Em Montenegro (RS), a mobilidade urbana vem passando por mudanças impulsionadas pelos aplicativos de transporte, que disputam espaço com táxis, ônibus e mototáxis. Enquanto moradores avaliam disponibilidade, custo e segurança na hora de escolher um app, motoristas e autoridades de trânsito enfrentam desafios distintos, como oferta de veículos, regulamentação e atendimento à demanda da população.
A cidade, que conta atualmente com Uber, 99 e Buscaí, mostra diferenças claras na experiência de passageiros e profissionais do setor, revelando problemas e oportunidades para quem depende do transporte por aplicativo no dia a dia.
Sidnei Jean Martins conta que utiliza principalmente a 99 e não enfrentou dificuldades para conseguir corridas, apesar de manter o ônibus como alternativa. Para ele, a disponibilidade de motos na cidade é limitada, com apenas dois veículos disponíveis. “A 99 poderia melhorar o valor das corridas. Então, eu iria preferir um app mais econômico”, comenta.
Já Amanda Martins prefere a Uber pela rapidez no atendimento. Moradora de uma área mais afastada, ela já teve dificuldades para conseguir carro, principalmente à noite. Por essa razão, deixou de usar a 99, que quase nunca apresenta veículos disponíveis em sua região. Quando não usa Uber, recorre ao táxi. Para Amanda, a prioridade seria um app com mais disponibilidade de carros e menor tempo de espera.
Evelyn Martins destaca o problema da falta de veículos em determinados horários e regiões da cidade, como o Bairro Estação e bairros de menor renda. Segundo ela, mesmo quando há motoristas na plataforma, os valores costumam subir nos momentos de maior demanda, principalmente aos domingos à noite. Evelyn já deixou de usar apps por falta de carros e por experiências negativas com motoristas, como assédio. Para ela, um valor fixo nas corridas seria um incentivo para experimentar um novo app. Quando não usa aplicativos, Evelyn opta por táxis.
No geral, a experiência dos passageiros em Montenegro revela três desafios centrais:
- Disponibilidade de veículos, especialmente em bairros afastados e horários de maior demanda;
- Custo das corridas, que pode variar conforme demanda e limitações do app;
- Segurança, que ainda influencia a escolha entre aplicativos, táxis ou transporte público.
Jaime Buttenbender: diretor de Turismo e motorista de aplicativos em Montenegro
Jaime Buttenbender, diretor de Turismo da cidade de Montenegro, no Rio Grande do Sul, não se limita à gestão pública: para complementar a renda, ele também trabalha como motorista de aplicativos. Com uma rotina que mistura cargos públicos e corridas, Jaime revela o dia a dia de quem precisa conciliar duas realidades diferentes, mas conectadas pela mobilidade urbana.
“Eu sou diretor de Turismo, mas faço esse trabalho como complemento de renda. Uso três plataformas: Uber, 99 e Buscaí, mas hoje é a Uber que utilizo mais, principalmente pela questão do pagamento”, explica.
Segundo Jaime, o transporte público em Montenegro é precário, com ônibus antigos, poucas linhas e horários restritos. Essa deficiência do serviço público acaba gerando maior demanda pelos aplicativos, mas também impõe desafios aos motoristas.
“O valor pago pelos aplicativos muitas vezes é baixo: entre R$1,20 e R$1,30 por quilômetro, às vezes menos de R$1. Para conseguir ganhar algo próximo de R$1,70 a R$2 por quilômetro, é preciso mesclar os três aplicativos simultaneamente”, detalha. Ele conta que essa estratégia permite otimizar o deslocamento, aproveitando corridas de diferentes plataformas que se complementam.
Jaime descreve o dilema que os motoristas enfrentam entre satisfazer passageiros e maximizar ganhos. Cancelamentos, tempo de espera e viagens mais vantajosas no meio do trajeto são desafios frequentes:
“Como motorista, às vezes aceito uma corrida, mas aparece outra que paga melhor. Cancelar a primeira não é ideal, mas faz parte da dinâmica. Como passageiro, entendo que é frustrante esperar, mas também é preciso compreender a lógica do motorista”, comenta.
Além do desafio econômico, Jaime aponta problemas de segurança e qualidade dos veículos. Ele já recebeu relatos de passageiros sobre carros em péssimas condições, sujos ou conduzidos por motoristas sob efeito de álcool ou drogas. Segundo ele, essas situações são encaminhadas à prefeitura, que comunica as plataformas para que os motoristas sejam removidos do sistema.
Rotina e ganhos
Mesmo trabalhando como “bico”, Jaime percorre entre 120 e 230 km por dia. Durante a semana, seu faturamento bruto varia entre R$300 e R$400 por dia, enquanto nos finais de semana, em dias de festas ou eventos, ele pode chegar a R$500 ou R$600.
“É um trabalho intenso. No fim de semana, faço até 12 horas seguidas. O movimento aumenta bastante, principalmente em bairros com maior concentração de corridas, como Aeroclube, Germano Henque, Timbaúva e o centro da cidade”, relata.
Jaime também compartilha estratégias para otimizar os ganhos: conhecer a cidade e suas rotas permite mesclar corridas de diferentes apps e evitar deslocamentos ociosos.
“Tem bairros em crescimento que geram trajetos de 7 a 10 km. Quando há poucos motoristas em uma região, você consegue pegar uma corrida que remunera o deslocamento inicial e, ao mesmo tempo, aproveitar outra de outro app, equilibrando o rendimento final”, explica.
A experiência de Jaime também mostra como motoristas de cidades vizinhas impactam o mercado: profissionais de Porto Alegre, São Leopoldo e outras cidades próximas frequentemente atuam em Montenegro, aumentando a competição e influenciando a disponibilidade de corridas.
Desafios da legislação e do espaço urbano
Sobre regulamentação, Jaime explica que não há taxas municipais específicas para motoristas de aplicativos na cidade. Ele ressalta a necessidade de seguir a legislação federal e lembra que tentativas de leis municipais já foram revogadas em outros municípios por não se alinharem com as normas nacionais.
Além disso, a questão do espaço urbano é um ponto sensível. Motoristas reclamam da falta de locais adequados para embarque e desembarque, e criar pontos exclusivos para aplicativos poderia gerar conflitos com o comércio e com taxistas, cuja rivalidade com os apps é antiga.
“O poder público não consegue interferir diretamente. Cada motorista precisa desenvolver sua própria estratégia. Se achar que não compensa, é melhor buscar outra forma de renda, como entregas de produtos, que muitas vezes pagam mais”, observa.
Reflexão sobre a mobilidade em Montenegro
A visão de Jaime revela o equilíbrio entre oferta e demanda, preços e qualidade do serviço, segurança e regulamentação. Ele reconhece que o modelo atual tem limitações, mas também oportunidades:
“É um meio-termo complicado. Às vezes, o passageiro reclama do preço, mas paga por um serviço de qualidade. É diferente de Porto Alegre, onde a corrida paga mais, mas o custo de vida também é maior. Em Montenegro, é preciso conhecer a cidade, entender o horário certo e otimizar cada corrida”, conclui.
Charles Camilo e a rotina no Buscaí: entre corridas locais, custos altos e ganhos apertados
Enquanto Jaime Buttenbender traça sua rotina dividida entre a direção de Turismo e as corridas em aplicativos, outro motorista de Montenegro, Charles Camilo, compartilha uma experiência igualmente reveladora do mercado local, mas com desafios distintos. Charles relata que o Buscaí, aplicativo local da cidade, é sua principal plataforma, enquanto a Uber é usada apenas ocasionalmente, devido aos valores baixos das corridas, que muitas vezes não cobrem nem a manutenção do veículo. Ele afirma:
“O aplicativo que eu mais uso hoje é o Buscaí. De vez em quando a gente liga até a Uber, mas é bem difícil, porque as corridas da Uber possuem um valor bem abaixo e não dá pra manter o carro. Dificilmente eu consigo pegar a corrida.”
Em média, Charles fatura entre R$200 e R$300 por dia, um valor insuficiente diante das despesas com combustível, manutenção e prestações do carro. Segundo ele, o que mais incomoda nos aplicativos é justamente a defasagem do valor das corridas:
“Ainda hoje, na cidade, o Buscaí é o que paga um pouquinho melhor comparado aos outros aplicativos. A taxa da empresa fica entre 16% e 20%, enquanto a Uber fica com 35% a 40%, às vezes até 50% dos nossos ganhos. Eu gostaria que o outro app oferecesse valores melhores e tivesse um equilíbrio, que não ficasse ruim nem pro passageiro, nem pro motorista.”
Charles descreve uma rotina intensa, com 15 a 30 corridas diárias, predominando chamadas nos bairros Timbaúva, Centro e arredores do Senai. Ele percebe que há mais motoristas do que demanda, o que aumenta a concorrência e diminui o potencial de lucro. Os gastos com combustível variam de R$100 a R$150 por dia, enquanto o deslocamento diário fica entre 300 a 400 km nos dias mais movimentados e 150 a 200 km nos dias mais fracos. Ele ainda faz comparações claras entre plataformas:
“Hoje, em média, a corrida da Uber paga R$5,88 para o motorista e cobra R$ 10 do passageiro. Comparando com outro aplicativo local, que cobra R$9 do passageiro e paga R$7,50 para nós, é complicado.”
Mesmo com essas limitações, Charles mantém o ritmo de trabalho para sustentar a renda, enquanto colegas chegam a rodar 12 a 14 horas por dia, faturando até R$400 bruto. Ele também complementa a atuação fazendo corridas para cidades vizinhas como Porto Alegre, Canoas e Caxias, buscando otimizar ganhos e aproveitar oportunidades fora do mercado local.
Regulamentação ainda ausente: a visão da prefeitura sobre aplicativos de mobilidade
O diretor de Transporte e Trânsito, Paulo Reinaldo Tempass Junior, detalha a situação dos aplicativos de mobilidade na cidade. Segundo ele, a Uber atua como plataforma nacional, sem registro ou cadastro local, o que gera incertezas quanto à sua regularização municipal.
Já o Buscaí, aplicativo desenvolvido na própria cidade, cumpre suas obrigações fiscais, pagando impostos ao município. No entanto, os motoristas que operam pelo app não possuem cadastro no Departamento de Trânsito local. “Não tem nenhuma regulamentação municipal”, resume Paulo, evidenciando a lacuna normativa que ainda marca o setor na cidade.