Em Bauru, a rotina de quem depende de transporte por aplicativo mistura conveniência, desafios e decisões estratégicas. Para passageiros como Ana Barreto, Isabel Assis e Flavio Guedes, escolher entre Uber, 99 ou alternativas como táxi e ônibus envolve mais do que apertar um botão no celular: segurança, preço justo e confiabilidade pesam tanto quanto a rapidez da corrida.
Já do lado dos motoristas, profissionais como Fabrício Soares, Douglas Coutinho e Thadeu Schiavon enfrentam jornadas longas, custos altos e valores de corrida que nem sempre compensam o esforço, refletindo uma realidade complexa, onde paciência e planejamento são tão essenciais quanto direção segura.
Paralelamente, a atuação da Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru (Emdurb), que acompanha legislações municipais e mantém a cidade organizada, mostra que o transporte por aplicativo em Bauru opera em um cenário de regulação ainda incipiente, mas em constante observação.
Nesta reportagem, o 55content mergulha nas experiências de quem usa e de quem dirige apps de mobilidade na cidade, revelando o dia a dia, as dificuldades e as perspectivas do setor local.
“Tive que andar até o endereço em uma rua que eu não conhecia”
Ana Barreto, moradora de Bauru há cerca de dois anos, é usuária frequente de aplicativos de transporte. Ela afirma que o Uber é o app que mais utiliza, principalmente por sentir mais “segurança”, mesmo reconhecendo que nunca se sente completamente protegida dentro de carros de aplicativo. A experiência nem sempre é tranquila: Ana já passou por situações em que o Uber demorou 10 minutos para encontrar um motorista e ainda a enviou para o lugar errado. “Tive que andar até o endereço em uma rua que eu não conhecia”, lembra. Para ela, um novo aplicativo só seria atraente se oferecesse maior segurança e uma relação mais justa entre motoristas e passageiros. Nos deslocamentos mais curtos ou próximos aos pontos de ônibus, Ana prefere alternativas como táxi, ônibus ou mototáxi.
“Quando os preços sobem demais, prefiro pegar o ônibus”
Isabel Assis Pereira também tem um olhar atento aos preços e à disponibilidade de carros. Atualmente, ela usa mais o 99, pois considera os preços mais baixos que os de outros aplicativos, com diferenças que chegam a até R$ 3. No entanto, dificuldades surgem, especialmente em bairros afastados de estabelecimentos conhecidos, onde já chegou a esperar cerca de 10 minutos até um motorista aparecer.
Isabel já deixou de usar apps quando os preços estavam muito altos ou quando motoristas não aceitavam quatro passageiros ou transporte de compras do supermercado. Para ela, um novo aplicativo seria interessante se tivesse um sistema de comunicação mais eficiente, permitindo que os motoristas explicassem melhor suas exigências sem cancelar a corrida na frente do passageiro. Isabel lembra um episódio em que, em um dia de chuva, precisou esperar cerca de 30 minutos e perdeu R$ 20 por causa de um cancelamento. Quando os preços sobem demais, ela recorre ao ônibus, preferindo esse meio de transporte em vez do aplicativo.
“Já aconteceu comigo de chamar o Uber, cair na minha conta e, de repente, o carro não vir”
Já Flavio Guedes explicou que prefere usar o 99. Um dos motivos é que o app só debita o valor da corrida após o término, diferente do Uber, que faz o débito antes mesmo do carro chegar. “Já aconteceu comigo, e com frequência, de chamar o Uber, cair na minha conta e, de repente, o carro não vir ou aparecer em outro lugar”, relata. Para ele, a confiabilidade do aplicativo é tão importante quanto preço e qualidade do veículo. Sobre outros meios de transporte, Flavio usa ônibus quando tem tempo, raramente recorre a táxis e prefere metrô ou ônibus em cidades maiores como São Paulo. Os apps são acionados principalmente quando a rapidez é essencial.
Longas jornadas, custos altos e a busca por ganhos que compensam
Já para os motoristas de Bauru, a rotina nos aplicativos de transporte é feita de escolhas estratégicas, longas horas ao volante e custos que muitas vezes pesam mais do que os ganhos. Entre corridas em bairros distantes, manutenção de veículos e a busca por um faturamento que realmente compense, profissionais como Fabrício, Douglas e Thadeu mostram que dirigir por apps vai muito além de simplesmente “pegar e levar” passageiros: exige paciência, planejamento e resiliência diária.
“O que mais me incomoda nos apps atuais são os valores. Um novo app deveria oferecer primeiro valores justos e, segundo, um suporte melhor”
Fabrício Soares é motorista de aplicativo em Bauru e já passou por várias plataformas ao longo do tempo. “Já usei Uber, 99, inDrive, Xis e Rota, mas hoje trabalho só com Uber e 99, porque são os apps que mais tocam na cidade”, conta. Ele trabalha, em média, 12 horas por dia e percorre cerca de 6.200 km por mês. Apesar da quilometragem, não gasta nada com combustível, já que dirige um carro elétrico.
O ganho médio de Fabrício é de R$ 300 por dia, considerando tanto corridas dos apps quanto particulares. “Isso é minha meta. Quando quero folga, foco mais nas corridas particulares, mas para ultrapassar os R$ 300 por dia seria preciso rodar mais de 12 horas”, explica. Mesmo satisfeito com a média, ele ressalta um ponto de atenção: os valores das corridas. “O que mais me incomoda nos apps atuais são os valores. Um novo app deveria oferecer primeiro valores justos e, segundo, um suporte melhor”, afirma.
Fabrício também já trabalhou com apps em outras cidades, como São Paulo e Marília, e fez diversas viagens para outras localidades. “Com certeza, São Paulo é mais rentável para trabalhar”, garante. Sobre o valor do km rodado em Bauru, ele calcula: “Não sei exatamente, mas faço uma média de R$ 1,50 por km”.
Sobre a experiência com passageiros, Fabrício garante que é, na maior parte do tempo, positiva. “Aqui em Bauru já tive problemas com passageiro só três vezes até hoje”, comenta. Ele lembra do primeiro incidente, ocorrido há mais de três anos, quando um passageiro chegou com um copo. “Na época ainda era muita novidade esse negócio de copão aqui em Bauru. Eu falei pra ele: ‘Ô irmão, é fulano?’ Ele disse que sim. Aí eu falei: ‘Beber não pode entrar no carro, né?’ Ele nem tinha entrado ainda, mas já era pra ele ter cancelado a corrida. Acabei não cancelando, então também errei. Ele insistiu, jogou fora e entrou. Aí foi treta na certa, discutimos e quase saímos na porrada”, lembra Fabrício.
O segundo problema envolveu uma passageira que não tinha dinheiro para pagar. “Cheguei no começo da corrida e perguntei: ‘Pagamento é dinheiro ou Pix?’ Ela falou Pix. Quando chegamos no destino, ela disse que não tinha como pagar e ficou de pagar depois, mas nunca mais pagou. O aplicativo nem abriu pra eu registrar a cobrança na próxima”, conta Fabrício, que ficou no prejuízo de cerca de R$18 a R$19.
O terceiro caso aconteceu com outra passageira, mas desta vez Fabrício tinha câmera de segurança. “Ela disse que ia pagar por Pix, mas na hora final falou que quem ia fazer o Pix não estava acordado. Tive que levá-la à delegacia. Com muito custo, fizeram o boletim de ocorrência, que enviei para a plataforma. A corrida que valia R$ 16 só foi reembolsada depois que provei com boletim e câmera. Acabei recebendo R$ 30 e poucos, mas foi um transtorno: discussão, briga, estresse e perda de horas na delegacia”, relata.
E quando o assunto é a vida de motorista de aplicativo, ele não tem dúvidas: “Tudo que tenho é graças aos apps. Não posso reclamar. Poderia ser melhor? Sim, poderia, mas pelo que existe, para mim vale a pena”.
Fabrício conclui refletindo sobre o trabalho como motorista de aplicativo. “No geral, ser motorista é ter paciência, saber que há dias bons e ruins, que nem um dia é igual ao outro. Tem dias que você bate a meta rápido, tem dias que se esforça e nem consegue bater. A maior meta de todos os motoristas deve ser voltar para casa são e salvo. O resto é consequência. É ter cuidado, atenção, evitar acidentes e assaltos. O resto é isso, não tem muito mais.”
“Preços baixos, sem reajuste, corrida em área isolado sem dinâmico”
Assim como Fabrício, Douglas Coutinho Cassiano também já atuou em mais de uma cidade e conhece as diferenças entre mercados. Natural de Marília, Douglas atualmente trabalha apenas com 99 em Bauru. “Só uso 99 no momento pois a Uber ainda não deu continuidade em meu cadastro”, afirma. Ele costuma trabalhar de 10 a 12 horas por dia, rodando cerca de 220 km diariamente, mas diferentemente de Fabrício, precisa lidar com custos altos de combustível e manutenção, incluindo troca de óleo, transmissão, freios e pneus.
Douglas explica que sua meta de ganhos é de R$ 800 por semana, trabalhando cinco dias, mas esse valor não considera os custos de manutenção. “Sem descontar o combustível, gasto em média R$ 35 por dia”, detalha. Ele costuma fazer cerca de 25 corridas diárias, principalmente em bairros próximos de casa, no centro e em shoppings, mas reclama que está cada vez mais difícil conseguir chamadas.
Sobre os preços pagos pelo app, Douglas é direto: “Eu prefiro R$ 1,30/km, mas as corridas que vem pagam entre R$ 0,78 e R$ 0,92/km. Preços baixos, sem reajuste, corrida em canto isolado sem dinâmico”. Ele explica que corridas com mais de R$ 2/km só aparecem em horários dinâmicos, geralmente das 6h às 7h da manhã e das 17h50 às 18h30, enquanto no horário de almoço não recebe nenhum dinâmico. Quanto a outros apps, Douglas nunca se cadastrou na Uber. “Ainda não dei continuidade no cadastro. No final do ano passado sim, agora com preços baixos sem reajuste não tá compensando”, explica.
Sobre os passageiros de Bauru, Douglas afirma que nunca teve problemas. “Se eu vejo algum problema, dou a avaliação baixa”, conta. No entanto, ele relata situações complicadas com o pagamento. “Eu tenho um valor da 99 pra receber. Fiz uma corrida longa, o passageiro jogou pra próxima e tô sem receber até hoje. A corrida foi em abril, mais de 300 km, fui e voltei sem receber um centavo. O suporte da 99 não resolveu, bati lata à toa, tô vendo que não vai resolver nunca”, explica, ressaltando a necessidade de um suporte melhor, especialmente para corridas de alto valor.
Douglas revela que aceita corridas mesmo quando é difícil conseguir chamadas para não prejudicar sua taxa de aceitação: “Fico batendo lata pra caçar corrida. Vou aceitando pra não abaixar minha Taxa de Aceitação”. Ele também comenta sobre o impacto das motos em Bauru: “Segundo os motoristas de carro, deu uma queda quando lançaram moto”.
Ele já trabalhou em Marília e compara as duas cidades: “Marília tem bom movimento, mas a taxa do app é alta. Bauru é melhor”. Pensando no futuro, Douglas avalia migrar para entregas de moto. “Penso em virar moto entregador, fazer um teste para ver se é mais rentável do que ser motorista de app”, conclui.
“Você se mata, acaba com sua saúde por alguns números e ainda corre mais riscos porque pode perder a atenção após horas ao volante”
Thadeu Schiavon, outro motorista de aplicativo em Bauru, relata sua experiência com 99 e Uber, destacando a queda nos valores das corridas. “Uso o 99 e Uber, mas só nos horários de pico. Procuro rodar apenas no Comfort porque os valores das corridas estão uma vergonha”, disse Thadeu. Ele explica que atualmente trabalha mais como um extra, pois percebeu que precisaria rodar muito tempo sem necessariamente ter lucro. “Nesse mês de julho decidi nem rodar direito, porque está uma vergonha os valores.”
O motorista conta que, quando trabalha o dia todo, chega a gastar cerca de R$150 apenas em combustível, percorrendo entre 250 e 300 km, mas que isso ainda não é suficiente para cobrir seus custos. “Por isso, tenho trabalhos extras ou faço freelancer em outros momentos com outras coisas”, afirma. Thadeu acredita que um valor mínimo justo seria pelo menos R$2,20 por km, incluindo também uma compensação adequada para voltas vazias em locais afastados.
Ele explica que a quantidade de corridas depende do dia, mas que, nos fins de semana — quando costuma trabalhar mais — faz uma média de 30 corridas. As trajetórias mais comuns são das áreas centrais para Getúlio ou vice-versa, além da região da Nações. Mesmo assim, ele ressalta que está difícil conseguir corridas e que a demanda muitas vezes acaba por volta das 18h30.
Ao falar sobre a Uber, Thadeu comenta que percebeu uma piora significativa na situação. “O custo de vida aumentou e as corridas não acompanharam essa mudança, ao contrário, até baixaram. Hoje é normal ter corridas a R$1,20 por km. Meu carro faz só no álcool uma média de R$0,65 por km… se eu escolher errado, tomo bica, porque se a volta vier vazia já perco dinheiro”, explica.
Quanto ao faturamento, ele revela que, nos melhores dias, consegue fazer entre R$300 e R$500, mas ressalta que esses números são ilusórios. “Você se mata, acaba com sua saúde por alguns números e ainda corre mais riscos porque pode perder a atenção após horas ao volante”, desabafa. Thadeu acrescenta que, embora a região de Bauru não seja perigosa, já houve casos de roubos e assaltos.
Empresa fiscaliza o transporte por aplicativo sem cobrar taxas ou exigir cadastro obrigatório
Além dos desafios enfrentados nos aplicativos, os motoristas de Bauru também lidam, de forma indireta, com a Emdurb (Empresa Municipal de Desenvolvimento Urbano e Rural de Bauru), órgão responsável pela gestão do trânsito, planejamento urbano e fiscalização do transporte na cidade. A Emdurb atua em diversas frentes, incluindo manutenção das vias, organização do tráfego, controle de zonas de embarque e desembarque e fiscalização de estacionamentos irregulares.
No caso do transporte por aplicativo, a empresa acompanha a legislação municipal (Leis nº 7.190/2019 e nº 7.244/2019) e orienta sobre requisitos como cadastro de motoristas e aplicativos, embora atualmente não haja motoristas cadastrados nem obrigatoriedade para que plataformas se registrem, e também não haja cobrança de taxas municipais específicas sobre as corridas. A quantidade de corridas realizadas e o número de plataformas oficialmente ativas na cidade não é monitorado, já que a lei não prevê sanções nem obrigações nesse sentido.
A Emdurb, porém, mantém acompanhamento constante de legislações de outras cidades para avaliar melhorias que possam ser aplicadas futuramente em Bauru, o que pode impactar diretamente a rotina, a operação e a fiscalização dos motoristas de aplicativo na cidade.