Floripa: “Autonomia dos motoristas de app é como ser vendedor de hambúrguer e vender hambúrgueres apenas no McDonald’s, com o preço e ganhando o que eles quiserem”

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Opinião
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"Homem de boné preto com o logotipo 'NYC' e camiseta preta está sentado dentro de um carro, olhando diretamente para a câmera. O fundo mostra os bancos do veículo e uma janela ao lado."
Foto: Fernando Floripa para 55content

Floripa afirma: “A Uber determina as regras do jogo, quanto a gente vai ganhar quando ela bem entender, ela manda e a gente obedece, qual motorista e qual carro iremos trabalhar”

Pois esse é um dos principais motivos pelos quais a tarifa não sobe. Você já parou para pensar que nós, motoristas de aplicativos, não queremos de jeito nenhum CLT, mas, apesar disso, também não somos 100% autônomos? Esse pode ser o principal motivo pelo qual as tarifas não sobem. Então vem comigo neste vídeo, porque quero te contar tudo sobre essa falsa ideia de autonomia que nós, motoristas de aplicativos, temos e como isso impacta diretamente no seu bolso.

Fala aí, motorista! Tem uma coisa que é unânime entre nós, motoristas de aplicativos: ninguém quer vínculo, ninguém quer CLT, ninguém quer carteira assinada. E se você perguntar para dez motoristas de aplicativos o que eles acham, onze vão te responder a mesma coisa: deixa do jeito que está e só me dá um reajuste de tarifa que está bom.

Mas, quando você para para pensar em todo o cenário, em tudo que está acontecendo, e avalia essa frase, você não acha que talvez esteja aí exatamente o problema? Deixa do jeito que está. Do jeito que está, está bom? Do jeito que está, para você, está legal, está bacana? Os valores pagos na sua cidade são bons para você? Até já comenta aqui, quero saber a sua opinião. Como estão os valores da Uber hoje no Brasil, na sua cidade? Está bom ou não está? Comenta aqui, quero saber o que você acha.

Porque do jeito que está, para mim, não está bom, não está legal. Hoje, a tarifa sobe quando o aplicativo quer e baixa quando eles têm vontade. E, nos últimos anos, temos visto o valor mais baixando do que subindo. Os valores variáveis, esse leilão de corridas, puxam mais para baixo do que para cima e transformam o trabalho de motorista de aplicativo em um verdadeiro desafio de Hércules. Sabe aqueles doze trabalhos de Hércules? Pois é, o trabalho de motorista de aplicativo hoje, com certeza, seria o décimo terceiro trabalho de Hércules. Sentar no carro e ganhar dinheiro, enfrentando todos os desafios de passageiros, falta de segurança, estradas ruins e esse leilão maluco de corridas.

Tem hora que o valor está bacana, e a galera se anima e sai fazendo dinheiro, e hora que o valor está horrível. Aí você se descabela reclamando, criticando e dizendo: “Meu Deus, o que eu faço? Não está dando para trabalhar.” O problema todo começa justamente nessa questão de que o motorista de aplicativo é autônomo e independente.

E aí eu te pergunto: que tipo de autônomo somos nós que não podemos precificar o nosso trabalho? Se eu sou um motorista autônomo, independente, que faço meu horário e deveria definir as regras do jogo, no mínimo eu deveria poder definir o valor da minha tarifa. Autônomo é quem precifica a própria prestação de serviço. Sou motorista, vou prestar um serviço, e não posso sequer dizer o quanto quero ganhar? Não há essa opção nos aplicativos.

Outra coisa: se sou autônomo e independente, por que não tenho clientes próprios? Por que não posso ter meus próprios passageiros? Por que só posso prestar serviço para uma empresa? É como dizer que sou vendedor de hambúrguer, mas só posso trabalhar no McDonald’s, vendendo o hambúrguer deles, pelo preço que eles praticam, e vou ganhar o quanto eles quiserem me pagar. Isso é ser autônomo? Isso é autonomia de verdade? Será que não está aí a origem dos nossos problemas? Acharmos que somos autônomos, quando na verdade não somos?

E calma lá, eu também não quero CLT. Não estou querendo te convencer de que ser autônomo é ruim e que devemos brigar pela CLT. Não é isso que estou dizendo. O que estou dizendo é que não somos autônomos de verdade. E se não queremos ser CLT, pelo que devemos brigar? Pela autonomia de verdade, pela autonomia real. Porque, se não quero vínculo e quero ser autônomo, então preciso buscar ser um autônomo de verdade.

Talvez esse seja o caminho que nós, motoristas de aplicativos, devamos trilhar para conseguirmos as condições reais de trabalho que queremos, para pelo menos ganhar um valor digno. Enquanto ficarmos nessa de achar que somos autônomos, mas não precificamos nosso serviço, nada vai mudar. Pelo contrário, só deixamos espaço para quem defende a CLT.

Foi o que aconteceu nesta semana em Brasília, onde o STF chamou autoridades, especialistas no assunto e outras pessoas para se inscreverem e falarem. Apesar disso, claramente houve uma certa tendência na escolha dos participantes, já que 99% das pessoas que falaram defenderam vínculo, CLT e a ideia de que o motorista de aplicativo deveria ser empregado. E, em parte, até concordo com eles.

Hoje, quando analisamos como está, percebemos que não somos autônomos. Me desculpe, mas autônomo que não precifica o próprio serviço não é autônomo. Então, pelas regras atuais, estamos muito mais próximos da CLT do que da autonomia. A empresa manda, o motorista obedece. A empresa determina as regras, escolhe quem pode trabalhar, define quanto ganhamos e demite quem quiser. E aí, cadê a autonomia?

Ah, mas posso ligar e desligar o aplicativo quando quiser. Isso não é autonomia; é apenas escolher quando trabalhar. Autônomo é quem precifica seu serviço, define as regras do trabalho, tem seus próprios clientes e não depende de uma empresa para realizar sua atividade. Nós não somos autônomos de verdade.

Quando avaliamos a situação como um todo, qualquer pessoa que entenda de leis trabalhistas percebe que estamos muito mais com um pé na CLT do que fora dela. E aí eu te pergunto: você quer CLT ou quer ser autônomo? Comenta aqui. Você acha que os motoristas de aplicativos deveriam brigar pela CLT ou pela autonomia de verdade?

E pare de repetir essa frase: “Deixa do jeito que está e só aumenta a tarifa”, porque do jeito que está, a tarifa não vai aumentar. Nos últimos dez anos, do jeito que está, a tarifa aumentou? Só quando a empresa precisou. Quando querem, jogam o preço para cima com dinâmicas e promoções. Quando acham que está tudo bem, jogam o preço lá embaixo, e o motorista que lute.

Do jeito que está, não dá para ficar. Temos que lutar por algo. Cabe a nós decidir: brigamos pelo vínculo ou pela autonomia de verdade? Para poder ter nossos próprios clientes, prestar nossos próprios serviços, definir o valor do nosso trabalho e, se sobrar tempo, trabalhar para os aplicativos.

No dia em que puder prestar meu serviço de forma independente, a última coisa que vou querer é trabalhar para os aplicativos, a não ser que me valorizem e paguem um valor justo. Aí o jogo muda. Quando não for mais obrigado a trabalhar para o aplicativo, quando puder ter meus clientes, prestar meu serviço e definir o valor que quero ganhar, só vou trabalhar para aplicativo se for atrativo. E, se não for, não vou depender deles; pelo contrário, eles que vão precisar de mim.

O que você acha disso? Como o jogo muda quando entendemos o que está acontecendo, quando paramos de repetir frases prontas e começamos a ter clareza sobre para onde devemos ir. Para mim, o caminho não é CLT, mas sim a autonomia de verdade.

Foto de Fernando Floripa
Fernando Floripa

Fernando Dutra, conhecido como Fernando Floripa, é motorista de aplicativo em Florianópolis e referência nacional para motoristas. Desde 2016, ele compartilha dicas e conteúdos nas redes sociais, alcançando quase 1 milhão de seguidores no YouTube, Facebook, Instagram e TikTok. Casado e pai de três filhos, com formação em Ciências da Computação e Administração, ele trabalha ativamente como motorista e incentiva a união da categoria, consolidando-se como um influenciador na área de mobilidade.

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