Parte da região que, no passado, abriu estradas para que trocas comerciais acontecessem, hoje carece de meios com os quais moradores possam se locomover nelas. Localizado no interior do Rio de Janeiro, o município de Paracambi se situa no Vale do Café, território historicamente ligado ao ciclo econômico do produto, no século XIX. Atualmente, além de a cidade contar com outras poucas opções regulamentadas, o transporte público, que já atendia aos passageiros com longos intervalos, passou por recentes períodos sem circulação.
O aplicativo parece ser uma saída para alguns, mas limitada não apenas a quem pode pagar pelas corridas, como também à oferta de motoristas: muitos escolhem sair da cidade todos os dias para trabalhar em outras regiões. Em meio a esse cenário, se deslocar dentro do próprio município, apesar das curtas distâncias, como relatam os moradores, acaba se tornando uma maratona para quem vive no local.
Vivendo em uma cidade com transporte público escasso
Entre os moradores, a crítica mais recorrente é em relação à lentidão do transporte público. A estudante Ana Clara Borges, 18 anos, conta que os ônibus não circulam com frequência e que isso é parte da rotina escolar dela. A situação se agrava de acordo com o bairro, segundo relata: “Aqui, no centro, sempre tem ônibus, mas quando estou na escola demora muito mais. Às vezes, passa de duas, três horas”.
A administradora pública e professora de balé Fernanda Miguens, 28 anos, reforça a variação nos intervalos entre um transporte público e outro conforme o local da cidade. “Tem um bairro aqui, o Ponte Coberta, que são apenas três ônibus por dia. As pessoas ou pegam o de 7h da manhã, ou pegam o de meio-dia, ou pegam o de 5h da tarde”, narra. Ela acrescenta que esse escasso funcionamento do transporte público interfere ainda na segurança dos moradores: “Se for de noite, além de esperar, você ainda corre risco estando parado no ponto”.
A professora compartilha que, além das dificuldades em relação à demora dos ônibus, recentemente, aconteceram dois episódios em que nenhum dos veículos públicos circularam no local: “Nos meados da última gestão, a gente chegou a ficar quase seis meses sem ônibus rodando dentro da cidade”. Além disso, no início deste ano, os transportes também ficaram três dias sem operar. Segundo ela conta, a Prefeitura comunicou aos moradores que o problema foi resultado do fim do contrato da gestão anterior, mas que, passados esses dias, conseguiram prolongar o funcionamento com a empresa que fornece o serviço.
“Foi do nada.” Fernanda recorda que a situação chegou ao conhecimento dos moradores de surpresa, através de conversas e grupos nas redes sociais: “Eu fui trabalhar e vi que a rua estava deserta. Conversando com a menina da loja do lado sobre isso, ela falou: ‘Hoje não passou ônibus nenhum'”.
O outro modal que funciona no município, e poderia ser uma opção regular, é o trem, que, embora seja de uma empresa privada, a SuperVia, fornece um serviço público por meio de uma concessão do governo do estado do Rio de Janeiro. Ainda assim, não é uma possibilidade para deslocamento dentro da cidade, serve apenas para quem se destina a outras regiões. “A gente é a última estação. O último trem no sábado, por exemplo, sai daqui acho que antes das 20h”, esclarece Fernanda.
A professora relembra, ainda, mais uma dificuldade que o transporte público causa em Paracambi. Ela menciona que uma amiga, que mora no bairro o qual ela comentou ter apenas três horários disponíveis de ônibus por dia, precisa pagar por um veículo particular para que a filha possa estudar: “Para a menina, de 10 anos, ter acesso à educação pública, ela precisa pagar um transporte escolar. Se eu não me engano, ela paga R$ 350 por mês. É caro”.
Como se locomover quando o transporte público não atende aos moradores
As alternativas aos ônibus são poucas: táxi, carros e motos de aplicativo ou mesmo o transporte clandestino. Em relação a isso, a Secretaria de Trânsito e Transporte da Prefeitura de Paracambi afirma que o município “não possui regulamentação específica para o transporte por aplicativo”, e esclarece que na cidade “opera apenas o aplicativo de mobilidade 99, nas modalidades carro e moto, com oferta tanto de transporte de passageiros quanto de entregas”.
Com isso, os moradores acabam optando por um único tipo de transporte. Ana Clara diz que não usa táxi, pois, além do transporte público, que usa unicamente para ir e voltar do colégio, o pai a leva de carro para outros deslocamentos. Quando ele não pode levá-la, ela usa apenas carro por aplicativo. Também para Fernanda, uma das opções de transporte nem chega a ser considerada em seu dia a dia: “Os táxis ficam no centro da cidade. É muito caro: às vezes, para uma corrida de 10 minutos, eles [os taxistas] cobram de R$ 30 a R$ 40”.
Fernanda, quando o marido não tem a possibilidade de levá-la de carro a algum lugar, também recorre aos aplicativos, especialmente para ir ao trabalho, que diz ser próximo a onde mora. Ela nota, porém, que essa não é uma realidade possível para todos os moradores. “Paracambi tem uma média de salário baixa”, contextualiza. A administradora pública explica que, nem todo mundo poderia arcar com o valor que ela pagaria se usasse essa opção diariamente: “Por exemplo, uma corrida da minha casa ao meu trabalho, que é perto, costuma sair a R$ 9. Então, se eu fizer duas corridas, já foram R$ 18 por dia”.
Ela ainda relata que quem mora na cidade encontra formas alternativas para se deslocar. “Aqui, o pessoal anda muito de bicicleta, o trânsito é muito tranquilo”, diz. E completa: “Bicicleta elétrica virou uma febre na cidade. Estão abrindo lojas e lojas, porque, realmente, a mobilidade urbana de Paracambi é muito precária, e as pessoas estão se virando como podem”.
Apesar da preferência dos passageiros pelo aplicativo, motoristas não veem vantagem em rodar na cidade
Se para os moradores os aplicativos são uma alternativa, para os motoristas, Paracambi não se mostra atraente. Jair Machado, 53 anos, já trabalhou no município, mas desistiu depois de cerca de um ano atuando na região. “Aqui não tem demanda suficiente. As corridas são muito curtas e não compensa o gasto com combustível e manutenção”, afirma.
Segundo ele, a maioria das corridas solicitadas não passava de R$ 10 ou R$ 15. E complementa: “Ficava parado esperando tocar, e quando tocava era uma corrida curta. Isso não sustenta”. Neste ano, ele parou de trabalhar com aplicativos inclusive em outros lugares por conta das demandas no trabalho, que relata ser sua principal fonte de renda desde quando ainda atuava no setor. “Eu saía do meu trabalho de meio expediente às 16h e ia até meia-noite, 1h, 2h da manhã no aplicativo. Mas eu tinha objetivo: obra e troca de carro”, explica.
A visão sobre rodar na cidade é compartilhada por Douglas Miranda, 53 anos, que atualmente opta pela Zona Oeste do município do Rio de Janeiro, mas por um motivo diferente. “Paracambi tem muita gente que não é motorista de aplicativo de verdade. Eles colocam plaquinhas nos carros, param no ponto de ônibus e cobram por pessoa, como se fosse passagem”, diz. Para ele, esse transporte irregular acaba desestimulando quem trabalha de forma cadastrada: “Eles cobram o preço do ônibus e enchem o carro. Como competir assim?”.
A Prefeitura aponta, nesse sentido, que é necessário organizar o setor. “A contribuição das plataformas para a manutenção do sistema de mobilidade é fundamental, especialmente considerando a meta de consolidar Paracambi como uma cidade sustentável e resiliente”, destaca a Secretaria. A promessa é de que, com a regulamentação em andamento, os motoristas cadastrados passem a ter melhores condições de atuação.
O que poderia ser uma alternativa, acaba sendo uma falsa esperança para os moradores
A Secretaria de Trânsito e Transporte conta que ainda não possui dados sistematizados sobre a operação dos profissionais que trabalham via plataforma no município. “Ainda não há levantamento oficial sobre o número de motoristas de aplicativo atuando em Paracambi”, esclarece.
Fernanda comenta que a disponibilidade de motoristas, assim como acontece com os ônibus, depende do bairro. “Quando eles não conhecem o endereço, eles costumam não aceitar. À noite, é complicadíssimo em alguns lugares”, relata. Ela confirma o que Jair falou sobre o valor das corridas: “Se for menos de R$ 10, às vezes, o cara não aceita”.
Nos bairros localizados na Serra de Paracambi, houve deslizamentos que deixaram diversos locais difíceis para acesso. Por conta disso, ônibus ou carros maiores não conseguem passar por esses lugares. Embora o aplicativo seja possível na região, os motoristas, segundo Fernanda, não costumam aceitar corridas. “Eles não aceitam porque o aplicativo não cobra tão caro para fazer esse trajeto. E aí, se você precisar subir de carro, eles cobram R$ 40 por pessoa”, afirma, lembrando de um familiar que precisa usar cadeira de rodas e mora na região.
Em Paracambi, Fernanda elucida que quase todas as atividades culturais e educacionais estão concentradas no Complexo Cultural da Fábrica, como o Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ), a Faculdade de Educação Tecnológica do Estado do Rio de Janeiro (FAETERJ), o Balé Municipal Canto do Curió, o Espaço Cinema e Arte e até serviços como o INSS. No entanto, a carência de transporte dificulta o acesso da população, especialmente crianças e jovens, às oportunidades oferecidas no local.
Um exemplo marcante para ela ocorreu durante a Mostra de Dança realizada em junho deste ano, quando alunos de fora da cidade precisaram se apresentar antes das 20h para garantir que conseguissem transporte de volta. Na mesma noite, houve uma coincidência de eventos, como jogos e atividades religiosas na mesma região, que agravou a disponibilidade de carros por aplicativo. “Eu tive aluna que não conseguiu dançar porque não passou o ônibus”, lamenta.
Além das dificuldades para os participantes, parte do público chegou atrasado ou teve de sair cedo, e muitos dependeram de caronas improvisadas pelos próprios moradores e professores. Principalmente aqueles que moravam fora do município, precisaram dessa colaboração local para não perder o trem. “Não adianta ter um complexo cultural sem acesso”, afirma Fernanda.
Ana Clara, por exemplo, recorda outro tipo de situação difícil em que, por causa do horário, já não passaria ônibus onde estava, e o aplicativo deixou a desejar: “Foi por lá onde fica minha escola. Era noite, eu estava na casa da minha tia e nenhum carro de aplicativo aceitava. O meu primo levou a gente, se não, eu ia ter que ficar por lá”.
Apesar das falhas que reconhece, Fernanda prefere aplicativos a outras opções: “Prefiro pelo conforto. Mesmo que seja mais caro, vale a pena pela praticidade e pela segurança”. Ana Clara compartilha dessa preferência. “Se tivesse mais motoristas, seria melhor. Eu escolheria sempre aplicativo se tivesse preço bom, por causa do conforto”, reflete.
A Prefeitura da cidade relata ainda que iniciou diálogo com a 99 e prepara um Plano de Mobilidade Sustentável, em vista de diretrizes claras para o setor, além de uma futura articulação com a Câmara Municipal para “avançar na criação de normativas sobre a circulação do transporte complementar por aplicativo, incluindo a definição de mecanismos de contribuição das plataformas para a política local de mobilidade”.
Em Paracambi ou fora: o real problema dos aplicativos para os motoristas
Para Douglas, as dificuldades não estão apenas na cidade, mas também no modo de operação dos próprios aplicativos. Ele diz que já foi bloqueado pela 99 por cancelar corridas, mas argumenta que o problema é da plataforma, pois não mostra o destino da solicitação do passageiro. “Muitas vezes a corrida aparece sem destino completo. Eu aceito, abro e vejo que não quero ir para lá, então cancelo. Aí eles me punem por cancelar”, conta.
Em relação a isso, ele complementa que a falta de transparência é uma questão quando se trata de áreas perigosas. “O aplicativo não mostra área de risco. O que eu quero é que apareça a descrição completa do destino e os lugares perigosos. Isso é questão de segurança”, defende.
A Prefeitura reconhece que os dados sobre origem e destino das corridas ainda não são monitorados, mas afirma que esse mapeamento será prioridade. “Está em andamento a assinatura de uma parceria com o Red Mob, laboratório de tecnologia da COPPE/UFRJ, para o desenvolvimento de pesquisa Origem-Destino com mapeamento detalhado dos deslocamentos no município”, informa a Secretaria de Trânsito e Transporte.
Os custos de manter o carro também pesam, segundo os motoristas. “Só de manutenção, recentemente, eu gastei uns R$ 1.500. O carro sofre muito, não tem jeito: buracos, quebra-molas… mesmo com cuidado, acaba dando problema”, comenta Douglas.
Jair concorda e acrescenta que os repasses da plataforma para os motoristas são um problema: “Eles ficam com uma parte muito grande. Muitas vezes, a gente faz uma corrida de R$ 20 e recebe só R$ 14, R$ 15. É muito desproporcional”. Ele acrescenta que isso interfere nas condições do trabalho. “A gente ainda tem todo o gasto com carro, combustível, manutenção”, aponta.
No trabalho por meio de aplicativos, são as vantagens ou os empecilhos que pesam mais para os motoristas?
Douglas elege a flexibilidade como um fator fundamental para sua vida pessoal, e que isso é uma característica importante no trabalho com aplicativos para ele. “Eu estava cuidando da minha mãe doente e precisava conciliar. O aplicativo me dá essa liberdade de trabalhar quando posso e cuidar dela”, esclarece. Além de esse ter sido o motivo que o fez começar nas plataformas, ainda é o que o possibilita cuidar da mãe em três dias por semana.
Ele também ressalta como diferencial a possibilidade de circular em qualquer lugar que esteja. “Já fui para Búzios com a família de férias e aproveitei para trabalhar lá também. Isso é bom, porque não fico parado”, recorda.
Ainda assim, para Jair, não há perspectiva de melhora em Paracambi se a lógica não mudar. “Para quem mora aqui, seria ótimo que funcionasse melhor, mas para nós motoristas, simplesmente não compensa”, determina.
A Secretaria de Trânsito e Transporte, no entanto, garante que mudanças estão no horizonte. “A Prefeitura vem promovendo articulação multissetorial e multinível, tanto vertical quanto horizontalmente, incluindo diálogo com a Câmara de Vereadores, com o objetivo de avançar na regulamentação das novas dinâmicas de mobilidade no município”, afirma.