Na Região dos Lagos do Rio de Janeiro, uma cidade cresce cerca de 48%, de acordo com o Censo de 2022, o que resulta em um total de mais de 156 mil habitantes. Rio das Ostras, como a conhecemos hoje, é um município recente, com a emancipação datada apenas de 1992. Apesar de aparentar ser lar de oportunidades por conta do turismo despertado pelas 15 praias que tem ao longo do litoral, do fluxo de pessoas para um campus da Universidade Federal Fluminense (UFF) que comporta e de investimentos do setor petrolífero para a exploração da Bacia de Campos, área de influência para a cidade, os moradores relatam não colher tantos frutos como quem visita a região.
Entre queixas de alto custo para se viver no local e para se deslocar pelo município, quem vive em Rio das Ostras tem encontrado outras formas de mobilidade urbana que não o serviço público, entre essas, o transporte por aplicativo. Os motoristas que trabalham por intermédio de plataformas, por outro lado, contam que não veem vantagens em rodar na cidade. Há quem se desloque para municípios vizinhos todos os dias em vista de melhores resultados. Enquanto que, até mesmo quem permanece na região, afirma que o trabalho não compensa.
Entre vans como principal transporte coletivo e ônibus intermunicipais
Em Rio das Ostras, as vans são apontadas pela estudante universitária Talita Inayê, de 28 anos, como principal alternativa coletiva. “Ônibus, a gente quase não tem. A gente tem a 1001 [empresa de ônibus intermunicipais que atravessam a cidade] rodando, mas só na pista, não entra nos bairros”, conta. E explica: “Então, quando eu falo de transporte coletivo, falo das vans diretamente”.
Nesse sentido, a produtora cultural e musicista Eduarda Manhães, 21 anos, relata que, embora seja uma alternativa coletiva, esse meio entrega um serviço limitado para as necessidades dos moradores: “As vans não dão conta da demanda, têm horários ruins e não oferecem acessibilidade”.
Talita concorda com as limitações desse transporte. “Os motoristas da van não têm um compromisso, não têm um quadro de horário. A Prefeitura não tem um compromisso com eles de ter diálogo, então, eles fazem o horário que querem. Se der 22h e você estiver no ponto esperando, desista”, complementa.
Os ônibus, em contrapartida, funcionam entre municípios, então, atravessam Rio das Ostras em determinados pontos, mas com destino a outras cidades. “Tem ônibus que passa, mas geralmente são intermunicipais, daqui para Macaé, que é do lado, ou então para lugares mais distantes, como Cabo Frio, Búzios… Mas municipal mesmo, de circular nos bairros, não tem”, explica Eduarda. Ela esclarece que “a cidade não tem estrutura para poder usar ônibus. Assim, a frequência de vans é boa, mas a qualidade não é”.
Eduarda destaca “a importância do transporte coletivo e da bicicleta, principalmente em relação à poluição”, e, por isso, opta por essa forma de deslocamento: “Rio das Ostras é bem pequena. Então, eu faço quase tudo de bicicleta. Praticamente, dá para atravessar a cidade de uma ponta a outra pedalando”.
Já na rotina de Talita, o meio coletivo disponível no município é a principal opção. “Eu raramente pego ônibus. Até quando vou para outra cidade, que aí poderia pegar ônibus, acabo pegando a van, porque é mais barata.” Além disso, a estudante universitária acrescenta que também faz uso de aplicativos “Por exemplo, na última vez em que eu saí da cidade para uma cidade vizinha, eu fui de van. Na volta, o ônibus não passou, e eu voltei de Uber”.
Quando o transporte por aplicativo deixa de ser apenas uma escolha
Eduarda, diferentemente de Talita, quando usa o transporte por aplicativo, geralmente, não opta por carros. “De modo geral, eu evito usar aplicativo por uma questão financeira. Às vezes, eu uso a moto, Moto Uber.” Mas, até com essa opção, há empecilhos, segundo relata: “Uso quando eu estou com tempo, porque a moto demora bastante”. Além disso, a produtora cultural diz que acaba escolhendo o aplicativo quando está cansada para pedalar ou quando é um horário tarde.
Para Talita, o trajeto até a faculdade é o que mais interfere em como se locomover pela cidade. “Cerca de três vezes na semana tenho que pegar um carro de aplicativo”, conta. Ela reflete, contudo, que a escolha não é baseada nas vantagens, mas sim por conta da falta de alternativas. “Minha preferência é por um transporte público de verdade nessa cidade, mas como eu não tenho isso, os aplicativos acabam sendo a melhor opção.”
Embora alguns moradores façam mais uso das plataformas, ela fala que os motoristas da região não têm muito interesse no município. “A cidade tem muita dificuldade de transporte público, a gente depende de aplicativo, mas, às vezes, não encontra carro disponível, e isso atrapalha demais o dia a dia”, lamenta Talita.
Corridas baratas e despesas caras: realidades dos motoristas na cidade
Entre os motoristas, o consenso é que Rio das Ostras não oferece boas condições para viver do aplicativo. Yan José Silva, de 31 anos, com experiência na categoria há pelo menos oito anos, por exemplo, prefere trabalhar no município vizinho: “Eu não fico em Rio das Ostras quase. É muito fraco de demanda, paga pouco”. Ele vê mais benefícios em Macaé, que fica a quase 27 km da cidade: “Lá, eu consigo corridas melhores, porque tem a Petrobras, shopping, firma… Em Rio das Ostras, às vezes, você pega uma corrida de R$ 10 para cruzar a cidade inteira”.
Alexandre de Assis, 54 anos, que trabalha por aplicativos há cerca de 15 anos, concorda com a fala de Yan: “Hoje, em Rio das Ostras, as corridas estão muito fracas”. Ele detalha que, em algumas chamadas, o mesmo valor baixo aparece recorrentemente. “A gente chama de ‘cracudinha’, aquelas corridas de R$ 6,21 que tocam o tempo inteiro. Se fizer dez corridas assim, no fim do dia, você gastou tudo em combustível”, reclama.
Yan também comenta sobre esse valor repetido. “O passageiro vai pagar R$ 10, você vai receber R$ 6,21. E aí, como que vai manter o carro? Como que vai ter lucro em cima disso?”, compartilha. “Você paga para trabalhar, entendeu? Então, não vale a pena.”
Alexandre, que morava antes no Rio de Janeiro, acrescenta que os custos são maiores em Rio das Ostras: “O combustível aqui é mais caro que na cidade do Rio. Manutenção de carro também”. Para Yan, uma das maiores despesas também é o conserto, e narra ter pagado alto recentemente para resolver isso. “Eu levei uma ‘facada’ de R$ 4 mil esses dias para consertar dois problemas”, recorda.
Para reduzir despesas, Alexandre até aprendeu a fazer reparos sozinho: “Eu mesmo troquei a suspensão inteira em casa, porque aqui um mecânico cobra R$ 300 ou R$ 400 só de mão de obra. Não tem como”.
Motoristas e as grandes plataformas
Em termos de aplicativos, ambos contam rodar pela Uber e 99, mas cada um tem uma preferência. “Eu prefiro a 99, porque paga mais. A Uber paga razoável e come uma parte a mais da gente”, diz Yan. Alexandre retrata que essa escolha faz sentido de acordo com onde cada um trabalha: “No Rio, quando eu morava lá, fazia muito as duas, mas usava mais a Uber. Aqui em Rio das Ostras, o forte é mais a Uber. Em Macaé, é mais a 99”.
Apesar disso, Alexandre avalia que as duas empresas deixam a desejar. “Hoje, as duas estão ruins, mas a Uber está um pouco melhor que a 99”, aponta. Ele compartilha também que, além das grandes plataformas, outras têm buscado espaço na cidade: “Tem outros aplicativos, regionais, que o pessoal lança, mas não vão muito à frente. Passaram muitos por aqui, mas nenhum vingou”.
Conforme acredita, o fracasso dos aplicativos que tentam se inserir localmente é devido ao que as pessoas já estão acostumadas. “O pessoal está muito fechado, já está tudo no automático. Aqui, a Uber é muito forte. O pessoal já está mentalizado: é só ‘Uber, Uber, Uber'”, elucida Alexandre.
Para ele, o maior problema atual dessas plataformas está no repasse que fazem para os trabalhadores. “A Uber cobra caro do passageiro, mas repassa muito pouco para o motorista”, esclarece. Yan concorda com essa questão e defende que gostaria que um novo aplicativo “oferecesse taxa fixa”. Ele explica: “Porque a gente recebe hoje uma taxa variável”.
Infraestrutura urbana que atrapalha
Além das corridas mal remuneradas, os motoristas reclamam da infraestrutura do município. “Rio das Ostras espanta motorista de aplicativo. É muito buraco, muito sinal, e a cidade fica travada”, destaca Yan. Alexandre tem a mesma visão: “Aqui, o carro ‘desmancha’ rápido, é muita estrada ruim”.
Outro ponto levantado por Yan é a falta de iluminação em alguns trechos. “Fizeram a duplicação da pista de Macaé para Rio das Ostras, mas não funciona. Você vai e volta e é tudo escuro. Se o carro quebra, já era.” Ele explica que o município tem uma causa histórica para estar assim: “Em Rio das Ostras, as coisas não funcionam direito. É muito ruim. Uma cidade que foi emancipada há pouco tempo, tem muita coisa que ainda não funciona como deveria”.
Alexandre destaca ainda o trânsito ocasionado pela cidade vizinha. “Mais no final da tarde e de manhã cedo, por causa do pessoal indo para Macaé, a estrada, que é mão dupla, tem um gargalo. Então, quem vai para Macaé perde umas três horas no trânsito”, exemplifica. Ele escolhe atender a outras chamadas nesses casos: “Eu evito essas corridas. Só vou se for uma corrida muito boa, porque você perde muito tempo e, para voltar, vem vazio”.
Os moradores também veem problemas na mobilidade por causa do urbanismo. “Tem gente que não gosta de fazer Uber aqui, inclusive quem mora aqui. Moro a quase 1 km da UPA, onde tem pontos de transporte coletivo, e, às vezes, quero pegar uma moto ou um carro porque estou levando alguma coisa pesada, mas os motoristas não querem rodar dentro do bairro”, relata Talita. Nos bairros periféricos, a situação é ainda mais difícil. Eduarda narra que muitos motoristas ficam receosos de entrar: “Já aconteceu de o motorista perguntar: ‘Mas pode entrar lá, é tranquilo?’”.
Talita percebe o mesmo que os motoristas acerca das condições das ruas. “O bairro é grande. Uma boa parte não tem asfalto, é esburacado. Eles não querem pegar uma corrida de R$5 para andar num pedaço de rua que estraga a mola do carro.” Apesar de compreendê-los, ela aponta que isso gera uma insegurança, especialmente para mulheres: “À noite, a gente fica com medo. Não tem iluminação suficiente, e muitas vezes não passa ônibus nem van. A solução acaba sendo chamar aplicativo, mas nem sempre dá certo”.
Mesmo quando é uma opção: a insegurança dos aplicativos para moradoras
Eduarda expõe uma situação pela qual passou: “Já tive uma experiência em que o motorista veio com uns papos esquisitos e eu fiquei insegura. Era de noite, e aí eu fiquei com um medinho assim. Quando é motorista mulher, eu fico muito mais tranquila”. Ela explica por que isso não a fez parar de utilizar aplicativos. “Não parei de usar porque a gente meio que depende, né? Mas fiquei com bastante receio depois disso, muito mais atenta”, esclarece.
Talita também divide um momento em que passou por insegurança ao usar esse serviço. “Já aconteceu de um motorista botar que eu não tinha pagado. A corrida estava no cartão e ele cismou que estava em dinheiro”, inicia.
Ela detalha: “Ele parou o carro, começou a reclamar, e eu falei: ‘Então, vou descer aqui’. A gente desceu antes da minha casa e ele largou o carro e veio vindo atrás, a pé”. Talita conta que estava acompanhada, mas de outra mulher, o que não amenizou muito o medo. Elas decidiram não entrar em casa para que o homem não soubesse onde moravam e continuou andando pela rua. “Liguei para a polícia, falei alto, botei no viva-voz, mas a ligação caiu. Só conseguimos nos livrar dele quando nossas cachorras saíram de casa latindo. Ele se assustou e sumiu”, narra a universitária.
Em relação à segurança, Eduarda considera que parte disso está no sistema de avaliação dos aplicativos, que descreve ser superficial e não garantir parâmetros reais sobre a conduta dos motoristas: “Eu acho que o sistema de avaliação é meio raso”. Ela avalia que, por conta disso, os passageiros acabam fazendo avaliações também rasas. “Por exemplo, peguei uma corrida, o Uber não falou nenhuma atrocidade e eu cheguei viva no meu destino: cinco estrelas. Aí, eu acho que a gente acaba abaixando um pouco o nosso nível de decência, do que é ser um motorista decente”, narra Eduarda.
Ela destaca ainda a falta de comentários mais descritivos e defende a necessidade de avaliações que ofereçam informações com maiores detalhes, especialmente em situações de vulnerabilidade. “Quando é uma situação à noite ou quando eu vou sozinha, procuro avaliações que digam mais sobre a pessoa, mas acho que não tem comentários falando da experiência. Eu já vi alguns, mas não todos.” A produtora cultural analisa: “Acho que é importante fazer essa coisa mais qualitativa do que quantitativa”.
Talita resume que, apesar das dificuldades, esse tipo de serviço funciona por um motivo: “Os aplicativos existem porque tem um buraco que ninguém quer tapar. O sistema deixa a gente sem transporte, sem emprego, e aí aparece esse tipo de solução individual para um problema coletivo”.
O que diz o poder público do município
A Prefeitura de Rio das Ostras, procurada pela reportagem, confirma que não existe lei municipal para regular a atividade. Segundo o diretor administrativo da Secretaria Municipal de Transportes Públicos, Acessibilidade e Mobilidade Urbana (SECTRAN) da cidade, Julio Cesar Hani Felix, “até a presente data não há legislação municipal específica regulamentando a atividade de transporte por aplicativos. Consequentemente, o Município também não dispõe de dados oficiais acerca de número de motoristas atuantes, aplicativos em operação ou estatísticas de corridas mensais”.
A Secretaria ressalta ainda que, na ausência de lei municipal, a atividade segue apenas os parâmetros da legislação federal. “O transporte individual remunerado de passageiros, intermediado por aplicativos, encontra amparo na Lei Federal nº 13.640/2018, que alterou a Lei nº 12.587/2012 (Política Nacional de Mobilidade Urbana)”, desenvolve o diretor. De acordo com ele, qualquer mudança depende de que haja uma ação legislativa própria: “Eventual regulamentação futura dependerá de iniciativa local, observados os parâmetros da legislação federal vigente”.
Como os motoristas veem o futuro no trabalho por aplicativo
Para Yan, trabalhar por aplicativo ainda tem vantagens. “Você tem liberdade. Você sai para a rua e faz o dinheiro que você quiser. Se estiver bom de dinheiro no dia, então, você faz rápido.” No entanto, ele diz que isso vem acompanhado de metas diárias que se tornam quase uma obrigação: “A meta é pagar um boleto. R$ 200, R$ 150… Chegou no valor do boleto que escolhi no dia, eu vou para casa”.
O motorista explica que, mesmo com os altos custos, ainda enxerga mais rentabilidade na atividade do que em empregos formais. “Se trabalhar de CLT, vai ganhar R$ 1.500 por mês. Eu faço mais que isso. Teve mês desse ano que fiz R$ 5 mil ‘e cacetada'”, expõe. Mas ele admite que alcançou o resultado combinando diferentes plataformas e não apenas o transporte por aplicativos, mas também as entregas: “Claro, consegui esse valor trabalhando na Uber, na 99, particular, Mercado Livre”. Além disso, Yan expõe uma rotina sem descanso que faz esse ganho ser possível. “Trabalho de domingo a domingo. Não tenho folga”, esclarece.
Apesar da exaustão, Yan vê nas entregas uma forma mais estável de complementar a renda. Ele compara a incerteza das corridas de aplicativo com a previsibilidade das rotas de empresas de e-commerce: “O Mercado Livre é uma coisa mais certa. Eu vou chegar lá, abastecer o carro, encher de produto, entregar, e sei que vou receber o valor tal. Não é uma coisa aleatória como Uber, que tem que sair para caçar passageiro com valor variável”.
Já Alexandre, enxerga adiante com mais preocupação. Ele relata que o mercado formal se tornou quase inacessível: “Com quase 50 anos, as empresas nem chamam mais. Querem pegar gente nova. O único recurso é o carro”. Para ele, o trabalho por aplicativo garante uma renda muito pequena, que é insuficiente para ter uma estabilidade. “A meta mínima hoje, diferentemente de quando comecei nos aplicativos, livre para trazer para dentro de casa, é R$ 150. E para fazer isso… é ‘osso’.”
O motorista compartilha momentos de desânimo ao avaliar sua rotina. “Às vezes, eu paro e fico assim: ‘Caraca, o que que eu estou fazendo da minha vida? Tenho que me programar para fazer outra coisa, porque depender disso para pagar as contas está complicado’”, descreve. Segundo ele, a situação só não é inviável porque a esposa também trabalha: “Se eu dependesse exclusivamente disso, não dava. O gasto é muito alto e o retorno é baixo. Se fosse só eu trazendo dinheiro para casa, já tinha vendido o carro”.
Com mais de uma década de experiência, sendo oito anos apenas em Rio das Ostras, Alexandre lembra que já houve um período em que o trabalho rendia mais. “Nos primeiros anos foi maravilhoso. Fazia poucas viagens e já conseguia suprir minhas necessidades, batia minha meta rapidinho. Mas, depois, veio a ladeira abaixo.” Ele considera que, atualmente, o trabalho por aplicativo funciona apenas para complementar renda. “Hoje, o aplicativo só serve para quem é aposentado”, argumenta. E reflete: “Se eu não precisasse, não trabalharia por aplicativo. Hoje, não compensa”.