A proposta das plataformas de transporte por aplicativo como Uber e 99 é clara: trabalhar quando quiser e ainda garantir uma boa renda.
Mas quanto realmente fatura — e lucra — um motorista que trabalha apenas 4 horas por dia?
De acordo com os dados oficiais fornecidos por Uber e 99, é possível ter uma estimativa inicial:
- Uber: motoristas que atuam 20 horas por semana (ou seja, 4 horas por dia durante 5 dias) faturam em média R$ 653, o que dá cerca de R$ 32,65 por hora.
- 99: em São Paulo, a empresa afirma que o faturamento em 5 horas por dia é de R$ 159,84, também com média de R$ 32 por hora.
Mas será que esses valores se confirmam na prática?
A visão de quem está nas ruas: o caso do Thiago

Thiago Abbas, motorista que trabalha em Belo Horizonte, compartilhou sua rotina, estratégias e métricas reais. Atuando nas categorias Uber Black, Comfort e X, ele traz um cenário mais complexo do que os números médios sugerem.
“Quatro horas por dia depende muito do horário e do dia. No final de semana, o valor por hora sobe. Durante a semana, consigo fazer em média R$ 50 por hora, o que dá R$ 200 em 4 horas, mas com o desconto de 30% de combustível, o lucro real fica em R$ 140.”
Nos fins de semana, o faturamento é ainda maior:
“No sábado e domingo, minha média sobe para R$ 70 por hora, então são R$ 280 em 4 horas. Aplicando o mesmo desconto de 30%, o lucro fica por volta de R$ 196.”
Estratégia é tudo: horário e localização contam
O segredo de Thiago está na escolha dos horários e das regiões. Ele testou diversas faixas e encontrou o melhor rendimento no período entre meio-dia e duas da manhã, focando nos horários de pico — principalmente entre 18h e 20h, e após as 21h, quando o trânsito diminui e as corridas são mais rápidas.
Além disso, ele adota uma tática geográfica:
“Antes do pico, fico no centro. Faço corridas longas para bairros mais afastados e, perto do horário de pico, me direciono de volta ao centro, no contra-fluxo. Lá, pego corridas rápidas e dinâmicas. Isso turbina meu valor por hora.”
Quantas corridas em 4 horas?
A média de Thiago é de duas a quatro corridas por hora. Nos fins de semana, essa média cai um pouco, já que há mais corridas longas. Ele utiliza majoritariamente a Uber, deixando a 99 como ferramenta de apoio para deslocamentos estratégicos.
Lucro real: o que entra no cálculo?
Enquanto as plataformas falam em faturamento, Thiago diferencia com clareza o lucro real: dele se descontam os custos com combustível (30% do bruto), e ainda podem ser considerados outros custos como manutenção e depreciação do veículo.
Volney (Curitiba): Lucro alto na madrugada e seletividade nas corridas

Atuando em Curitiba, Volney Maciel é o retrato do motorista que encara o aplicativo como um serviço complementar — um bico com potencial de gerar uma boa renda em poucas horas. Com um perfil seletivo e estratégico, ele opta por aceitar apenas corridas que considera vantajosas, e isso se reflete diretamente no valor por hora alcançado.
“Na madrugada dos fins de semana, depois da meia-noite, consigo fazer cerca de R$ 60 por hora. Durante a semana, esse valor cai para R$ 40 por hora.”
Apesar de a média ser inferior em dias úteis, Volney afirma que ainda é possível manter essa faixa apenas selecionando bem as corridas — algo que ele faz com frequência para evitar viagens pouco lucrativas ou deslocamentos excessivos.
Em termos de custos, ele calcula que 33% do faturamento bruto vai para o combustível — custo diário que não inclui manutenção, seguro ou depreciação do veículo. Seu lucro líquido gira, portanto, em torno de R$ 26 a R$ 40 por hora, dependendo do dia.
“Trabalho com as categorias UberX, Comfort e também o Uber Pet. E uso o aplicativo de forma bem flexível: nos finais de semana, às vezes rodo de meia-noite até o almoço, chegando a 12 ou 14 horas. Durante a semana, prefiro trabalhar das 4h da manhã até o fim da manhã, e às vezes volto no início da noite.”
Rafael Copetti (Porto Alegre): “Trabalhar 4 horas por dia não paga nem a gasolina”

Jornalista há quase três décadas e motorista de aplicativo desde 2016, Rafael Copetti atua em Porto Alegre e tem uma visão direta sobre trabalhar pouco tempo por dia com transporte por app. Para ele, o modelo de 4 horas diárias simplesmente não é viável financeiramente.
“Trabalhar 4 horas por dia, cara, tu não faz nem para faturar o dinheiro extra. Tá? Devido ao alto custo de vida que nós estamos nesse país, tu não fatura nem como grana extra. Tomar 4 horas por dia, tomar paga gasolina.”
Rafael afirma que tem uma meta diária entre R$ 300 e R$ 450 brutos, alcançada dentro da jornada das 20h às 6h da manhã, sua faixa preferida de trabalho — por render mais e exigir menos esforço com trânsito e arranques.
“Das 8 até 1 da manhã, eu faço o que a Uber manda. Tanto no Comfort como no X. Faço algumas entregas, alguns Flash também, que dá uma engordadinha ali no faturamento. E aí das 2 horas da manhã até às 6, às vezes até às 7:30 da manhã, eu só faço reservado. A grande maioria é pro aeroporto.”
Esse modelo de operação também muda a lógica do faturamento por dia, já que a Uber zera o relógio às 4h da manhã:
“Às 4 horas da manhã, a Uber vira o relógio. Ela zera. E aí o que eu faço das 4 da manhã até às 6, 7:30, já fica como faturamento para o outro dia. Eu nunca começo o dia gerado no zero faturamento. Eu já começo com R$ 100, R$ 110, R$ 150.”
Mesmo sem trabalhar apenas 4 horas, ele consegue fazer cálculos com base nos blocos de tempo que compõem sua rotina. A conclusão é clara:
“Tu pode até fazer uns R$ 200, R$ 250 em 4 horas, dependendo do horário. Mas 50% é custo e 50% é lucro. Tu gasta meio tanque por turno. Eu encho o tanque no etanol, que aqui em Porto Alegre tá R$ 4,54 o litro. Um tanque tu faz dois dias de trabalho.”
A visão de Rafael é pragmática. Para ele, é preciso rodar muito mais que 4 horas por dia para tornar a atividade financeiramente sustentável:
“Não adianta vir mentor de curso querer apresentar metodologia. Cada um sabe onde aperta o sapato. Trabalhar só 4 horas é ilusão. Não cobre nem os custos.”
Lucas Guerra (Belém do Pará): “Com estratégia, faço R$ 150 em 4 horas — e isso define meu dia”

Conhecido nas redes sociais por sua linguagem prática e bem-humorada, Lucas Guerra é motorista de aplicativo desde 2019 e atua principalmente em Belém do Pará e municípios da região metropolitana, como Ananindeua e Benevides. Ex-gerente bancário, Lucas trocou o mundo corporativo pelas ruas da capital paraense e encontrou nos aplicativos uma nova forma de sustento — e expressão.
Hoje, além de influenciador com mais de 100 mil seguidores, ele compartilha rotinas, dicas e bastidores do dia a dia ao volante. Mas mesmo com essa visibilidade, Lucas mantém metas realistas e uma rotina bem definida. E é justamente nas primeiras 4 horas do dia que ele estrutura todo o seu faturamento.
“Minha meta da manhã, entre 6h e 10h, é geralmente R$ 150 brutos. Se bato essa meta, à tarde posso rodar mais leve, fechar entre R$ 300 e R$ 350 no dia.”
Com essa estratégia, R$ 150 em 4 horas representa quase 50% do faturamento diário. Ele explica que, para atingir essa meta, não é necessário rodar muito — mas é essencial acordar cedo, fugir do trânsito e ser seletivo com as corridas. Isso vale ainda mais agora que Lucas dirige um carro 100% elétrico, o que praticamente zera os gastos com combustível e amplia sua margem de lucro nessas 4 horas iniciais.
“Tem quem ache que por estar de carro elétrico eu aceito qualquer coisa. Mas não. Eu continuo muito seletivo. Meu filtro começa no aceite. Se estou na rua, longe da minha família, quero que valha a pena.”
Nos dias de baixa demanda, como ele mesmo chama de “quarta do galo duro”, os aplicativos sozinhos não seguram a renda. Nesses casos, serviços extras e bom posicionamento são fundamentais para manter o padrão de R$ 150 no turno da manhã. Lucas também evita trabalhar à noite e prioriza uma rotina equilibrada, dividida entre trabalho, saúde, família e produção de conteúdo.
“Rodo até umas 9h ou 10h da manhã, depois volto à tarde, entre 13h e 18h. Mas se fiz R$ 150 cedo, já sei que meu dia está encaminhado.”
Em semanas normais, seu faturamento semanal gira entre R$ 1.700 e R$ 1.800, podendo chegar a R$ 2.500 ou R$ 3.000 nas semanas boas. Mas ele evita promessas vazias nas redes:
“Se eu digo que faço R$ 2.000 por semana, alguém pode se motivar ou se frustrar. Prefiro dizer: com planejamento, você pode fazer R$ 150 por turno. Isso é viável.”
A rotina de Lucas mostra que trabalhar 4 horas por dia pode sim render bem — desde que seja parte de uma estratégia mais ampla, com foco em eficiência, seletividade e aproveitamento dos melhores horários.
Moovecar: “Quem trabalha 4 horas geralmente não depende só do app”

Na avaliação de Evandro Luiz, gestor da Moovecar, motoristas que atuam por apenas 4 horas diárias no transporte por aplicativo geralmente possuem outra ocupação principal ou fonte de renda complementar. Esse perfil tem crescido nas plataformas, mas ainda representa um desafio estratégico para fidelização e engajamento de longo prazo.
“Esses motoristas normalmente já têm outro trabalho ou fonte de renda. Eles aproveitam os horários disponíveis no dia para rodar, sem uma jornada fixa.”
Evandro destaca que, embora os ganhos nesse modelo reduzido sejam limitados, isso não necessariamente representa um problema grave para o motorista — justamente porque o aplicativo não é sua principal fonte de renda.
“Os ganhos são reduzidos, sim. Mas esses motoristas não dependem apenas do app, então isso é visto com naturalidade por eles.”
Atualmente, a Moovecar não possui dados consolidados sobre ganhos específicos em jornadas de 4 horas, nem diferenciações por horário do dia. Tampouco há estudos em andamento voltados exclusivamente para esse público. O foco da empresa, segundo Evandro, ainda está concentrado nos motoristas que atuam em período integral.
“Ainda não estudamos estratégias específicas para motoristas de jornada parcial. O nosso desafio hoje é tornar o serviço mais atrativo para que motoristas optem por trabalhar exclusivamente com o app.”
Para ele, pensar em ganhos sólidos em poucas horas requer um redesenho completo da atratividade da atividade, algo que ainda está sendo considerado, mas não faz parte de uma ação prática imediata na empresa.
A visão da Sindmobi: “Quem trabalha corretamente é um sobrevivente”

Para Luiz Corrêa, presidente da Sindmobi (Sindicato dos Motoristas por Aplicativo), a ideia de que é possível obter uma boa renda com apenas 4 horas de trabalho por dia não condiz com a realidade da maioria dos motoristas. Segundo ele, embora o trabalho em regime parcial devesse ser viável, o atual modelo de plataformas não permite ganhos sustentáveis para jornadas curtas.
“Sim, o motorista deveria ganhar o justo, pois está à disposição da empresa, mas isso não acontece na prática.”
Luiz Corrêa afirma que os sindicatos não pautam reivindicações específicas para motoristas de jornada reduzida, pois o objetivo é proteger toda a categoria:
“Nosso foco sempre foi criar um ganho mínimo e segurança para o trabalhador. As propostas que defendemos buscam abranger toda a classe.”
Quando questionado sobre os riscos econômicos e trabalhistas para quem atua meio período, ele cita o projeto de regulamentação da profissão como uma possível solução:
“Se conseguirmos regulamentar a profissão, não haverá risco. No projeto de lei está bem específico quem usa o app como renda extra. Terá contribuição proporcional e no final haverá somatório das duas atividades.”
No entanto, segundo ele, jornadas curtas hoje não trazem lucratividade:
“Trabalhar 4 horas hoje não banca nem o combustível. Quem trabalha honestamente não consegue bater a meta pessoal nesse tempo. Os que conseguem são, em muitos casos, os que burlam o sistema: usam GPS falso para simular localizações, passam outros na fila do aeroporto, declaram que o passageiro não pagou em dinheiro para receber dobrado…”
A crítica mais dura recai sobre o que Luiz Corrêa chama de “era da escravidão digital”, termo que usa para descrever a falta de retorno financeiro e desgaste vivenciado por quem atua com seriedade:
“Hoje, motoristas de aplicativo não têm qualidade de vida. Trabalhar corretamente virou sinônimo de sobrevivência. Porque trabalhar com aplicativo, hoje, não compensa mais. Somente um lado está ganhando.”
StopClub: “Com carro próprio e estratégia, 4 horas podem ser viáveis”

Para Luíz Gustavo Neves, co-fundador do StopClub, trabalhar apenas 4 horas por dia pode sim ser financeiramente viável — desde que o motorista tenha estrutura e estratégia. A recomendação principal da comunidade é que esse tipo de jornada funcione melhor para quem já tem carro quitado ou utiliza o veículo também em outras atividades, reduzindo os custos fixos.
“Se o motorista já possui um carro quitado ou utiliza o veículo para outras atividades, dirigir quatro horas por dia pode ser lucrativo. Mas alugar ou financiar um carro só para isso normalmente não cobre parcelas, seguro, manutenção, depreciação e combustível”, diz o representante.
Segundo o StopClub, os horários e posicionamento urbano fazem toda a diferença. Há sim grandes variações nos ganhos dependendo do turno escolhido.
“Trabalhar com estratégias de posicionamento, identificar horários mais lucrativos e selecionar bem as corridas faz total diferença nos ganhos.”
Para os motoristas que desejam atuar meio período, o StopClub recomenda foco em mapa de demanda e análise por quilometragem: “É fundamental mapear os pontos de maior demanda, priorizar horários de pico e aceitar corridas com alto retorno por quilômetro e por hora.”
Entre os principais desafios enfrentados por quem escolhe jornadas reduzidas, Luís destaca a rigidez de agenda: “Quem concilia outro emprego, por exemplo, nem sempre consegue atuar nos melhores picos. Às vezes está preso em regiões com muito trânsito ou baixa demanda.”
A comunidade ainda não possui dados consolidados de ganhos por turno, mas está trabalhando em um levantamento com base nas interações e resultados compartilhados pelos membros: “Estamos consolidando esses dados em nossos painéis internos.”