A Uber começou a testar um novo recurso no Brasil: a autoidentificação de usuários com cão-guia. Na prática, funciona assim: você aceita a corrida normalmente e só quando se aproxima do ponto de embarque aparece um aviso na tela informando que aquele passageiro está com cão-guia.
É parecido com o que acontece em corridas em dinheiro: você só descobre perto do embarque. Se, ao ver o aviso, pensar em cancelar, o app mostra uma mensagem extra lembrando que recusar passageiro com cão-guia é contra a Lei Federal 11.126/2005 e contra a política da plataforma — e que isso pode levar à desativação da sua conta.
O que diz a Uber (e a lei)
Pela própria política da Uber no Brasil:
- transportar usuário com cão-guia não é opcional, é obrigação legal;
- recusar corrida por causa do cão-guia é considerado discriminação;
- motoristas que fizerem isso podem ter a conta desativada de forma definitiva.
E a lei não vale só pra Uber: serve pra táxi, ônibus, metrô e qualquer transporte público ou individual. Ou seja, não é “porque a Uber quer”: é legislação federal.
Lembrando também do óbvio que às vezes a gente esquece: ninguém tem cão-guia porque acha bonitinho. A pessoa tem deficiência visual e precisa daquele animal pra conseguir se locomover com autonomia. O cão é literalmente os olhos dela na rua.
Onde a regra pesa pro lado do motorista
Na parte de limpeza, a política da Uber é bem clara — e um pouco injusta com a gente:
- o passageiro não pode ser cobrado por taxa de limpeza só por causa de pelos do cão-guia;
- se, mesmo assim, for cobrado, a Uber promete estornar;
- só em casos de sujeira extra (xixi, cocô, vômito, lama etc.) é que a plataforma pode pagar taxa de limpeza ao motorista, depois de analisar fotos e nota fiscal.
Ou seja: se o cachorro só soltar pelo, você limpa e pronto. Nada de taxa automática.
Do ponto de vista da empresa, é uma forma de proteger o usuário com deficiência. Do ponto de vista do motorista, é mais um custo que cai no nosso colo sem muita conversa. Em casos de pelo em excesso ou cheiro muito forte, faria sentido ter mais flexibilidade — mas, hoje, a regra oficial é essa.
Na prática: o que cabe ao motorista
Você não está fazendo favor nem “caridade”: é trabalho pago sob uma lei específica. Gostando ou não, hoje o jogo é esse:
- Apareceu aviso de cão-guia? A corrida tem que ser feita.
- Não quer problema com conta bloqueada e processo? Não cancele por causa do cão.
- Está com medo de sujeira? Dá pra minimizar o risco:
• combine com o passageiro de deixar o cão no assoalho, e não no banco;
• explique com educação que banco (ainda mais de couro) pode furar com unha;
• mantenha pano, aspirador portátil ou escovinha no carro pra resolver pelo rápido.
Caso aconteça uma sujeira séria (xixi, vômito, algo que realmente impeça de seguir trabalhando), o caminho é o de sempre: parar de rodar, fotografar tudo, fazer limpeza em lugar com CNPJ, pegar nota fiscal detalhada e abrir chamado no suporte explicando a situação. A Uber pode ressarcir, mas vai analisar caso a caso.
Vale a pena brigar por isso?
Se a gente for olhar pelo lado frio da estatística, corridas com cão-guia são raríssimas. Em anos de volante, tem motorista que nunca pegou nenhuma; outros contam duas ou três viagens no máximo. Já passageiro bêbado vomitando no banco, por exemplo, é bem mais comum.
Então, no balanço geral:
- o risco de perder a conta por recusar um cão-guia é alto;
- o impacto no seu dia a dia é baixo, porque quase não aparece;
- o custo de fazer a corrida, na maioria dos casos, é pequeno.
A política da Uber é longe de ser perfeita, principalmente quando o assunto é custo de limpeza. Mas, na realidade de hoje, bater de frente por causa de cão-guia é comprar uma briga grande por algo que você vai ver pouquíssimas vezes no ano.
Se aparecer o aviso, respira fundo, trata o passageiro como qualquer outro, deixa o cão no chão, protege seu carro do jeito que der e segue o jogo. Melhor isso do que arriscar sua conta — e sua renda — por uma corrida que a lei já decidiu que você é obrigado a fazer.