O transporte por aplicativo já foi símbolo de autonomia e promessa de renda rápida em todo o Brasil. Mas, em cidades do interior como São Carlos (SP), essa promessa se esvaziou. Pressionados por repasses cada vez menores, jornadas exaustivas e a opacidade das plataformas, muitos motoristas vivem hoje uma realidade de desgaste, frustração e endividamento.
Alguns, como Marcelo Santos, transformaram a indignação em ação: apostaram no cooperativismo como alternativa para resgatar não só o controle sobre o trabalho, mas também a dignidade da profissão. Esta reportagem percorre as ruas e vozes de São Carlos para revelar como três motoristas — Marcelo, William e Renato — vivem (ou sobrevivem) no meio de uma crise silenciosa na mobilidade urbana, e o que estão fazendo para tentar mudar esse cenário.
Do banco do motorista à liderança de uma cooperativa nacional
Com quase oito anos de experiência como motorista de aplicativo, Marcelo Santos observou de perto as transformações do setor. Ele começou pelas grandes plataformas, mas logo percebeu os limites do modelo: tarifas injustas, regras unilaterais e desgaste físico e emocional constante. Esse cenário o levou a buscar alternativas para melhorar as condições de trabalho dos motoristas.
Em 2018, com o avanço de um projeto de lei municipal sobre aplicativos de mobilidade em São Carlos, Marcelo fundou uma associação de motoristas e, pouco tempo depois, criou uma cooperativa local. A cooperativa, que começou a operar por aplicativos próprios, foi a primeira a lançar um app, o Coopama, para facilitar a comunicação e a operação dos motoristas. Contudo, devido à duplicidade de nome, a cooperativa trocou o nome do app para CoopMov, que mais tarde seria desativado. Hoje, a Liga Coop é a plataforma principal, representando mais de 130 motoristas e 2.500 passageiros na cidade.
Vale ressaltar que a Liga Coop, embora também esteja presente em São Carlos, não nasceu lá. Ela surgiu da união de cooperativas como a CoopMov-SP, Comobi-RS e Coopertrans-MA, e atualmente conta com mais de 12 cooperativas em sua federação, abrangendo diversas regiões.
O modelo cooperativo em São Carlos, sob a liderança de Marcelo, busca oferecer uma alternativa aos motoristas que não se sentem representados pelas grandes plataformas. Porém, ele observa que a situação continua difícil para os motoristas. “Em quatro anos, a situação desandou. O custo por quilômetro subiu para R$ 1,30, enquanto as plataformas chegaram a pagar apenas R$ 0,90. Isso obriga o motorista a trabalhar de 12 a 14 horas por dia para alcançar ganhos mínimos”, comenta.
Além disso, o desgaste dos veículos é uma realidade constante. “Tem colega que roda até 7 mil km por mês. Em dois anos, o carro está tão desgastado que mal consegue ser vendido. Um veículo que valeria R$ 50 mil sai por R$ 28 mil”, relata.
Quanto à regulamentação fiscal, a Liga Coop paga o ISS (Imposto Sobre Serviços) à prefeitura de São Carlos por operar na cidade, mas está isenta da Taxa de Gerenciamento Operacional (TGO), pois o CNPJ da cooperativa está registrado no município, o que garante a isenção dessa taxa. A cooperativa emite notas fiscais locais, mantendo um compromisso com a regulamentação fiscal da cidade.
O ciclo da exploração: gamificação, algoritmos e a perda de controle
Marcelo critica duramente o que chama de “algoritmo da exploração”:
“A Uber manipula com estrelas, ameaças de banimento, ranking. Quem tenta escolher corrida justa é boicotado.”
Essa lógica, segundo ele, cria um vício comportamental. O motorista passa a viver “pelo pão e leite do dia”, sem perceber a corrosão lenta de seu patrimônio e sua saúde.
Enquanto isso, as tarifas para os passageiros aumentaram cerca de 40%, mas os motoristas passaram a receber menos. “A conta não fecha. A plataforma lucra em cima do esforço de quem está na rua todo dia.”
A aposta no cooperativismo e o nascimento de uma nova plataforma
A reação de Marcelo e outros motoristas foi construir um sistema próprio, baseado na lógica cooperativista. “Na Liga Coop, somos donos do aplicativo. A taxa é de apenas 12%, usada para manter a plataforma. Sem lucros para intermediários.”
Presente em vários estados (SP, RS, PR, MA, DF, PE, CE, MG), a Liga Coop criou um ambiente com regras claras, segurança e ganhos mais justos. Em São Carlos, por exemplo, Marcelo afirma receber até R$ 2,50 por km, o que permite trabalhar menos e com mais dignidade.
Agora, a Liga se prepara para dar um passo além: um novo app, desenvolvido com investimento de R$ 9 milhões, com apoio de universidades e ONGs, inclusive da Espanha. O diferencial? Nada de gamificação, código aberto e decisões feitas pela base. “É um aplicativo pensado por quem está nas ruas.”
Qualidade no atendimento, dignidade no trabalho
A cooperativa não foca apenas nos ganhos, mas também na qualidade. Há exigência de bom estado dos veículos, checagem de antecedentes e até padrões de vestimenta. “Hoje você vê motorista de bermuda e chinelo atendendo na Uber. Isso é falta de profissionalismo. A gente faz diferente.”
As corridas também não sofrem reajuste dinâmico: uma viagem de R$ 15 segue custando R$ 15, mesmo no horário de pico. “Isso é justiça para o passageiro também”, reforça Marcelo.
O impacto local: quando R$ 5 milhões por mês vão embora da cidade
Em São Carlos, estima-se que entre R$ 4 e R$ 5 milhões por mês saem da economia local por meio das taxas das plataformas. “Esse dinheiro poderia girar aqui dentro, se ficasse num app local. Ganharia o motorista, o comércio, todo mundo.”
Mas hoje, segundo ele, há mais motoristas do que passageiros — e a competição se intensifica, piorando a renda média. “Tem motorista que passa uma hora esperando corrida nas plataformas tradicionais. Imagina rodar 400 km por dia dentro da cidade. Isso destrói carro, corpo e mente. O motorista não curte mais a família. Não vive.”
A aposta no cooperativismo, portanto, não é só econômica — é também um resgate de dignidade. Marcelo acredita que, se houver engajamento, o modelo pode competir de igual para igual com as grandes plataformas.
“Quando o motorista é dono do próprio app, ele atende melhor, ganha melhor e trabalha com orgulho.”
“Trabalho todos os dias, mas ainda penso em voltar para a construção”: o retrato de um motorista em busca de dignidade
A rotina de William Oliveira, motorista de aplicativo em São Carlos, é cronometrada. Ele começa cedo, roda quase 300 km por dia, atende dezenas de passageiros e ainda encaixa entregas para o Mercado Livre entre uma corrida e outra. E mesmo assim, ao fim do mês, sobra pouco — e o cansaço pesa.
Natural de Aracaju (SE), William trocou a construção civil pelo volante em 2024. Em São Carlos (SP), virou motorista de aplicativo em tempo integral, depois de 13 anos operando máquinas perfuratrizes. Hoje, equilibra transporte de passageiros e entregas com metas agressivas e custos crescentes. Mas admite: “Se eu encontrasse um emprego que pagasse R$ 7.500 de novo, como antes, voltava.”
Corrida contra o relógio e contra o sistema
William roda todos os dias — inclusive, com frequência, aos fins de semana. Sua rotina começa entre 5h30 e 6h da manhã. Após as primeiras corridas do dia, ele pausa para levar a esposa ao trabalho, volta às ruas, para por volta das 14h para almoçar, busca a esposa às 18h30 e, se o movimento permitir, roda até às 22h. É uma jornada longa, planejada ao minuto.
Para manter as contas em dia, ele alterna entre corridas pela Uber, 99 e a Liga Coop, e complementa a renda com entregas do Mercado Livre sempre que há disponibilidade. A meta é clara: R$ 400 brutos por dia, somando mobilidade e entregas. Mas, segundo ele, nem sempre é possível alcançar esse valor, especialmente com os atuais repasses das plataformas.
“Rodar menos de R$ 1,50 por quilômetro é prejuízo. E a maioria das corridas paga entre R$ 1,05 e R$ 1,12/km.”
Com um gasto diário de cerca de R$ 150 em gasolina, ele calcula que para alcançar um lucro líquido mensal de R$ 6.500, precisaria faturar ao menos R$ 12 mil. Hoje, gira em torno dos R$ 10 mil brutos.
Com média de 40 corridas por dia e rodagem de até 300 km/dia, William relata um problema estrutural: muitos passageiros não compreendem o funcionamento dos apps, e o próprio sistema não protege o motorista.
“Outro dia recebi uma reclamação dizendo que parei ‘em local inadequado’. Na verdade, o mapa do app estava errado. Mas o passageiro me reportou, e o sistema me puniu.”
Segundo ele, o motorista não tem direito de defesa. Basta uma avaliação negativa subjetiva — que pode vir de alguém que se irritou por não poder comer no carro ou fazer uma parada extra — e o app reduz o alcance do motorista, sem sequer ouvi-lo.
Esse tipo de situação tem se tornado recorrente, e William destaca que isso afeta diretamente a renda e a reputação do motorista. “A Uber é a pior nesse sentido. A 99 pelo menos mostra mais claramente o valor que o passageiro pagou.”
Taxas, opacidade e prejuízo disfarçado de oportunidade
Um dos pontos que mais o incomoda são as discrepâncias entre o que o passageiro paga e o que o motorista recebe.
“Já perguntei a passageira quanto ela pagou: disse R$ 35. No app, consta R$ 28. Isso é o que chega pra mim. Essa ‘transparência’ que a Uber vende, na prática não acontece.”
Com taxas variando entre 30% e 40%, ele destaca que a margem de lucro é constantemente corroída. Ainda assim, muitos motoristas continuam rodando sem perceber que, ao final do mês, estão praticamente trabalhando para cobrir custos.
A tentativa de inverter o jogo com a Liga Coop
Mesmo com menor volume de chamadas, William mantém seu cadastro ativo na Liga Coop e apoia os princípios da cooperativa. Ele valoriza especialmente dois pontos:
- Compromisso com o passageiro: o motorista que aceita uma corrida não pode cancelar depois.
- Preço estável e previsível: sem tarifa dinâmica, o passageiro paga o mesmo valor, mesmo nos horários de pico.
“Hoje fiz uma corrida pela Liga. A passageira pagou R$ 15,26. No mesmo trajeto, a 99 estava cobrando R$ 28. Ela escolheu a Liga. Isso mostra que o modelo tem espaço.”
A cooperativa também exige ar-condicionado ligado por padrão (a não ser que o passageiro peça para desligar), algo que — segundo ele — tem melhorado a experiência do usuário.
O problema, no entanto, é a baixa adesão de motoristas. “Ainda temos poucos carros rodando. Por isso, evitamos divulgar demais, pra não gerar frustração entre os passageiros.”
Investimento alto, retorno apertado
Na tentativa de reduzir os custos com combustível, William investiu pesado em um carro híbrido, adquirido em 2022 por R$ 105 mil, com 17 mil km rodados. Deu um veículo usado como entrada e financiou o restante em dois anos. Segundo ele, a parcela mensal do financiamento é parecida com o que gastava quando alugava carro — cerca de R$ 4 mil por mês.
A expectativa é que, ao fim do financiamento, consiga melhorar sua margem de lucro. Por enquanto, o que sobra ao fim de cada mês é entre R$ 5 mil e R$ 5.500 líquidos, mesmo com jornada puxada.
Seguir ou recuar: o dilema de muitos motoristas
Apesar da dedicação, William admite estar considerando voltar à sua antiga profissão na construção civil. Lá, ganhava cerca de R$ 7.500 mensais — valor que hoje só consegue se alcançar metas muito apertadas.
“Mas mesmo com a carga horária longa, prefiro estar em casa. Na construção, eu viajava muito. Aqui, mesmo rodando o dia todo, durmo com minha esposa todas as noites. Isso tem valor.”
O app ideal já existe — mas ainda não é conhecido
Para William, o problema não é a falta de solução — é a resistência dos próprios motoristas em tentar algo novo:
“Muitos reclamam da Uber, mas continuam nela. O app que a gente precisa já existe, é a Liga Coop. Só falta os colegas entenderem e aderirem.”
E finaliza com um recado direto:
“Queremos um app com taxas justas, mais suporte e mais transparência. O motorista está cansado de ser explorado e punido sem explicação. Isso precisa mudar.”
Dignidade no retrovisor: três motoristas, uma cidade, o mesmo esgotamento
Marcelo Santos luta por um novo modelo. William Oliveira ainda equilibra plataformas, entregas e esperança. Já Renato Borges, com cinco anos de volante em São Carlos, tem um tom mais direto: “Se eu soubesse, não teria trocado meu emprego antigo para virar motorista de app.” São trajetórias distintas, mas que convergem para um mesmo sentimento — o de que a profissão que já simbolizou liberdade hoje representa cansaço, risco e instabilidade. Os três motoristas escancaram, com diferentes nuances, como São Carlos se tornou palco de uma crise silenciosa na mobilidade urbana, marcada por sobrecarga de trabalho, repasses desiguais e promessas não cumpridas.
Renato Borges: “Se tiver família, aluguel e criança pequena… esquece”
Com mais de cinco anos de experiência, Renato viu a paisagem mudar — e não foi só a da cidade. Ele entrou para os apps após 15 anos em outro emprego, acreditando que teria mais autonomia e ganhos. No início, sentia que valia a pena. Hoje, já não pensa assim.
“Já valeu a pena. Mas hoje, se tiver que sustentar família, pagar aluguel, cuidar de criança pequena… esquece. Não dá mais.”
Rodando em média 200 a 250 km por dia, ele gasta de R$ 60 a R$ 100 em combustível, dependendo da performance e da quantidade de corridas. Em dias mais intensos, chega a realizar até 50 corridas em 12 horas de trabalho.
“Se rodar 12 horas, dá pra fazer de R$ 200 a R$ 350 por dia, dependendo do movimento. Mas no fim do mês, o rendimento cai muito.”
Concorrência desleal, desgaste crescente
Renato também nota o aumento acelerado de motoristas nas ruas — algo que, segundo ele, tornou o trabalho mais competitivo e menos sustentável.
“Hoje tem muita gente aposentada que não precisaria estar trabalhando, fazendo app pra complementar renda. Aumentou o número de mulheres também. Virou moda ser motorista de aplicativo.”
Essa saturação impacta diretamente no volume de chamadas por motorista e na qualidade das corridas. “Está cada vez mais difícil trabalhar. Quando comecei, éramos poucos. Agora, se bobear, tem mais motorista do que passageiro.”
O que mais incomoda? Os valores baixos — e as plataformas tirando cada vez mais
Para Renato, o maior problema é simples e direto:
“O que mais incomoda são os valores baixos das corridas. A gente trabalha, tem manutenção do carro, combustível… e as plataformas estão tirando cada vez mais da nossa parte.”
A crítica à diminuição progressiva dos repasses se alinha aos relatos de Marcelo e William. Em comum, todos relatam um sistema onde quem faz o trabalho recebe cada vez menos — e ainda precisa arcar com todos os riscos e custos do processo.
O novo app precisa vir — mas com apoio e fiscalização
Apesar da insatisfação com o modelo atual, Renato acredita que um novo aplicativo só terá chance se houver divulgação estruturada e envolvimento do poder público:
“Um novo app resolveria, mas teria que ser bem divulgado e com apoio da prefeitura — tanto para fiscalizar quanto para divulgar.”
A fala reforça o que Marcelo e William já apontaram: não falta solução — falta adesão, apoio institucional e um mínimo de visibilidade para que plataformas mais justas consigam competir.
Do outro lado da corrida: a visão da passageira Karina Vieira Araujo
Se motoristas apontam dificuldades financeiras, carga horária exaustiva e repasses baixos, passageiros também sentem os efeitos da crise silenciosa na mobilidade por aplicativo. É o que relata Karina Vieira Araujo, moradora de São Carlos e usuária frequente do serviço.
“O app que mais uso é a 99. Mas tem sido cada vez mais difícil encontrar carros — especialmente à noite e nos finais de semana, principalmente no domingo.”
Karina nunca deixou de utilizar os aplicativos, mas destaca que a experiência nem sempre é satisfatória. Ela gostaria de um sistema mais eficiente:
“Falta disponibilidade de carros. Um aplicativo mais ágil e com mais motoristas faria muita diferença.”
A perspectiva dos passageiros: entre a conveniência e a frustração silenciosa
Para quem depende de aplicativo para se locomover, o serviço continua sendo essencial — mas está longe de ser perfeito. Além de Karina, que relatou dificuldades para conseguir corridas à noite e aos domingos, outro depoimento ajuda a compor o mosaico da mobilidade do lado de quem está no banco de trás: o de Gustavo Hase, estudante de Engenharia Química na UFSCar, que vive em São Carlos há dois anos e meio.
“Uso mais a Uber, por conveniência e por preferi-la aos concorrentes. O fluxo de motoristas na região onde moro costuma ser bom.”
Mas isso não significa que ele nunca teve problemas. Gustavo relata que já deixou de usar o app por um período por conta de aumentos repentinos no preço das corridas — um comportamento que, segundo motoristas entrevistados, está relacionado às tarifas dinâmicas abusivas e à manipulação dos algoritmos pelas plataformas.
Questionado sobre o que o faria migrar para um novo aplicativo, ele é claro:
“Maior acessibilidade, uma melhor seletividade de motoristas e um SAC mais eficiente.”
Gustavo não usa mototáxi nem táxi e recorre ao ônibus apenas para ir à faculdade. Seu perfil — jovem, universitário, atento ao custo-benefício — representa um dos principais públicos consumidores dos apps em cidades como São Carlos.
Assim como Karina, ele não abandonou o uso do transporte por aplicativo, mas demonstra uma disposição real de mudança, caso surja uma alternativa mais justa e eficiente.
Ex-usuários também ajudam a entender as limitações do sistema
Enquanto Karina e Gustavo seguem utilizando aplicativos como 99 e Uber, mesmo com ressalvas, há quem tenha simplesmente abandonado o uso por não ver mais vantagens no modelo. É o caso de Wendel Lopes, que deixou de usar os apps no início de 2025, após resolver sua mobilidade de forma própria.
“Antes, eu usava praticamente só a Uber. Era o mais rápido para conseguir carro. A disponibilidade era maior, então era mais conveniente.”
A única exceção ocorreu em uma situação pontual:
“Um dia, no shopping, não consegui carro pela Uber de jeito nenhum. Fui obrigado a baixar a 99 na hora para voltar pra casa.”
Segundo ele, fora esse episódio, sempre conseguiu ser atendido com rapidez, e só parou de usar o app porque, ao se mudar definitivamente para São Carlos, trouxe seu próprio carro. Desde então, não sentiu mais necessidade de usar o serviço.
“Aqui em São Carlos não tem mototáxi. O ônibus não é funcional, e táxi nem se fala — é um serviço muito antigo, quase ninguém usa. Para viagens, é mais fácil alugar um carro do que depender de app.”
O que diz a prefeitura: São Carlos tem leis para apps, mas motoristas cobram mais fiscalização e apoio
Ao contrário de muitas cidades do interior, São Carlos conta com legislação municipal específica para o transporte por aplicativo. Segundo Luciene Domingues Moura, chefe da seção de gestão e fiscalização de transporte da Secretaria Municipal de Segurança Pública e Mobilidade Urbana, o serviço é regulamentado pelas seguintes leis:
- Lei nº 18.915/2018
- Lei nº 19.062/2019
- Lei nº 19.836/2020
Essas leis podem ser acessadas no site da Câmara Municipal: camarasaocarlos.sp.gov.br
Tributação e obrigações das empresas
As empresas operadoras de tecnologia, como Uber e 99, precisam pagar a chamada TGO — Taxa de Gerenciamento Operacional, calculada sobre a receita gerada no município:
- 2% sobre o total arrecadado com corridas iniciadas em São Carlos;
- Essa alíquota pode cair para 1% caso a empresa mantenha sede, filial ou escritório de representação no próprio município.
A intenção da TGO é compensar o uso da infraestrutura urbana e garantir uma forma de controle e arrecadação municipal sobre essas operações.
Tributação e exigências para os motoristas
Já os motoristas parceiros não são isentos de obrigações. Para atuar legalmente em São Carlos, eles devem estar formalmente cadastrados na prefeitura e atender a uma série de exigências, incluindo:
- CNH com EAR (Exerce Atividade Remunerada);
- Certidões negativas criminais — federais e estaduais;
- Exame toxicológico anual;
- Inscrição no ISSQN, o Imposto Sobre Serviços de Qualquer Natureza;
- Comprovação de inscrição no INSS como contribuinte individual;
- Seguro APP, que cobre acidentes com passageiros;
- Veículo com no máximo 10 anos de fabricação, em nome do motorista ou de parentes de até 3º grau (ou mediante cessão ou aluguel conforme a lei);
- Placa na categoria particular, com capacidade máxima de 7 ocupantes.
Além disso, motoristas com condenações criminais por determinados tipos de crimes (vida, dignidade sexual, roubo, tráfico, estelionato etc.) estão impedidos de atuar no transporte de passageiros.
Atuação livre por toda a cidade
A prefeitura também confirma que não há restrições de horário ou zonas proibidas para o trabalho dos motoristas de aplicativo. Eles podem atuar em todo o território urbano de São Carlos, a qualquer hora do dia.
Hoje, segundo Luciene, o número estimado de motoristas cadastrados no município gira em torno de 600 profissionais.
Na prática, motoristas dizem que a regulamentação existe, mas pouco impacta no dia a dia
Apesar do avanço formal na legislação, os relatos de motoristas ouvidos pela reportagem — Marcelo, William e Renato — revelam uma distância entre o que está previsto em lei e o que é vivenciado nas ruas.
Marcelo, que inclusive participou do processo de regulamentação, afirma que a lei não foi efetivamente implementada. “A prefeitura exigiu documentos, mas não fiscalizou nada. Só gerou despesas para o motorista, sem oferecer contrapartida”, disse.
William também destaca que não vê fiscalização nem suporte por parte do poder público. Segundo ele, a cidade vive uma espécie de “terra de ninguém” entre os apps, onde o motorista é penalizado por passageiros e algoritmos, mas não encontra respaldo institucional.
Renato, por sua vez, acredita que a existência de um novo aplicativo só teria sucesso se viesse acompanhado de apoio e fiscalização da prefeitura. Para ele, as regras existem, mas não são sentidas no cotidiano: “Todo mundo roda, poucos são realmente cadastrados, e a prefeitura nem sabe o que acontece no app.”