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Passageiro não é seu amigo: Uber bloqueia motorista após passageiro duvidar da foto de perfil

A Uber acredita muitas vezes na opinião do passageiro, e não dá oportunidade do motorista se defender. 

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Opinião
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Homem dirigindo um carro, com uma expressão séria, usando uma camiseta preta e boné, em um ambiente claro e ensolarado. O banco do passageiro está vazio, e a cidade é visível através das janelas.
Foto: Daniel Piccinato para 55content

“Fala, motorista, presta atenção: o passageiro não é o seu amigo.” Essa frase pode soar dura à primeira vista, mas retrata uma realidade que muitos motoristas de aplicativo estão vivendo na pele. Não se trata de criar uma relação de inimizade, mas de compreender os riscos que se corre ao acreditar que a relação com o passageiro é de confiança mútua. A verdade é que, em muitos casos, basta um único relato duvidoso para que a vida de um motorista vire de cabeça para baixo.

Nos últimos dias, relatos tensos se multiplicaram: motoristas bloqueados do aplicativo após passageiros enviarem mensagens dizendo que o motorista “não era o mesmo da foto”. Em alguns casos, a Uber envia apenas um alerta, sugerindo ao motorista que atualize sua imagem. Em outros, o golpe é direto: bloqueio definitivo da conta. Simples assim. Sem chance de defesa, sem verificação, sem ponderação.

Imagine acordar e descobrir que a única fonte de renda que você tem foi cortada. As parcelas do carro não esperam. As contas seguem chegando. E tudo isso porque um passageiro, com base apenas na aparência, julgou que você não era quem dizia ser.

Um caso emblemático é o de um motorista que passou por uma cirurgia bariátrica. Ele perdeu peso, mudou de aparência. Quando gravou um vídeo para alertar colegas, usava boné, barba — bem diferente da foto tirada nove anos antes, quando iniciou no aplicativo. E esse é apenas um exemplo. Muitos motoristas mudam com o tempo: ganham ou perdem peso, deixam o cabelo crescer ou raspam, pintam, fazem harmonização facial. Tudo isso pode colocar em risco sua conta, se a aparência atual não corresponder ao rosto registrado no sistema.

A situação se agrava quando o passageiro não faz um questionamento direto, mas simplesmente registra uma queixa no aplicativo. Muitos passageiros sentem medo — compreensível — ao entrarem num carro de aplicativo. A internet está cheia de fake news sobre motoristas aplicando golpes, cometendo crimes. Então, se o motorista parece “diferente”, mesmo que não haja qualquer comportamento suspeito, o passageiro pode se sentir inseguro e fazer uma denúncia. E o sistema, em vez de investigar ou dar direito ao contraditório, simplesmente corta a conta do motorista.

Outro caso preocupante envolve motoristas com aparelhos danificados. Um conhecido que trabalha na madrugada foi bloqueado porque a câmera do celular, com a tela rachada, tirou uma selfie manchada. A Uber entendeu que se tratava de outra pessoa. O mesmo aconteceu durante a pandemia: motoristas usando máscara foram bloqueados por não parecerem com a foto original. Em alguns casos, os motoristas conseguiram comparecer à Uber, atualizar a imagem e recuperar a conta. Em outros, não houve volta — o bloqueio foi definitivo.

O problema central é que o sistema da Uber (e de outros aplicativos) não consegue diferenciar fraude de mudança legítima na aparência. Existe um esforço de reconhecimento facial por meio de algoritmo, mas ele falha. E quando falha, o prejuízo é do motorista.

Eu mesmo fui bloqueado duas vezes pela 99. Nunca me explicaram o motivo. Só consegui ser desbloqueado na Justiça. Pode ter sido uma denúncia falsa, pode ter sido falha do sistema. O fato é que vivemos um dia de cada vez, com o medo constante de sermos bloqueados por um mal-entendido — ou pior, por uma injustiça.

O mais prudente é que todo motorista atualize sua foto com frequência e se proteja. Hoje, dirijo com uma câmera de segurança no carro, gravando todas as corridas. Se algo acontecer, posso apresentar provas. Nunca discuto com passageiro. Se houver desentendimento, encerro a corrida, registro no aplicativo e envio as imagens. Se você não tem uma câmera, use um aplicativo que grava a tela do celular ou tablet, mostrando horário e data. Isso pode ser decisivo para sua defesa.

Também é importante que a Uber permita mais transparência. A plataforma deveria, por exemplo, mostrar ao passageiro a selfie mais recente feita pelo motorista, para que ele confirme ou não a identidade antes de abrir uma reclamação. Isso evitaria muitos equívocos. Hoje, o que acontece é que o passageiro relata algo, e a Uber, muitas vezes, simplesmente acredita. O motorista sequer tem a chance de se explicar.

É evidente que há motoristas que fraudam o sistema. Já entrei em um carro onde o condutor era claramente mais jovem que a foto no app. Ao conversar, ele admitiu que usava a conta do pai porque tinha sido bloqueado. Sabemos que há quem compre contas falsas, o que é crime. Mas o ponto é: como a Uber separa quem comete fraude de quem apenas mudou o visual? A resposta é simples: muitas vezes, ela não separa. E quem paga o preço é o trabalhador honesto.

Não estou aqui para defender fraude. Estou alertando para um sistema que pune motoristas por motivos injustos ou falhas tecnológicas. E enquanto a Uber não ajustar seus métodos, o motorista deve se precaver — com fotos atualizadas, câmeras no carro, registros detalhados. Porque basta um clique de um passageiro para destruir sua fonte de sustento.

Reflita: o passageiro não é seu amigo. E também não é seu inimigo. Mas é alguém que, com uma única mensagem, pode acabar com seu trabalho. Por isso, proteja-se. Faça a sua parte, documente, grave, esteja preparado. E, acima de tudo, compartilhe sua experiência. Se você já passou por isso, deixe seu relato. Precisamos unir vozes para que esses absurdos parem de acontecer com quem só quer trabalhar honestamente.

Foto de Daniel Piccinato
Daniel Piccinato

Daniel começou a trabalhar como motorista de aplicativos em 2016, buscando maior estabilidade após sentir insegurança na empresa onde estava. Inspirado por conversas com o filho do dono, ele logo se uniu a outros motoristas em um grupo de WhatsApp, onde trocava dicas para melhorar seu desempenho. Em 2018, criou um canal no YouTube para compartilhar orientações sobre horários e estratégias de trabalho. Com o sucesso, expandiu para o Instagram em 2020, continuando a ajudar motoristas ao compartilhar sua experiência.

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