Não tenha dúvida: se alguma coisa é boa para o motorista de aplicativo, pode ter certeza de que as plataformas vão se incomodar. Se algo está dando muito resultado, sendo de fato satisfatório para o motorista, principalmente para a Uber, dá para apostar que isso vai ser atacado em algum momento.
É só olhar os resultados que a Uber, volta e meia, solta para a imprensa mundial: faturamento aumentando milhões e milhões de dólares.
E na ponta, você sabe muito bem de onde saiu esse dinheiro: do seu bolso. Ou seja, é um fato, quase uma regra:
- Se é bom para o motorista, incomoda a plataforma.
- Se é bom para a plataforma, o motorista está sendo sacrificado.
E é exatamente isso que está acontecendo agora com a divulgação do parecer do relator Augusto Coutinho sobre o projeto de regulamentação dos motoristas de aplicativo.
Amobitec, “retrocesso” e o chororô das plataformas
As plataformas, por meio de sua associação, a Amobitec, já vieram a público manifestar repúdio ao parecer do relator. Chamaram a proposta de “retrocesso”, disseram que prejudica o modelo de negócios de Uber, 99 e afins… aquele discurso padrão cheio de “isso inviabiliza a inovação”, “atrapalha o mercado”, blá, blá, blá.
Tradução: Se a Uber está reclamando tanto, é porque, no mínimo, o projeto não é um desastre completo para o motorista. Se não é perfeito, é pelo menos o menos ruim entre quase tudo que já apareceu na Câmara dos Deputados para regulamentar o trabalho dos motoristas.
Quando eu falo “todos os projetos”, tem uma exceção importante: o PL 536, de autoria da Frente Parlamentar coordenada pelo deputado Daniel Agrobom (PL/GO). Mas como esse não foi adiante para votação, vamos focar nos outros, incluindo o famigerado PLP 12/2024, aquele elaborado em conjunto por Uber, governo e sindicatos.
E aí vem a pergunta: Por que a Uber está tão incomodada com o parecer de Augusto Coutinho?
Vamos aos pontos.
1. Transparência algorítmica: fim do banimento “no susto”
Um dos itens que mais irritou a Uber é a previsão de transparência algorítmica.
Na prática, isso mexe diretamente na farra dos banimentos aleatórios. Hoje funciona mais ou menos assim:
- Um passageiro inventa que você discriminou alguém, que foi homofóbico, grosseiro, qualquer coisa.
- Para a Uber, pouco importa se é verdade ou não: basta o relato.
- Ela vai lá e te bloqueia sem apurar nada, sem checar prova, sem ouvir seu lado.
- Resultado: pai e mãe de família ficam sem sustento de uma hora para outra.
Segundo o parecer, isso muda. A plataforma:
- Vai ter que garantir direito à ampla defesa.
- Não vai poder fazer bloqueio imediato, a menos que seja um fato comprovadamente grave.
- Nos casos sem gravidade urgente, vai precisar de provas robustas para desativar a conta.
Isso atinge o coração do modelo de negócio da Uber, que sempre funcionou assim: “Se o passageiro reclamou, azar do motorista. Bloqueia e pronto.”
Sem responsabilidade, sem transparência, sem critério.
2. Possibilidade de aumento de tarifa para o motorista
Outro ponto que incomodou a Uber foi o parecer prever que estados e o Distrito Federal possam aumentar a tarifa para o motorista, criando um mecanismo de correção tarifária.
Ou seja:
abre-se a porta para que o valor pago ao motorista não fique congelado enquanto o custo de vida só sobe.
Isso é tudo o que a empresa não quer. Desde 2016, a Uber vem canibalizando preços, baixando tarifa, empurrando desconto e jogando o custo real da operação nas costas do motorista.
Se houver um caminho legal para reajustar tarifa a favor de quem dirige, a conta começa a mudar — e a empresa perde o controle total do jogo.
3. Limite de 30% de taxa da plataforma
Aqui está o ponto que, na minha opinião, faz a Uber chiar mais alto: o parecer coloca um teto de 30% de desconto que a plataforma pode tirar da tarifa do motorista.
Eu, pessoalmente, acho 30% muito alto.
Na minha visão, o limite justo deveria ser, no máximo, 20%. Mas, ainda assim, estabelecer 30% já é um freio importante.
Por que isso deixa a empresa possessa?
Porque você sabe o que acontece hoje, principalmente:
- Em viagens com muito dinâmico,
- Em corridas longas,
A plataforma abocanha 50%, 60% ou até mais da tarifa, deixando o motorista com a parte menor, mesmo fazendo todo o trabalho e assumindo todos os riscos.
Com esse teto de 30%, ela não poderia mais fazer essa mutilação no seu ganho. E aí vem o discurso padrão:
“Isso prejudica o nosso modelo de negócios…”
Prejudica mesmo. Porque o modelo de negócios dela é estrangular o motorista para inflar o próprio lucro.
Se a Uber está esperneando, é porque tem coisa boa aí
Eu poderia listar outros pontos do parecer, mas a ideia aqui não é fazer um dossiê jurídico — é te mostrar o essencial:
- Se a Uber está esperneando, xingando o parecer de “retrocesso”,
- É porque, pela primeira vez em muito tempo, existe um texto que traz benefícios concretos para o motorista.
Pode melhorar? Pode, e deve. E aí entra o trabalho da Frente Parlamentar encabeçada pelo deputado Daniel Agrobom, junto com motoristas que estão em Brasília acompanhando tudo de perto, tentando ajustar o que ainda precisa ser aprimorado.
Pode piorar? Também pode — nem precisamos ser ingênuos. Mas, pelo cenário atual, a tendência da comissão é, no mínimo, aprovar o projeto como está. Nossa expectativa é de que ainda rolem ajustes que deixem o texto menos ruim e mais favorável para quem está na rua todo dia.
E quanto à Uber… Sorry. Sinto muito por você, minha cara plataforma, mas dessa vez parece que vai ter que engolir.
Se essa informação te ajudou, deixa aquele like de sempre e compartilha com seus colegas motoristas.
Por hoje eu fico por aqui. Um abraço e até o próximo encontro. Fui.