Opinião do Daniel: Uber vai sempre tentar reduzir o preço, canibalizando o serviço até o ponto em que o motorista pague para trabalhar

Apps cobram pouco dos passageiros, repassam pouco para os motoristas e a margem para ele não quebrar é baixa: motorista de Uber Comfort ganha como o de um Uber X, e o motorista de Uber X como o de um Uber Moto. 

Homem de boné preto e barba curta sentado no banco do motorista de um carro, olhando para a câmera.
Foto: Daniel Piccinato para 55content

Este texto não reflete, necessariamente, a opinião do 55content

No artigo de hoje, quero falar sobre o modelo de negócios da inDrive, que, na minha opinião, contribuiu para a queda no ganho dos motoristas. Recentemente, a inDrive completou oito anos de operação no Brasil. Quando ela chegou, veio com uma proposta diferente da Uber e da 99.

É bom lembrar que, antigamente, a Uber usava o modelo de tarifa dinâmica com multiplicador e pagava por quilômetro e por tempo. A 99 também adotava esse modelo. Com a chegada da inDrive, todas as empresas precisaram mudar seus modelos de negócio para se adequar à nova forma de negociação de corridas. Inclusive, tanto a Uber quanto a 99 tentaram copiar o formato da inDrive, com algumas adaptações. Quem se lembra do Uber Promo? Do 99 Poupa? E mais recentemente, o 99 Negocia?

Muita coisa mudou com a chegada da inDrive. A ideia parecia boa para os motoristas, mas a realidade é que a maioria deles não está preparada para negociar com os passageiros e tirar vantagem disso. São poucos os motoristas que, em certos momentos, conseguem negociar valores maiores para obter um melhor lucro.

Por que estou dizendo isso? Motoristas mais antigos devem lembrar que, quando a inDrive chegou — também no período da pandemia —, as empresas começaram a baixar os preços. Hoje, quem trabalha com UberX, 99Pop e inDrive percebe que as corridas estão pagando muito pouco. E por que isso acontece?

A concorrência é excelente para os passageiros, mas ela pressiona os preços para baixo e isso reflete diretamente no que é repassado ao motorista. O modelo de negócios da inDrive é baseado em preço fixo. Ela nunca pagou compensação por tempo, por quilômetro, muito menos ofereceu tarifa dinâmica.

Antes, na Uber, quando uma corrida demorava muito no trânsito, o sistema pagava por tempo e por distância. O mesmo acontecia com a 99. Com o tempo, a Uber passou a adotar o modelo de preço fixo, oferecendo o valor da corrida direto na tela. Se o trânsito for intenso, às vezes há um reajuste — às vezes não. A 99 segue o mesmo padrão.

Na minha opinião, todas essas mudanças nos aplicativos começaram com a chegada da inDrive. Mas será que a inDrive é a grande vilã da história? Não. Ela é uma empresa que busca lucro e tem um modelo de negócios que vende para a sociedade como sendo mais justo. Afinal, o motorista negocia com o passageiro e precisa colocar crédito no aplicativo para trabalhar, o que dá uma aparência de controle e liberdade.

Mas o que realmente acontece? A própria inDrive sabe — e a gente também percebe — que, por causa desse modelo, o motorista é induzido a aceitar o primeiro valor oferecido, que normalmente é o mais baixo. E aqui entra um ponto importante: a gente luta por melhores tarifas, por aumentos, mas as empresas estão em constante disputa. Quando uma oferece corridas mais baratas para os passageiros, as outras seguem o mesmo caminho para não perder espaço.

A Uber, por exemplo, recentemente reduziu os preços no início do ano. Por quê? Porque no ano passado, a inDrive tentou uma iniciativa colocando a corrida mínima em R$ 10, com um ganho por quilômetro mais alto. A Uber, percebendo que os motoristas estavam migrando para a inDrive, baixou os preços para os passageiros com o objetivo de sufocar a concorrência.

Essa guerra entre as plataformas é boa para os passageiros e boa para as empresas, mas não para os motoristas. Após 10 anos de Uber e 8 anos de inDrive no Brasil, dá para perceber que o Uber Comfort de hoje virou o novo UberX. E o atual UberX paga tão pouco que é quase como um UberMoto.

Ou seja, a inflação não foi acompanhada. O motorista do Comfort hoje ganha o equivalente ao que se ganhava no UberX de 10 anos atrás, e quem roda no UberX atualmente está ganhando o que uma moto deveria ganhar. O modelo de negócios da inDrive acabou criando uma barreira que impede a Uber e a 99 de reajustarem os valores e melhorarem a situação do motorista.

Mas estou dizendo que a culpa é da inDrive? Não. Também não estou justificando que Uber e 99 deixem de aumentar os repasses. O que está acontecendo é que o próprio mercado está empurrando os preços para baixo.

Muita gente diz que a inDrive deveria criar uma categoria Black. Mas, se isso acontecer, é bem provável que acabe barateando ainda mais as corridas, pois entraria em competição direta com o Uber Black e o 99 Electric Pro.

Então, precisamos entender uma coisa: a inDrive é uma empresa com fins lucrativos e seu modelo de negócios exige habilidade de negociação por parte dos motoristas — e a maioria ainda não está preparada para isso. Os motoristas acabam aceitando qualquer corrida com pressa, sem avaliar os custos e ganhos reais. E as empresas estão tentando vencer umas às outras, e infelizmente quem mais sofre com isso é o motorista que roda no UberX, 99Pop e inDrive.

Esses aplicativos cobram pouco dos passageiros e repassam pouco aos motoristas, o que gera uma margem de lucro muito baixa. O motorista que não escolhe as corridas, que aceita qualquer uma rodando no X, Pop ou inDrive, vai ter alta quilometragem, desgaste acelerado do carro e pouco lucro.

Por isso, em muitos dos meus vídeos, quando me perguntam sobre qual carro comprar, eu recomendo escolher um que permita acesso ao Comfort ou, pelo menos, ao 99 Plus. Pode ser um Argo, por exemplo. Assim, o motorista não fica preso às categorias que pagam menos.

Infelizmente, quem roda só no UberX, 99Pop ou inDrive sofre com essa sazonalidade e a briga entre os aplicativos, que vem puxando os ganhos cada vez mais para baixo. Motoristas que conseguem ganhar um pouco mais são poucos: aqueles que rodam de madrugada, quando há menos concorrência e mais demanda, ou os que atuam na periferia, onde poucos querem buscar passageiros e, por isso, conseguem cobrar preços mais altos.

Mas, no geral, a grande massa de motoristas sofreu com esse modelo de leilão de corridas da inDrive, que jogou os preços para baixo. Isso dificulta bastante a entrada de novos aplicativos no mercado.

Nas regiões do interior, os aplicativos regionais até conseguem algum êxito, porque trabalham com um grupo pequeno de motoristas, valorizam o trabalho e são mais seletivos. Mas, nas grandes metrópoles, onde não existe esse contato entre os motoristas, fica quase impossível fugir da Uber, da 99 e da inDrive.

Por isso que muitos me perguntam se é necessário criar um novo aplicativo para competir com a Uber. O problema é que a Uber vai sempre tentar puxar o preço para baixo, canibalizando o serviço até o ponto em que o motorista praticamente paga para trabalhar.

Essa é a minha opinião. Quero saber a sua — deixa aí nos comentários. Tamo junto e até o próximo texto. Valeu, tchau!

Foto de Daniel Piccinato
Daniel Piccinato

Daniel começou a trabalhar como motorista de aplicativos em 2016, buscando maior estabilidade após sentir insegurança na empresa onde estava. Inspirado por conversas com o filho do dono, ele logo se uniu a outros motoristas em um grupo de WhatsApp, onde trocava dicas para melhorar seu desempenho. Em 2018, criou um canal no YouTube para compartilhar orientações sobre horários e estratégias de trabalho. Com o sucesso, expandiu para o Instagram em 2020, continuando a ajudar motoristas ao compartilhar sua experiência.

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