, ele tende a favorecer corridas de valor mais baixo, que os motoristas aceitam por necessidade”, explica.
Ele afirma que muitas vezes, isso ocorre pela falta de orientação adequada. Essas corridas de menor valor são mescladas com corridas melhores. “No entanto, se todos os motoristas começarem a recusar corridas abaixo de 10 reais, o algoritmo entenderá que, para ser lucrativo, o valor precisa ser maior. Com isso, o algoritmo ajustará os preços para garantir a lucratividade da plataforma.”
“Minha preocupação não é com o algoritmo em si, mas com a forma como as pessoas lidam com ele. Muitas ainda não estão bem preparadas para essa nova realidade e precisam aprender a interagir com o algoritmo de maneira eficaz. Podemos dizer que precisamos ‘educar’ o algoritmo, ou melhor, treinar a inteligência artificial, para que possamos aumentar nossa lucratividade.”
Denis ainda aponta outro problema da categoria que acredita estar relacionado aos algoritmos, que são as respostas padronizadas. “A Uber tenta humanizar as respostas, mas é evidente que são geradas por inteligência artificial, baseada em algoritmos e estatísticas do dia a dia dos motoristas. Essa abordagem é uma boa ferramenta para a empresa, pois permite lidar com milhões de pessoas, otimizar tempo e reduzir a quantidade de funcionários.”
No entanto, em questões de segurança e banimento, Denis afirma que essa automação desumaniza completamente a relação, que deveria ser de parceria, mas acaba se assemelhando mais a uma relação de trabalho. “Portanto, mesmo que seja considerada uma parceria, é necessário que nesses casos específicos, a interação seja humanizada e não automatizada”, conclui o motorista.
“Precisamos aprender a usar os algoritmos a nosso favor”

Foto: Reprodução/YouTube
Denis Moura afirmou que, da parte dos motoristas, não percebe nenhuma iniciativa ou pedido para monitorar, regularizar ou autorizar os algoritmos. Ele acredita que isso seria uma forma de censura, o que não considera adequado. Segundo Moura, como toda tecnologia, os algoritmos podem ser usados de várias formas, e é preciso aprender a lidar com eles e utilizá-los a nosso favor, o que é uma questão de instrução. Ele também crê que essa inteligência artificial é autoprogramável, aprimorando-se continuamente. Portanto, seria uma luta inglória tentar combatê-la, pois ela estará sempre evoluindo.
“O importante é saber lidar com essa tecnologia de maneira eficaz. No entanto, volto a enfatizar que em questões de segurança e banimentos, é fundamental que não haja participação automatizada. Se não me engano, o PL 536 aborda essa questão, afirmando que decisões como banimentos não devem ser feitas por algoritmos. Considero essa uma boa emenda, caso o PL 536 venha a ser votada no futuro”, finaliza Denis Moura.
“Empresas usam algoritmos para maximizar a exploração dos motoristas e entregadores, analisando individualmente suas expectativas de ganho”
Luiz Corrêa, Presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos (Sindmobi) foi consultado pela equipe do 55content e questionado sobre qual a principal preocupação que os sindicatos têm em relação ao uso de algoritmos nos apps de transporte e ele respondeu que os algoritmos operam sem nenhuma regulamentação voltada a combater a “manipulação sistêmica”.
“Empresas como Uber, 99, inDrive, e iFood investem fortemente nesse setor para manter motoristas e entregadores à disposição pelo máximo de tempo possível. Esse sistema de exploração baseia-se no ganho médio que cada trabalhador espera obter por hora e nas ofertas variáveis de corridas, realizando uma análise personalizada de cada perfil.”

Foto: Luiz Corrêa para 55content
“Estamos trabalhando junto ao Ministério do Trabalho para criar uma Norma Regulamentadora (NR) que fiscalize esses algoritmos. Esta é uma medida simples que não necessita de um projeto de lei. Já existe um grupo dentro do ministério focado em resolver essa questão. Estamos pressionando para que isso aconteça, pois o trabalhador não pode ficar refém de um aplicativo cujo objetivo é a precarização do trabalho”, revela o sindicalista.
A equipe do 55content entrou em contato com a Uber, 99 e inDrive para entender como cada empresa trabalha o uso do algoritmo dentro de seus serviços.
Enquanto a Uber ainda não respondeu até o momento de publicação dessa matéria, a inDrive assegurou que não trabalha com sistema de algoritmos. “O modelo utilizado é a negociação direta entre usuários. O algoritmo automatiza todo o processo de uma corrida e limita a liberdade de escolha, a inDrive privilegia a autonomia de motoristas e passageiros e incentiva a negociação entre as partes.”
Já a 99 optou por não participar da reportagem.