Ser motorista de aplicativo em Criciúma é uma atividade marcada por contrastes entre oportunidade e desafio. A cidade, com pouco mais de 220 mil habitantes, tornou-se um polo regional que atrai corridas não apenas de seus bairros centrais, mas também de municípios vizinhos, como Içara, Araranguá e Siderópolis. Nesse cenário, motoristas conciliam rotinas longas, custos de manutenção elevados e a necessidade de estratégias para lidar com a variação da demanda.
Enquanto alguns profissionais veem no aplicativo uma forma de sustento principal, outros utilizam o serviço como complemento de renda, trabalhando apenas em dias ou períodos mais vantajosos. As falas de motoristas como Roni Fraga, Fabiano Araújo e Jackson Fernandes revelam diferentes perspectivas sobre ganhos, desgaste, seletividade nas corridas e a relação com os passageiros.
Ao mesmo tempo, o poder público busca organizar a atividade com base na legislação municipal e no Plano de Mobilidade Urbana de Criciúma (PlanMob), aprovado em 2023, que estabelece diretrizes para integrar o transporte por aplicativos ao sistema de mobilidade da cidade.
Essa reportagem reúne os relatos de quem vive a realidade das ruas e mostra como o setor está regulamentado no município, revelando o que significa, na prática, ser motorista de app em Criciúma.
Criciúma pelo volante de Roni Fraga: “Cidade boa de trabalhar — mas você precisa jogar no contra-fluxo”
Roni Fraga trabalha com aplicativos de transporte há cerca de nove anos e atua entre Araranguá e Criciúma. Segundo ele, foram “mais de 40 mil viagens” desde o início, período em que presenciou “a parte ruim e a parte boa”, dos atritos com taxistas até a consolidação do serviço após a lei federal. Ele afirma que Criciúma é “uma cidade muito boa de trabalhar”, com percursos curtos e áreas de alta demanda como Shopping Nações e região da Próspera, mas ressalta uma carência: “o que falta em Criciúma hoje é pontos de parada específicos para motorista de aplicativo”.
Rotina e organização financeira
De acordo com Fraga, a rotina é estruturada para manter “educação financeira” e controle de custos: trabalha, em média, de 10 a 11 horas por dia, das 6h ao meio-dia e das 16h às 20h/21h. Ele calcula entre 16 e 25 corridas diárias e renda bruta próxima de R$ 300 por dia. O motorista afirma operar com um “piso mental” de R$ 1,50 por quilômetro e diz priorizar trajetos em “contra-fluxo” para aproveitar janelas de demanda — saindo dos bairros em direção ao Centro e vice-versa.
Nos custos, Fraga relata usar carro econômico e, em outra configuração, GNV: “rodo 210 a 220 km com R$ 60 de GNV”. Segundo ele, essa estratégia ajuda a fechar o dia com lucro líquido entre R$ 200 e R$ 250. Em relação à performance nos apps, afirma ter “taxa de aceitação em torno de 76% e 7% de taxa de cancelamento”, o que, segundo ele, influencia o algoritmo a oferecer menos corridas ruins.
Fraga afirma que a Uber é sua principal fonte de chamadas e a 99, “segunda demanda”. No centro de Criciúma, segundo ele, compensa fazer “corridas de R$ 6,70 a R$ 6,90 em sequência” na 99, em vez de aceitar uma única corrida mais longa e menos eficiente por hora. Ele também cita deslocamentos frequentes entre Criciúma e cidades do entorno, como Içara, Siderópolis, Cocal do Sul e Araranguá, como parte do fluxo diário.
Críticas ao “pagar na próxima”
Entre os pontos que mais o incomodam nos apps, Fraga destaca o recurso “pagar na próxima”, disponível na Uber e 99. “Isso pode dar muita briga”, afirma. Segundo ele, o recurso deveria ser controle exclusivo do motorista e usado apenas em situações justificáveis. Ele relata casos em que passageiros tentam usar a função para ir a festas sem pagar na hora, o que, na visão dele, deseduca o usuário e pode derrubar avaliações.
Questionado sobre o que espera de um novo aplicativo, Fraga defende “condições melhores de pagamento” e uma tarifa mínima fixa: “se vier com mínima de R$ 8 a R$ 10, esse aplicativo ganha a mão do chão”, afirma. Ele diz que motoristas mais antigos conseguem saque instantâneo na Uber, mas que “quem está chegando agora” não recebe na hora.
Sobre o perfil do passageiro, Fraga considera Criciúma “mais tranquila que a capital do Rio Grande do Sul” e “mais séria para pagamento”. Ele compara o cenário com Porto Alegre — onde, segundo ele, há um volume muito maior de motoristas — e diz que, em Criciúma, o quilômetro “já é mais alto”, o que permite “rodar menos e ganhar a mesma coisa”.
Aumento da oferta de motoristas
Na avaliação de Fraga, parte do aumento na oferta de motoristas vem de profissionais acima dos 50 anos que enfrentam barreiras de recolocação no mercado formal e migram para o MEI e os aplicativos. “A demanda aumentou bastante”, diz, mas ele acredita que o equilíbrio pode exigir limites de entrada, como já teria ocorrido em momentos específicos em capitais.
Vale a pena ser motorista de app?
Para Criciúma, Fraga avalia que ainda compensa trabalhar com aplicativos dependendo da situação pessoal. “Eu vivo disso”, afirma. Em sua conta, quem alega ganhos mensais muito acima da média exagera: “bruto, vai ganhar R$ 7 mil; desconta R$ 2 mil, sobra R$ 5 mil”, diz. Ele reforça que resultados mais altos citados por alguns motoristas “não existem” na prática.
Para o futuro, Fraga volta ao ponto de infraestrutura: a criação de áreas de embarque e descanso exclusivas ajudaria a organizar o serviço e traria melhores condições de trabalho no curto prazo.
Fabiano Araújo: “Só vou pra rua quando paga — o resto do mês é fraco demais”
Fabiano Araújo atua como motorista de aplicativo em Criciúma, mas relata que hoje só trabalha com o serviço nos primeiros 15 dias do mês. “O resto é só fazer corridas bem fracas, tá ruim demais aqui”, afirma. Ele explica que divide a rotina entre o transporte por app, trabalhos como eletricista e a função de síndico. “Procuro fazer outras coisas para não ficar preso à Uber e à 99, porque não está sendo mais rentável como foi”, diz.
Rotina de trabalho e regiões mais movimentadas
Segundo Araújo, o fluxo maior de corridas acontece no centro da cidade, região onde mora. Nos dias em que decide rodar, chega a trabalhar de 8 a 10 horas e percorrer até 200 quilômetros. Ele afirma que evita corridas intermunicipais, pois a chance de retornar sem passageiro é alta.
Atualmente, Araújo utiliza carro a gasolina, com consumo médio de 8 a 10 km por litro. Nos dias de trabalho, relata ganhos brutos entre R$ 200 e R$ 300, valor que considera baixo em comparação ao passado. “Antes a gente ganhava mais, hoje tá bem fraco”, afirma. Nos fins de semana e em datas específicas, como o quinto dia útil, os rendimentos podem aumentar. “Aí dá para tirar 400, 500 reais”, comenta.
Seleção de corridas e critérios mínimos
Araújo admite ser seletivo: “não tem como aceitar tudo não”. Ele adota como regra corrida mínima de R$ 10, analisando sempre a quilometragem para decidir se vale a pena. “Se pagar para mim ir longe, se valer a pena, eu vou”, diz.
O motorista reclama da diferença entre o que é cobrado ao passageiro e o que é repassado ao condutor. “O aplicativo cobra caro do passageiro e não paga para o motorista. Ele paga bem inferior”, afirma. Araújo também aponta que os valores não acompanharam os aumentos de combustível e manutenção dos veículos.
Eventos e corridas particulares
Além das corridas por aplicativo, Araújo realiza atendimentos particulares. Ele cita clientes frequentes que chegam a contratá-lo para viagens de longa distância, como buscar passageiras em Florianópolis e levá-las de volta após compromissos. Em alguns períodos, também aproveita eventos universitários e festas locais para aumentar a renda.
Araújo considera os passageiros da cidade mais tranquilos do que em outras regiões onde já trabalhou, como Salvador. “Lá era pior, o pessoal sujava mais o carro. Aqui suja menos”, afirma.
Expectativas para um novo aplicativo
Questionado sobre o que espera de uma nova plataforma, Araújo defende tarifas mais justas. “Se o valor pagasse R$ 2,00 o quilômetro, a gente aceitava todas as corridas”, afirma. Ele cita o exemplo de um aplicativo local de Videira (SC) e Caçador (SC), o Dkpop, apontado por colegas como modelo em que motoristas não precisam recusar chamadas devido aos valores.
Aumento da concorrência e impacto nos ganhos
Na visão de Araújo, a queda na rentabilidade também está ligada ao aumento de motoristas, especialmente aposentados que buscam renda extra. “Eles aceitam qualquer corrida, porque já têm a aposentadoria. Isso prejudica quem depende do aplicativo para viver”, afirma.
Vale a pena ser motorista de app?
Para Araújo, a resposta é negativa. “Não. Nem como graninha extra. Tá ruim”, diz. Ele lembra que no passado conseguiu viver apenas do aplicativo, quando fazia “no mínimo R$ 300 por dia”, mas considera que hoje o cenário mudou radicalmente. “Antes a gente levantava o valor de um conserto do carro e ainda sobrava. Agora, se depender só do aplicativo, não dá”, afirma.
Apesar das críticas, Araújo avalia que sua experiência no setor agregou aprendizado, mas acredita que as plataformas planejaram uma estratégia global de dependência do motorista. “Eles primeiro deram para o pessoal vir com fome, aí o hamster entrou na rodinha e só consegue ir atrás do alimento”, diz, comparando a lógica de incentivo inicial ao cenário atual de ganhos baixos e alta concorrência.
Motorista de aplicativo em Criciúma: experiência e visão de Jackson Fernandes
Jackson Fernandes atua como motorista de aplicativo há quase oito anos e utiliza três plataformas principais: Uber, 99 e inDrive. Segundo ele, a escolha se deve à ampla utilização desses apps no Brasil e no mundo, o que garante maior demanda. “Costumo manter os três aplicativos ligados e aceito a corrida que oferece a melhor tarifa”, afirma.
No início da carreira, Fernandes trabalhava entre 10 e 14 horas por dia. Hoje, reduziu a carga horária para 6 a 8 horas, buscando equilíbrio entre vida pessoal e profissional. Mesmo assim, relata percorrer cerca de 200 km diariamente, o que inclui corridas e deslocamentos pessoais, como levar os filhos à escola ou ir ao mercado. O gasto médio com combustível, segundo ele, é de R$ 72 por dia.
Fernandes afirma realizar entre 25 e 40 corridas por dia, variando de acordo com a demanda. O movimento é mais intenso nos horários de pico, especialmente entre 7h e 9h, quando há deslocamento dos bairros para a região central. A renda diária varia bastante, entre R$ 150 e R$ 450, mas, segundo ele, “não é suficiente”.
Seletividade e critérios para aceitar corridas
Questionado sobre seu perfil como motorista, Fernandes afirma ser seletivo: “fico bastante tempo parado”. A decisão leva em conta a tarifa oferecida e a quilometragem, já que considera inviável aceitar corridas mal remuneradas.
Perfil dos passageiros e principais problemas
Na visão do motorista, os passageiros de Criciúma são, em geral, educados. No entanto, ele já enfrentou problemas relacionados ao recurso de “pagamento para a próxima corrida”. Segundo Fernandes, essa modalidade gera insegurança, pois pode ser utilizada de forma abusiva por parte dos usuários.
Críticas às plataformas
O motorista não direciona suas críticas aos colegas iniciantes, mas sim às estratégias das empresas. “Muitas vezes, elas oferecem valores muito baixos para as corridas, o que não é ideal para a qualidade do serviço”, afirma. Ele considera que as plataformas priorizam lucros em detrimento da valorização do trabalho dos condutores.
Para Fernandes, um novo app deveria oferecer “tarifas justas” e maior transparência. Entre as sugestões, ele cita a necessidade de informações claras sobre como são calculados os valores das corridas, além de um canal de atendimento eficiente para motoristas e passageiros.
Competição e excesso de motoristas
Segundo o motorista, a queda na rentabilidade também está ligada ao excesso de condutores na praça. “Tem muito motorista”, resume.
Fernandes avalia que, atualmente, não compensa mais viver do aplicativo. “No início trabalhava menos e ganhava muito”, afirma, destacando que o cenário mudou com o passar dos anos.
A visão da passageira
Para Vanessa Gemaque, usuária frequente de aplicativos em Criciúma, a experiência de pegar Uber na cidade é prática, mas marcada por algumas particularidades locais. Ela afirma que normalmente consegue corridas com facilidade na região central, mas em bairros mais afastados pode enfrentar demora ou até indisponibilidade de motoristas.
Segundo Vanessa, os preços variam bastante conforme o horário, com destaque para a diferença nos períodos de pico. “Às vezes compensa muito mais do que ter carro, mas em certos horários a tarifa dinâmica encarece demais a corrida”, relata. Ela também comenta que os motoristas da cidade costumam ser atenciosos e que, em geral, o serviço é seguro.
Vanessa considera que que o aplicativo é essencial em Criciúma, especialmente para quem depende de deslocamentos rápidos e não quer usar transporte coletivo ou táxi.
O que diz o Poder Público?
A regulamentação do transporte por aplicativos em Criciúma é de competência municipal e está diretamente vinculada às diretrizes mais recentes da cidade para mobilidade urbana. A Prefeitura de Criciúma, por meio da Diretoria de Trânsito e Transporte (DTT), é responsável por licenciar, fiscalizar e definir regras específicas para a atividade, garantindo que motoristas e plataformas atuem de forma legal e organizada.
O marco regulatório mais atual é a Lei nº 8.511/2023, que instituiu o Plano de Mobilidade Urbana de Criciúma (PlanMob-Criciúma). Aprovado em dezembro de 2023, o plano foi elaborado em cumprimento à Lei Federal nº 12.587/2012, que estabelece a Política Nacional de Mobilidade Urbana. Ele funciona como a base para todas as políticas de transporte no município — abrangendo transporte público, individual, cicloviário, pedestre e, mais recentemente, o transporte por aplicativo.
Na prática, o PlanMob garante que o serviço de aplicativos esteja integrado ao sistema de mobilidade da cidade, alinhado a metas de acessibilidade, eficiência e sustentabilidade no trânsito.
Requisitos para motoristas e veículos
Para trabalhar legalmente, o motorista precisa cumprir exigências estabelecidas pelo município:
- Cadastro: inscrição junto à Secretaria Municipal de Mobilidade.
- CNH com EAR: é obrigatório ter a Carteira Nacional de Habilitação com a observação Exerce Atividade Remunerada (EAR).
- Documentação: apresentação da certidão de antecedentes criminais atualizada e do Certificado de Registro e Licenciamento do Veículo (CRLV).
- Veículos: devem atender aos padrões de idade, conservação e demais critérios definidos em lei.
Direitos e deveres
De acordo com a legislação local e propostas recentes, os motoristas têm o direito de receber informações claras sobre tarifas e de não sofrer descontos ou cobranças indevidas. Já as empresas responsáveis pelos aplicativos devem assegurar a prestação correta e segura do serviço, respondendo por eventuais danos aos usuários. O motorista, por sua vez, é responsabilizado em caso de dolo ou culpa.
Como funciona na prática
- O motorista se cadastra na plataforma e cumpre as exigências municipais.
- A plataforma interage com a prefeitura, fornecendo dados necessários para fiscalização.
- A prefeitura, por meio da DTT, fiscaliza a atividade, garantindo que as normas sejam respeitadas.