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Ao lado de uma cidade onde só a 99 opera, Uber domina a preferência de moradores em Seropédica

Insegurança nas kombis, horários reduzidos de ônibus e ruas precárias fortalecem a escolha por plataformas em município do Rio de Janeiro

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Reportagem
Apuração aprofundada sobre um tema específico, com múltiplas fontes e contextualização completa.
Fachada principal da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro com gramado e caminho de pedra ao centro
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

A apenas 75 km da Cidade Maravilhosa, outro município reluz entre áreas verdes e grandes arquiteturas coloniais. Seropédica é uma cidade que cresce, de acordo com a comparação entre os Censos de 2022 e 2010, que registrou um aumento de quase 10% no número de moradores. O transporte público, no entanto, não parece ter acompanhado esse crescimento, segundo quem vive no local, e a lacuna é preenchida por outros meios, como os aplicativos. Apesar de ser muitas vezes reconhecida como uma cidade rural por conta do predomínio histórico da atividade agrícola e da presença da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), hoje, a maior parte dos habitantes vive em espaços urbanos.

A universidade, mais conhecida no estado do Rio de Janeiro como “Rural”, movimenta ainda mais o fluxo de pessoas no município da Baixada Fluminense. Alguns, se deslocam para o centro acadêmico todos os dias, enquanto outros, se mudam para a cidade, tanto temporariamente, enquanto se formam, quanto de forma permanente. As falas de moradores de diferentes faixas etárias e de motoristas revelam como os desafios diários para o transporte na região envolvem questões singulares, como até o sinal de internet móvel, e ressaltam a importância que o serviço privado assumiu na rotina da população.

Entre a ineficiência e a pandemia: as queixas e soluções dos moradores

O cenário comum ao olhar pelas ruas de Seropédica, narrado pelos moradores, é ver ônibus intermunicipais, caminhões de carga, além de vans e kombis que circulam em más condições. A empreendedora Lita Barcelos, 65 anos, relata a insegurança de usar esse meio de transporte: “As kombis são maltratadas… umas duas ou três que têm condições. Tem umas que não deveriam nem ter saído da garagem e estão na rua”.

Ela diz que a superlotação se tornou regra. “O espaço que seria para três pessoas, vão quatro. É um negócio meio sacrificado”, detalha. Com os ônibus, a situação se repete, segundo Lita. “Se você quiser se deslocar para a Central, por exemplo, no sábado, tem um ônibus perto das 7h. Se perder, só Deus sabe quando vem outro”, critica a moradora.

Lita é dona de um espaço comunitário que recebe cursos, aulas de idiomas e atividades culturais, e que hoje também “funciona como ponto de encontro local”, o Bar Cultural, para o qual se desloca regularmente. “Eu vou de Uber desde a pandemia”, diz sobre o momento no qual os riscos de contágio nos transportes coletivos eram altos.

Para o produtor cultural Pablo Lima, 37 anos, o problema dos ônibus vai além da frequência: “A Real Rio [empresa dos ônibus que rodam na cidade] monopoliza o transporte. Se perde um ônibus, não sabe quando vem outro. Feriado então… pior ainda”.

Pablo conta que tem um “trauma com relação ao transporte público em Seropédica”: ele não nasceu na cidade, foi morar lá depois de iniciar a faculdade na Rural, em 2010. O produtor cultural morava na capital e, durante os primeiros meses de estudo, chegou a ir e voltar diariamente da universidade, mas relata que o deslocamento “era caótico” e resolveu se mudar para Seropédica.

Mesmo morando onde estudava, ele continuou tendo problemas com os transportes porque fez dois estágios durante a graduação, em diferentes regiões da cidade do Rio, na Zona Sul e na Zona Norte. Ele conta que teve que testar diversos trajetos, mas não fizeram muita diferença no tempo de deslocamento: “Eu tentei todas as possibilidades: Coelho Neto, Deodoro, Paracambi… mas demorava muito também”.

O produtor cultural reflete que os empecilhos para se destinar a determinados lugares interferem também nas relações com outras pessoas. “Se você não está visitando as pessoas, seus afetos ficam atrapalhados nesse sentido”. E complementa: “Eu sinto que alguns amigos também não vêm em Seropédica me visitar, porque sabem o quanto vão gastar”.

Os aplicativos como alternativa aos transportes coletivos

Lita afirma que, por conta dessas dificuldades, o aplicativo é uma boa opção especialmente quando está com outros familiares: “Eu gosto quando vamos eu e minha filha, que trabalha também, aí a gente divide”. Ainda assim, o valor desse serviço pesa na sua escolha sobre qual transporte utilizar. “Quando eu estou ‘dura’, quando estou sozinha, eu vou de kombi, mas, às vezes, eu me arrependo de não ter gastado mais um pouquinho para ir de Uber”, reflete.

O custo de deslocamentos conta principalmente quando se trata dos bairros mais afastados do centro da cidade, segundo relata. Lita aponta a situação de quem mora, por exemplo, no bairro São Miguel: “Para eu vir para casa dá R$ 12, mas, para lá, cobra pedágio, sempre mais de R$ 30. Imagina quem mora em São Miguel e precisa vir para estudar ou no comércio de Seropédica?”.

Ainda assim, ela recorda que os aplicativos mudaram positivamente a ida para alguns destinos. “O aplicativo facilitou muito. Antigamente, para ir a Niterói, de táxi, pagava R$ 200. Hoje, de aplicativo, dá R$ 78,90”, compara Lita.

Pablo também relata usar bastante os aplicativos atualmente: “Meu cotidiano é bicicleta ou Uber”. Apesar de afirmar usar mais a bicicleta, ele conta que o aplicativo o ajuda quando está atrasado e que o valor compensa para alguns deslocamentos nos quais ele precisa carregar livros, pois é dono de uma livraria. “A vantagem do Uber é a comodidade de você fazer seu próprio trajeto, como se tivesse um motorista particular”, também menciona.

Embora enxergue vantagens no uso dos aplicativos, Pablo diz que o valor tem sido um fator ruim ao longo dos anos: “Às vezes, eu pago R$ 10 para chegar no P1 [local na cidade próximo a onde mora], mas antigamente dava para pagar R$ 8″.

Os motoristas confirmam que a Uber se consolidou como a principal plataforma da cidade. Edson Barcelos, 53 anos, nota: “Em Seropédica é mais a Uber, quase não toca 99″.

A realidade das corridas na cidade para os motoristas de aplicativo

Edson menciona que um dos fatores que contribui para o uso dos aplicativos na cidade é “a presença da Universidade Rural”. Para ele, o impacto da comunidade universitária “ajuda, porque gira mais dinheiro na cidade”. O motorista Diego Lima, 42 anos, confirma essa visão: “Quando a faculdade para, a cidade para. Os comerciantes reclamam, todo mundo reclama”.

Embora reconheça as vantagens, Edson analisa que o sistema de repasses dos aplicativos atrapalha o lucro que poderiam ter com a rotina noturna das festas estudantis: “A Uber não te valoriza depois das 22h. Você fica até 2 da manhã numa festa na Rural e recebe o mesmo valor de uma corrida de dia. Não acho vantagem”.

Para ele, o trabalho por meio de plataformas é um “plano B, uma forma de ter mais uma ajuda de renda”, pois já tem um emprego CLT. Já Diego, vive exclusivamente do aplicativo, e considera que rodar à noite também não compensa, especialmente em outros locais: “Eu prefiro ganhar menos e ficar por aqui, mas é uma ‘sofrência’ porque cada dia que passa a gente está tendo que trabalhar mais”, relata em relação aos repasses dos aplicativos.

Ele conta que a escolha se baseia na realidade que colegas de profissão viveram fora de Seropédica. “Já tive muitos colegas que tiveram que ficar de joelho, arma na cabeça… por trabalhar no Rio”, recorda.

Nessa questão, Edson concorda: “Eu procuro limitar alguns lugares. Seropédica até o 32 [local do município], eu estou em casa. Já em Itaguaí, por exemplo, tem corrida desagradável. Prefiro rodar onde conheço”.

Ele narra um episódio de risco que viveu: “Levei uma passageira para Paracambi e, na blitz, acharam drogas na mochila dela. Tive que ir para a delegacia como testemunha. Perdi um dia de trabalho”. Ele afirma que ter o registro da viagem no aplicativo, ou seja, como prova de que ele não escolheu levá-la, foi uma grande vantagem. “Se eu não tivesse no aplicativo, teria sido pior”, analisa.

Para além das características de Seropédica, o funcionamento das plataformas compensa?

Edson diz que a manutenção é algo fundamental com que se preocupa, pois reflete na segurança tanto dele quanto do passageiro: “Sempre tem um negocinho. O carro, ao mesmo tempo que te dá um lucro, dá prejuízo, porque ‘ele trabalha'”.

Apesar das dificuldades, a atividade, ainda que secundária, se tornou uma fonte de renda importante para ele. “Compensa. Você movimenta o dinheiro na mão. Dentro da empresa você fica preso e só recebe no fim do mês. Aqui não, já volta com dinheiro”, observa.

Já para Diego, que trabalha há cerca de 7 anos apenas com aplicativos, e, hoje, tem uma rotina de trabalho das 5h às 20h, de segunda-feira a sábado, o rendimento não compensa tanto. “Hoje em dia, a gente está tendo que trabalhar muito mais para ganhar o mesmo que a gente estava ganhando no ano passado”, esclarece. Ele exemplifica: “Antes, a gente conseguia fazer R$ 2 por quilômetro. Hoje em dia, o aplicativo está pagando R$ 0,90, R$ 1,10”.

Ele acrescenta que, mesmo limitando os locais em que roda, a segurança é o fator principal de queixa em relação às plataformas. “O que mais me incomoda é essa fragilidade… eles dizem que estão sempre trabalhando para melhorar a segurança e a gente não vê isso na prática”, diz. “A nossa realidade como motorista de aplicativo é uma luta diária.”

Ele critica especialmente a Uber, que o puniu por algo que o próprio aplicativo selecionou: “Eu já tive minha conta bloqueada e banida porque peguei o mesmo passageiro três vezes no mesmo dia, mas consegui reverter na Justiça”.

Como a infraestrutura da cidade interfere no trabalho dos motoristas

Os motoristas ressaltam que a precariedade não está só no transporte, mas nas próprias ruas da cidade. “As más condições das estradas dos bairros atrapalham. Eu prefiro rodar no centro, porque é mais urbanizado. Nos bairros, só buraco e falta de iluminação”, explica Edson. Ele critica também a ausência de investimento público: “Você paga taxa de iluminação e não tem iluminação. A cidade está largada às traças”.

Diego reforça a crítica, e relata que isso conta nos custos que tem com manutenção: “A infraestrutura aqui é péssima, muito buraco, estrada de chão, pó, terra… destrói pneu, suspensão, amortecedor”.

Ele acrescenta um problema que atinge tanto os motoristas quanto os passageiros: o sinal de internet móvel. “Em muitos lugares, não pega internet de nenhuma operadora.” Diego conta que é preciso depender da solidariedade local em alguns momentos: “Acaba que, às vezes, a gente tem que bater na porta de algum vizinho ou pedir a internet do passageiro que está chegando, o Wi-Fi dele, para tentar acessar o aplicativo e poder finalizar a corrida”. Ele relata, ainda, que muitos passageiros também ficam sem sinal no celular e pedem para o motorista “rotear para eles poderem pagar”.

A regulamentação sobre o transporte por aplicativo na cidade não é uma questão para Edson, que diz que o poder público “não tem barreiras” à atividade no município. Já Diego, considera ser algo necessário, mas se beneficiar realmente os motoristas. “A regulamentação ainda está engatinhando lá em Brasília. Então, assim, tem muita coisa para acontecer”, afirma.

Até o momento, não foram encontradas informações públicas em fontes oficiais do município sobre a regulamentação do transporte por aplicativo em Seropédica.

A reportagem também entrou em contato com a Prefeitura e com a Secretaria Municipal de Transporte, mas não obteve retorno às solicitações de entrevista nem a pedidos de esclarecimento sobre a existência de regulamentação específica para o transporte por aplicativo na cidade.

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