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Quanto ganha um “Uber”? Motoristas e empresas explicam ganhos de motoristas

Entenda por que os ganhos de motoristas de aplicativo variam tanto no Brasil — e como estratégia, jornada e cidade influenciam diretamente no lucro final.

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Reportagem
Apuração aprofundada sobre um tema específico, com múltiplas fontes e contextualização completa.
Motorista segurando smartphone com o aplicativo Uber aberto.
Foto: Reprodução/Internet

Com a rápida ascensão dos aplicativos de mobilidade, a pergunta “quanto ganha um motorista de aplicativo?” se tornou uma das mais pesquisadas por quem busca uma renda alternativa ou até mesmo uma nova profissão. Apesar da popularidade da atividade, a resposta para essa dúvida não é simples — os ganhos de um motorista variam bastante de acordo com a cidade, o aplicativo utilizado, os custos operacionais e, claro, as estratégias adotadas no dia a dia.

Segundo dados do Serasa, o faturamento de um motorista é influenciado por diversos fatores como localização, horário de trabalho, incentivos dos aplicativos e custos fixos e variáveis com o veículo. Essa complexidade é refletida nos números de um estudo realizado pelo app StopClub, que analisou motoristas de 10 capitais brasileiras. A média de lucro líquido (já descontando os gastos com o veículo) ficou entre R$ 1.148,27 em Recife e R$ 2.805,77 em Belo Horizonte, para jornadas que variam de 50 a 60 horas semanais.

Já a plataforma Glassdoor estima que a remuneração total mensal de um motorista de aplicativo gira em torno de R$ 2.800, sendo R$ 2.500 o salário médio fixo e cerca de R$ 300 em ganhos variáveis, como gorjetas, bônus e comissões.

Por outro lado, uma pesquisa de 2023 da Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia (Amobitec), em parceria com o Cebrap, apresentou uma estimativa mais otimista: entre R$ 2.925 e R$ 4.756 de renda líquida mensal, com uma jornada de trabalho de 40 horas semanais.

O que diz o Ipea: aumento das jornadas, queda na renda e menos proteção social

Um estudo de maio do ano passado do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), publicado no boletim Mercado de Trabalho, traz dados que reforçam o cenário de precarização do trabalho entre motoristas e entregadores de aplicativos.

Entre 2012 e 2022, o número de motoristas autônomos de transporte de passageiros cresceu de 400 mil para quase 1 milhão, mas a renda média caiu de R$ 3.100 para menos de R$ 2.400. Paralelamente, a proporção de profissionais com jornadas entre 49 e 60 horas semanais aumentou de 21,8% para 27,3%. A contribuição previdenciária, que era de 47,8% em 2015, caiu para 24,8% em 2022.

No caso dos entregadores, o número de trabalhadores plataformizáveis saltou de 56 mil em 2015 para 366 mil em 2021, mas a renda média caiu de R$ 2.250 para R$ 1.650 no mesmo período. A contribuição para a previdência também encolheu: de 31,1% (2012-2018) para 23,1% entre 2019 e 2022.

Segundo o Ipea, o modelo de trabalho mediado por plataformas impõe maior carga horária, menor formalização e menos proteção social, ao mesmo tempo em que muitos trabalhadores acreditam estar assumindo um papel de “empreendedores de si mesmos” — ideia que, para os autores, reflete mais uma narrativa do que uma realidade econômica sustentável.

O estudo ainda destaca a importância do debate sobre regulação do setor, sobretudo diante das incertezas provocadas pelas novas tecnologias e pela transformação acelerada do mundo do trabalho.

Uber diz que motoristas de app de São Paulo faturam R$ 1.715 por semana trabalhando 50 horas

A Uber, uma das principais plataformas do setor, também oferece estimativas baseadas em dados recentes dos seus motoristas parceiros. Segundo a empresa, motoristas em São Paulo podem ganhar cerca de R$ 1.715 por semana em 50 horas, incluindo valores extras, o que corresponde a aproximadamente R$ 6.860 por mês. No entanto, a própria Uber ressalta que esses valores não incluem os custos operacionais, como combustível, manutenção e impostos, e que os ganhos reais podem variar significativamente de acordo com local, horário e frequência de trabalho.

Além disso, os ganhos na Uber são compostos por múltiplos elementos:

  • Preço padrão da viagem (base, tempo e distância);
  • Preço dinâmico, ativado em regiões e horários de alta demanda;
  • Pagamentos mínimos por viagens curtas, taxas por tempo de espera e valores por passageiro adicional em corridas compartilhadas;
  • Promoções e bônus por completar determinado número de corridas ou dirigir em horários estratégicos;
  • Valores extras dados pelos próprios passageiros como gratificação pelo bom atendimento.

Mesmo com as diferentes fontes apontando valores variados, uma conclusão comum emerge: os motoristas conseguem gerar renda significativa, mas precisam lidar com altos custos operacionais e uma rotina exigente. Ainda assim, com planejamento e estratégia, é possível otimizar os lucros — como mostraremos ao longo desta matéria.

Quanto ganha um motorista parceiro da 99? 

A 99, uma das principais plataformas de mobilidade urbana do Brasil, também oferece estimativas de ganho por hora com base em dados reais dos motoristas ativos. A empresa calcula a média considerando apenas os parceiros que realizaram pelo menos três corridas por dia no último mês, dividindo o ganho total pelas horas online desses motoristas.

De acordo com os dados mais recentes da 99, as estimativas de ganho por hora nas três principais capitais são:

  • São Paulo: R$ 28,52/hora
  • Rio de Janeiro: R$ 27,86/hora
  • Belo Horizonte: R$ 28,64/hora

Esses valores são brutos, ou seja, não incluem os custos operacionais como combustível, manutenção e taxas da plataforma. A fórmula usada pela 99 é:

Estimativa de ganho = Ganhos totais / Horas online

Além disso, a 99 reforça que as estimativas variam de acordo com o volume de corridas, tempo online e estratégia de cada motorista, e que termos e condições se aplicam.

Daniel Piccinato detalha números reais da Uber Black em SP

Motoristas da 99 com aceitação acima de 70% estão sendo bloqueados, enquanto outros com taxa menor continuam ativos. Será que o algoritmo da 99 é confiável?
Foto: Daniel Piccinato 55content

Daniel Piccinato, motorista de aplicativo na categoria Uber Black em São Paulo, mostra com precisão como a estratégia faz toda a diferença na rentabilidade da profissão — especialmente quando se trabalha com um veículo de maior valor agregado, como o Toyota Corolla híbrido. Segundo ele, é possível obter um excelente retorno financeiro, desde que os custos sejam controlados e o planejamento seja constante.

Jornada de trabalho: mais de 60 horas semanais

Daniel trabalha, em média, 5 dias por semana, com jornadas diárias superiores a 12 horas. Isso equivale a cerca de 60 a 65 horas de trabalho por semana, voltadas não apenas para rodar com passageiros, mas também para planejar roteiros, encaixar corridas particulares e manter o veículo em ordem.

Apesar de não trabalhar todos os dias, ele reforça que essa carga horária elevada, concentrada nos dias mais lucrativos da semana, permite que ele tenha uma boa rentabilidade sem sacrificar sua saúde e qualidade de vida.

“Se eu trabalhasse 6 ou 7 dias, o lucro aumentaria ainda mais, pois os custos fixos seriam diluídos”, afirma.

Faturamento e lucro: números exatos

Daniel declara que, em um dia comum, seu faturamento bruto fica entre R$500 e R$600, sendo que raramente recebe menos que isso. Considerando essa média, seu faturamento mensal gira em torno de R$12.100, operando cinco dias por semana.

Após o desconto dos custos fixos mensais, o lucro líquido real que sobra em seu bolso é de aproximadamente R$5.833 por mês, o que representa R$265 por dia trabalhado.

Esse valor corresponde a uma margem líquida de 48,2%, considerada excelente para o segmento — principalmente na categoria premium, onde os custos são elevados.

Custos detalhados: onde vai o dinheiro?

Daniel abriu seus números com precisão, apresentando todos os custos fixos mensais com o veículo e operação:

  • Prestação do Corolla Híbrido (financiado): R$3.450
  • Revisão preventiva: R$500 por mês (provisão com base em manutenção a cada 10 mil km, que custa cerca de R$1.000)
  • Seguro do carro: R$650 por mês
  • Combustível: R$1.667/mês (5.000 km mensais com média de 18 km/l e gasolina a R$6)

Total de custos fixos mensais: R$6.267

Além disso, Daniel lembra que, por conta do incentivo à sustentabilidade, veículos híbridos como o dele são isentos de IPVA em São Paulo até 2026. Caso precisasse pagar o imposto, o custo anual seria de R$7.000, ou R$583 por mês, o que reduziria o lucro líquido para R$5.250 mensais e a margem para cerca de 43%.

Outro fator importante: ele leva comida de casa para economizar. Caso fizesse todas as refeições na rua, o gasto com alimentação seria de pelo menos R$30 por dia, o que significaria R$660 a mais por mês — diminuindo ainda mais sua margem de lucro.

Vantagens do Corolla híbrido

O carro utilizado por Daniel oferece uma série de benefícios operacionais e financeiros:

  • Alta economia de combustível, com média entre 18 e 21 km/l
  • Isenção de IPVA até 2026, com alíquota subindo gradualmente até 2030
  • Dispensa de rodízio em São Paulo, permitindo rodar todos os dias da semana

Essas vantagens tornam o veículo ideal para motoristas de alta performance e ajudam a reduzir o desgaste físico e emocional no dia a dia.

Uber Black vale a pena?

Na comparação entre categorias, Daniel foi enfático: o Uber Black não oferece necessariamente o maior lucro líquido, mas entrega a melhor qualidade de vida.

“No UberX, o nível de estresse é altíssimo, e as corridas não compensam. No Black, mesmo com menos chamadas, o passageiro é mais educado, o trajeto é mais seguro, e o carro se desgasta menos.”

Ele afirma que, para quem tem visão de negócio, aparência profissional e bom atendimento, o Uber Black permite acesso a clientes premium, possibilidade de parcerias com empresas e até atuação como MEI, emitindo nota fiscal e prestando serviço formalizado.

Comparativo entre UberX, Comfort e Uber Black

Daniel compartilhou também uma simulação detalhada do faturamento e dos custos médios nas três categorias em São Paulo:

UberX

  • Faturamento: R$9.600 a R$12.000/mês
  • Custos (aluguel + combustível): R$5.800
  • Lucro líquido: R$3.800 a R$6.200
  • Ganho por km: R$1,60 a R$2,00
  • Observação: Alta carga de trabalho, alto estresse e baixa rentabilidade por corrida

Uber Comfort

  • Faturamento: R$11.700 a R$13.000/mês
  • Custos: R$6.256
  • Lucro líquido: R$5.444 a R$6.744
  • Ganho por km: R$1,80 a R$2,50
  • Observação: Equilíbrio entre esforço e retorno, menos estressante que o UberX

Uber Black

  • Faturamento: R$13.000 a R$16.900/mês
  • Custos: R$8.200 (com carro alugado)
  • Lucro líquido: R$4.800 a R$8.700
  • Ganho por km: R$2,60 a R$3,50
  • Observação: Público mais qualificado, maior rentabilidade por corrida, menor desgaste físico e do veículo

Lucro é diferente de faturamento

Daniel finaliza com uma reflexão importante:

“Muitos motoristas acham que, se estão faturando R$12.000, estão ganhando isso. Mas não colocam no papel os custos com carro, combustível, seguro e manutenção. Quando surge um imprevisto, não têm reserva e acabam endividados.”

Ele orienta que os motoristas tratem a profissão com a seriedade de um negócio. Planejar, registrar custos e trabalhar com inteligência são as chaves para o sucesso no mundo dos apps.

Caso real: Adriano Moraes, motorista de app em Curitiba, revela como fatura até R$ 2.500 por semana mas lucra R$ 1.800

Foto Adriano Moraes para 55content
Foto: Adriano Moraes para 55content

Conversamos com Adriano Moraes – conhecido nas redes como @adrianonapimotorista e cabeça por trás do podcast @impactocast – da categoria Comfort em Curitiba (PR), que compartilhou sua rotina, estratégias e visão de mercado após mais de cinco anos na atividade. Trabalhando de segunda a sábado, com jornadas de 10 a 13 horas por dia, ele afirma que sua meta mínima diária é de R$ 450, mas que frequentemente ultrapassa esse valor — como no dia anterior à entrevista, quando faturou R$ 567 em uma segunda-feira.

Adriano calcula que seu faturamento médio diário gira em torno de R$ 500, totalizando entre R$ 2.000 e R$ 2.500 por semana. Seu combustível (etanol) consome de 18% a 21% do faturamento bruto, o que representa de R$ 100 a R$ 120 por dia. Além disso, ele mantém um controle financeiro rigoroso com planilhas e estima R$ 61 por dia em custos fixos, incluindo consórcio, seguro e manutenção. Assim, dos R$ 500 diários brutos, cerca de R$ 181 são custos, restando um lucro líquido que ultrapassa os R$ 300 por dia, ou seja, R$ 1.800 por semana.

Com uma taxa de aceitação de apenas 4% a 5%, Adriano é extremamente seletivo nas corridas. “Se aceitar tudo, no fim do dia você só roda e não faz dinheiro”, afirma. Ele prefere usar sua própria experiência e conhecimento de cidade a depender de apps como StopClub ou GigU, embora recomende esses recursos para motoristas iniciantes.

Sua rotina de trabalho é estrategicamente dividida entre horários focados em quilometragem (KM) e tempo, dependendo do fluxo da cidade. Por exemplo, das 6h30 às 10h, ele prioriza corridas curtas e frequentes; já no meio da manhã e fim da tarde, aproveita para aceitar viagens mais longas e rentáveis.

“Não dá para parar (de rodar) toda hora ou rodar sem metas”

Para Adriano, a mentalidade do motorista precisa mudar: “Você deixou de ser CLT. Agora é patrão de si mesmo. Não dá para parar toda hora ou rodar sem meta”. Ele defende que muitos motoristas se frustram por falta de planejamento realista. “Crie metas abaixo do seu teto, entenda seu custo fixo e respeite seu limite psicológico”, aconselha.

Além de dirigir, Adriano compartilha seus aprendizados em um perfil no Instagram e grava um podcast em casa com outros motoristas. Para ele, descansar é tão importante quanto trabalhar bem: “O motorista precisa ter um dia de folga, não importa se é domingo ou quarta. Senão, o desgaste mental impede até de enxergar boas oportunidades de corrida.”

Sobre a diferença entre categorias, ele afirma que em Curitiba o faturamento bruto de um bom motorista do X é semelhante ao do Black, desde que o motorista saiba aproveitar bem os horários e regiões. O diferencial do Black está mais no conforto e no tipo de passageiro.

Faturamento médio de R$ 13 mil por mês: a rotina intensa e planejada de Felipe, motorista da Grande São Paulo

Foto Felipe França para 55content
Foto: Felipe França para 55content

Felipe França Andrade de Oliveira é motorista de aplicativo na região metropolitana de São Paulo, com base em Santana de Parnaíba, e atua em um raio extenso que inclui cidades como Osasco, Barueri, ABC Paulista, Guarulhos e, ocasionalmente, até Campinas e Mogi das Cruzes. Com uma jornada-alvo de 12 horas diárias, seis dias por semana, ele desenvolveu uma estratégia meticulosa para otimizar o faturamento, equilibrar custos e manter um controle rígido de despesas.

Em seu melhor momento, Felipe registrou um recorde de R$ 6.100 por semana, alcançado em duas semanas consecutivas de 2022. Com mais de 85 horas de trabalho em 6 dias, ele fechou aquele mês com um faturamento bruto de aproximadamente R$ 21 mil. Em média, ele afirma manter um faturamento bruto entre R$ 12 mil e R$ 13 mil mensais, o que equivale a R$ 500 por dia ou mais de R$ 3 mil por semana, trabalhando 72 horas semanais.

Gestão financeira precisa e mentalidade empresarial

Felipe adota uma visão empresarial sobre a profissão. Seu carro é próprio e quitado, mas ele se “paga” mensalmente como se tivesse financiado o veículo, simulando um autofinanciamento e separando valores para manutenção e reposição. Ele calcula 15 centavos por quilômetro rodado para manutenção preventiva, o que gera reservas semanais de aproximadamente R$ 187,50, com base em uma média de 1.250 km rodados por semana.

O combustível é o maior custo mensal: com cerca de 200 litros de etanol por semana, ele gasta em torno de R$ 800 a R$ 840, buscando sempre abastecer com desconto. Além disso, Felipe destaca a importância de considerar o custo de oportunidade e o impacto da escolha entre carro quitado, financiado ou alugado no lucro final. Ele recomenda que motoristas iniciantes alugarem o carro primeiro, para testar a rotina antes de comprar.

Estratégia personalizada e foco em desempenho por hora

Com horário definido entre meio-dia e meia-noite, Felipe organiza sua agenda com base em compromissos pessoais, deslocamento até São Paulo e picos de demanda. Para isso, ele alterna entre as categorias Uber Black, Comfort e X, usando as mais básicas para ganhar tempo ao se deslocar para áreas de maior rentabilidade.

Ele define metas com base na rentabilidade por hora: “Se estou preso no trânsito, só aceito corridas acima de R$ 20 em 20 minutos, para manter pelo menos R$ 60/hora”. Em dias favoráveis, com corridas de rodovia, afirma atingir média de 10 km/L no etanol, maximizando o consumo e os ganhos.

Sua postura é flexível: aceita corridas curtas, médias ou longas, desde que façam sentido para o momento. “Tudo depende do cenário do dia: trânsito, dinâmica, tempo de retorno e rentabilidade. Eu me adapto ao contexto”, resume. Felipe evita decisões rígidas e foca em leitura de cenário em tempo real.

Visão de longo prazo e orientação para outros motoristas

Com presença ativa nas redes sociais, Felipe compartilha dicas com seguidores e costuma dizer que “nenhuma dívida supera um ser humano focado, trabalhando 12 horas por dia, 6 dias por semana”. Sua abordagem une disciplina, controle financeiro, adaptação estratégica e visão de negócio, o que, segundo ele, é o que transforma a atividade de motorista em uma opção financeiramente viável — e até lucrativa — para quem está disposto a se dedicar.

A realidade em Goiânia: John relata desgaste, estratégia e lucros de até R$ 3.500 

Homem branco de cabelo curto e grisalho tirando uma selfie dentro do carro, usando camiseta preta e fone de ouvido no ouvido direito. Ele está com cinto de segurança e sorri levemente para a câmera.
Foto: John Hebert para 55content

Com mais de sete anos de experiência como motorista de aplicativo em Goiânia e região metropolitana, John Hebert viveu a transformação do setor na prática. Ele conta que, no início da carreira, bastavam 6 a 7 horas de trabalho diário para alcançar uma boa renda. Hoje, para atingir os mesmos valores, é preciso trabalhar de 12 a 14 horas por dia, sem interrupções. A mudança tem uma explicação clara: “os custos aumentaram e a porcentagem que os aplicativos retêm também”, afirma.

John lembra que, quando a Uber chegou ao Brasil, cobrava cerca de 8% do valor pago pelo passageiro. Hoje, segundo ele, as taxas podem ultrapassar 50%. Enquanto isso, as tarifas continuam praticamente as mesmas de 7 a 10 anos atrás, mesmo com a alta da inflação e aumento nos custos operacionais.

Meta diária e cálculo preciso do custo por quilômetro

A meta de John é clara: R$ 300 a R$ 350 por dia, valor considerado aceitável para um motorista experiente em Goiânia. Mas ele admite que atingir esse valor tem se tornado cada vez mais difícil. “Já fiquei mais de uma hora online sem receber nenhuma corrida viável”, relata.

Com formação em compras, John calcula com precisão o custo por quilômetro rodado. Seu Renault Logan 1.6, abastecido com etanol a R$ 4,70, faz em média 8,5 km/l, resultando em R$ 0,58 por km rodado. Ele utiliza esse número como referência para aceitar ou recusar corridas:

  • Em horários de baixa demanda, só aceita corridas que paguem a partir de R$ 1,60/km.
  • Em horários de pico, o mínimo sobe para R$ 2/km, compensando o desgaste, o trânsito e o risco.

Além disso, ele denuncia discrepâncias nas tarifas dos aplicativos: já recebeu R$ 12,80 por uma corrida em que o passageiro pagou R$ 23, apontando um repasse de apenas 55% do valor.

Faturamento real e controle financeiro rigoroso

Apesar das dificuldades, John mantém controle rigoroso dos custos e do faturamento. Seu custo diário com combustível gira em torno de R$ 100, e ele calcula a média de rodagem em 120 km por dia, podendo chegar a 200 km nos dias de maior demanda.

Seu faturamento bruto semanal varia de R$ 2.000 a R$ 2.500, com lucro líquido mensal entre R$ 3.000 e R$ 3.500, após dedução de despesas. Segundo ele, muitos motoristas se iludem ao olhar apenas o valor bruto. “Já vi motorista com R$ 7.000 na carteira da Uber e mais de R$ 4.000 em custos. No fim, o lucro era menor que o meu.”

O alerta da FANMA: “Hoje, o motorista escolhe entre comer ou arrumar o carro”

Homem sorridente dentro de um carro, vestindo uma camiseta preta com os dizeres "Paulo Xavier da Fanma".
Foto: Paulo Xavier para 55content

Para contextualizar o cenário de forma ainda mais ampla, ouvimos também Paulo Xavier, presidente da Frente de Apoio Nacional ao Motorista Autônomo (FANMA) e motorista de aplicativo atuante em Belo Horizonte (MG). Com base na experiência da entidade, que acompanha diariamente os desafios enfrentados pela categoria, Paulo é categórico: “Desde o lançamento dos apps, só vimos os ganhos diminuírem”.

Segundo ele, o valor mínimo de repasse por corrida caiu de R$ 7,75 em 2016 para R$ 5,87 em 2025, enquanto todos os custos operacionais dispararam: combustível, manutenção, peças e até mesmo a mão de obra de oficinas. Em Belo Horizonte, cidade com topografia acidentada, o desgaste dos veículos é ainda maior. “Aqui é só morro. O tempo todo você está subindo ou descendo. Isso acaba com freio, pneu, suspensão… e tudo está absurdamente caro.”

“Para faturar R$ 300, o motorista gasta até R$ 120”

Paulo relata que, para faturar R$ 300 no aplicativo, o motorista precisa gastar pelo menos R$ 100 a R$ 120, dependendo do carro. Em muitos casos, ele diz, os motoristas acabam protelando manutenções por não terem recursos, o que compromete a segurança e a durabilidade do carro. “Tem gente que chega ao ponto de entregar o carro para a agência e voltar a alugar, porque não consegue mais manter o próprio veículo.”

O sucateamento do serviço e o papel das plataformas

A visão de Paulo vai além da luta individual dos motoristas: ele denuncia uma dinâmica estrutural que, segundo ele, sucateia o serviço prestado pelos aplicativos. “As plataformas brigam entre si para conquistar passageiros, mas como há uma oferta muito alta de motoristas, elas começaram a fazer um verdadeiro leilão de preços, diminuindo o valor das corridas repassadas.”

Ele explica que as tarifas pagas pelos passageiros muitas vezes não condizem com o valor entregue ao motorista: “A corrida pode ser ofertada para um motorista por R$ 10, e para outro, ao lado, por R$ 12 ou R$ 8. O algoritmo é randômico, ninguém entende.” Essa ausência de previsibilidade nas corridas, que antes tinham valor base, por tempo e por quilômetro, dificulta o planejamento e aumenta o risco de prejuízos.

Critérios de aceitação e mudança de perfil da categoria

A orientação da FANMA é clara: “O motorista precisa ser seletivo”. Paulo diz que sua taxa de aceitação gira em torno de 10%, e que 90% das corridas recebidas não cobrem sequer os custos operacionais. Ele calcula seu custo por quilômetro em R$ 1,35, e afirma que o ideal seria aceitar apenas corridas que paguem acima de R$ 2,50/km.

A consequência disso é uma mudança significativa no perfil dos motoristas: “A gente via muitos saindo do aluguel para o carro próprio; hoje vemos o contrário”, diz Paulo. Além disso, cresce o número de motoristas que retornam à CLT ou buscam outras atividades como ocupação principal, deixando os apps apenas como renda complementar.

Para ele, a profissão de motorista de aplicativo já não é mais sustentável como atividade principal para a maioria. “O motorista é uma empresa, mas os aplicativos tratam como se fosse descartável. E muitos, sem opção, continuam rodando mesmo no prejuízo.”

Tecnologia e estratégia: como motoristas com dados nas mãos podem lucrar até 5 vezes mais

Luiz Neves StopClub
Foto: Luiz Neves para 55content

Para entender o papel da tecnologia na rotina dos motoristas de aplicativo, ouvimos Luiz Gustavo Neves, cofundador do GigU, formalmente conhecido como StopClub, que é uma ferramente desenvolvida para planejamento e inteligência financeira dos motoristas autônomos. Segundo ele, estratégia e informação são os maiores diferenciais entre quem apenas dirige e quem realmente lucra.

O StopClub realiza pesquisas frequentes com motoristas e oferece uma ferramenta de Cálculo de Custos, que ajuda o usuário a entender sua estrutura de despesas com precisão. Segundo Luiz, esse acesso a dados transforma diretamente a performance financeira:

“Motoristas experientes ganham até 5 vezes mais do que iniciantes. E percebemos que os usuários do GigU — nosso sistema de cálculo de ganhos — têm um incremento médio de 30% na lucratividade.”

Segundo os dados consolidados da plataforma, a receita bruta média dos motoristas gira em torno de R$ 6.500, mas Luiz ressalta que os custos operacionais devem sempre ser considerados para obter uma visão real do lucro líquido. Cada motorista apresenta uma estrutura de custos distinta, e por isso o acompanhamento diário dos números é fundamental.

GigU: uma ferramenta para decisões mais inteligentes

Compatível com Uber, 99, InDrive e iFood, o GigU é constantemente atualizado com base na demanda dos usuários. A ferramenta permite avaliar a rentabilidade real de cada corrida, oferecendo embasamento para decisões estratégicas — algo que, segundo Luiz Gustavo, faz toda a diferença nos resultados.

“A diferença entre o motorista que apenas roda e aquele que tem estratégia é abismal. Com dados e planejamento, é possível ganhar muito mais, mesmo sem aumentar a jornada de trabalho.”

Organização financeira é chave: “Motorista que não separa lucro de faturamento vive no escuro”, diz consultor Michel Cardoso

Foto Michel Cardoso para 55content
Foto: Michel Cardoso para 55content

Para fechar a análise com uma perspectiva técnica e financeira, ouvimos o consultor financeiro, escritor e palestrante Michel Cardoso, especialista em finanças para autônomos e pequenos empreendedores. Segundo ele, o erro mais comum dos motoristas de aplicativo é confundir faturamento com lucro.

“Muitos olham apenas o valor bruto no app e esquecem dos custos invisíveis: combustível, manutenção, depreciação, taxas e até o próprio tempo. Sem esse controle, acham que estão ‘ganhando bem’, mas muitas vezes estão no vermelho”, alerta Michel.

Outro equívoco frequente é misturar dinheiro pessoal com o do trabalho. “Sem separar o que é salário, lucro e reinvestimento, o motorista não tem como tomar boas decisões financeiras”, afirma.

Percentuais para manter a saúde financeira

Michel recomenda que os motoristas adotem percentuais de referência para organizar o fluxo de caixa:

  • Combustível: no máximo 25% a 30% do faturamento bruto semanal. Acima disso, é sinal de má estratégia ou carro ineficiente.
  • Manutenção preventiva: 5% a 10% do faturamento, mesmo que não use todo mês.
  • Reinvestimento: pelo menos 10% do bruto para melhorias, revisões, equipamentos ou marketing pessoal.

“O motorista é, na prática, um pequeno empresário. E empresário que não reinveste, quebra”, resume.

Como planejar com renda variável

Diante da instabilidade do setor, Michel recomenda definir um salário fixo pessoal com base na média dos últimos 3 meses. O excedente deve ser dividido entre reserva de emergência, reinvestimentos e margem de segurança.

Um exemplo prático:

  • Faturamento médio mensal: R$ 4.000
  • Salário pessoal: R$ 2.500
  • R$ 1.500 restantes:
    • R$ 600 para reserva/aposentadoria
    • R$ 400 para manutenção
    • R$ 300 para imprevistos ou melhorias
    • R$ 200 como colchão para meses fracos

“Mesmo com renda variável, é possível criar uma estrutura previsível e saudável.”

Investir e se aposentar como motorista é possível — com disciplina

Michel defende que motoristas podem sim investir e até se aposentar com segurança, desde que tenham organização e planejamento de longo prazo. Ele sugere começar com 10% a 20% da renda líquida investida regularmente, mesmo que em valores pequenos.

Contribuições como MEI podem garantir o básico pelo INSS, mas planos privados ou fundos podem complementar a aposentadoria futura.

Ferramentas e práticas que fazem a diferença

Michel recomenda três estratégias simples:

  1. Planilha no celular: com categorias como combustível, manutenção, pedágios e ganhos.
  2. Apps de finanças: como Mobills, Organizze ou GuiaBolso.
  3. Caderno ou bloco de notas: ideal para quem prefere algo mais manual — desde que usado todos os dias.

“Mais importante do que a ferramenta é a constância. Quem monitora os números, descobre onde está perdendo dinheiro.”

Para ele, a mensagem principal é clara:

“Trate sua atividade como um negócio. Anote tudo, defina metas, invista cedo — nem que seja R$ 50 por mês. Um dia, você vai querer ou precisar parar de dirigir. E quando esse dia chegar, o que sobrar da sua organização será o que garante sua tranquilidade.”

Foto de Giulia Lang
Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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