A Câmara dos Deputados protocolou o Projeto de Lei 2479/2025, de autoria do deputado Guilherme Boulos e apoiado por dez partidos, que propõe mudanças significativas nas relações de trabalho dos entregadores por aplicativo. Inspirada nas reivindicações do movimento Breque dos Apps, a proposta busca garantir direitos básicos a entregadores e mototaxistas, como remuneração mínima, transparência nas corridas e proteção em casos de acidente.
O projeto tem origem direta no Breque Nacional de 2025, uma paralisação de grande escala organizada pelo movimento nos dias 31 de março e 1º de abril, e “ teve adesão de mais de 100 cidades e gerou até um pronunciamento do deputado federal Guilherme Boulos, exigindo uma resposta do iFood e de outros aplicativos — mas principalmente do iFood, que hoje domina 80% do mercado de delivery no nosso país”, afirmou Alexandre Santos, presidente da Associação de Motoboys de Santa Catarina e integrante do Comando Nacional do Breque.
O ato foi decisivo para iniciar a construção coletiva do texto legal, a partir das pautas apresentadas pelos próprios trabalhadores
Remuneração mínima por entrega
Quanto à remuneração mínima por corrida, a proposta define os seguintes valores:
- R$ 10,00 por entrega de até 4 km para quem usa moto ou carro;
- R$ 10,00 por entrega de até 3 km para quem usa bicicleta;
- R$ 2,50 extras por quilômetro excedente, conforme o tipo de veículo;
- R$ 0,60 por minuto de espera a partir do 11º minuto, quando o atraso não for culpa do entregador.
Pagamentos adicionais e entregas canceladas
Além disso, quando houver entregas agrupadas (ou seja, mais de um pedido no mesmo trajeto), o valor mínimo deverá ser pago integralmente para cada entrega, sem dividir o total entre os pedidos. Isso garante que cada trabalhador receba o valor mínimo por serviço prestado.
Em caso de cancelamento da corrida ou alteração da rota por decisão do cliente, da plataforma ou qualquer motivo, que não a vontade do entregador, após a aceitação do serviço, será obrigatório o pagamento de 50% (cinquenta por cento) do valor fixado para a corrida, correspondente ao deslocamento já realizado.
Extensão aos mototáxis e responsabilidade solidária
As regras de tarifas mínimas se aplicam também aos mototáxis. Além disso, todas as empresas envolvidas na operação das plataformas, como subcontratadas, franquias, redes de cooperação ou outras intermediárias, serão responsabilizadas de forma solidária pelo cumprimento dos pagamentos mínimos, mesmo que atuem apenas em nome da plataforma.
Acordos coletivos e proibição de práticas abusivas
Acordos coletivos poderão ser realizados pelas entidades que representam os entregadores, podendo negociar valores superiores ao mínimo definido pela lei. A proposta também proíbe práticas abusivas por parte das plataformas, como metas ou bonificações que incentivem a pressa ou o descumprimento das regras de trânsito e segurança, ou que forcem o entregador a exceder a jornada regular de trabalho. Também fica proibida a aplicação de penalizações por recusa de entregas com baixa remuneração ou pelo exercício do direito de greve.
Reajuste e comitê tripartite
O valor mínimo por entrega será reajustado todos os anos, no mês de janeiro, com base na inflação oficial medida pelo IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). Além disso, o texto permite reajustes acima da inflação, para compensar custos do trabalho, como o aumento no preço de combustíveis, manutenção dos veículos (óleo, peças, pneus), seguro e compra de equipamentos de proteção.
Esses reajustes serão definidos por um comitê tripartite, formado por representantes do governo, dos trabalhadores e das plataformas, com critérios técnicos divulgados publicamente. As plataformas também deverão informar mensalmente aos entregadores a variação dos custos regionais que afetam seus rendimentos.
Transparência nas corridas
As novas diretrizes para o funcionamento das plataformas digitais de entrega determinam uma série de obrigações voltadas à transparência e à proteção dos trabalhadores. A regulamentação exige que, antes da aceitação de qualquer corrida, os entregadores tenham acesso, em linguagem clara e destacada, a informações como o valor total da entrega, quilometragem estimada, tempo previsto de percurso, endereço completo de retirada e entrega, percentual da taxa de serviço retido pela plataforma e detalhamento de ganhos por quilômetro, tempo de espera, peso e quantidade dos produtos.
Obrigatoriedade de seguro pelas plataformas
As plataformas digitais de entrega ficam obrigadas a contratar e custear integralmente os seguros para os trabalhadores. A cobertura deve contemplar:
- Acidentes durante o exercício da atividade, incluindo os ocorridos no trajeto;
- Assistência médica e odontológica emergencial;
- Invalidez permanente ou temporária;
- Morte acidental;
- Danos pessoais e materiais a terceiros.
Valores mínimos e reajuste do seguro
- R$ 150 mil para acidentes pessoais;
- R$ 50 mil para danos materiais.
Os valores da cobertura devem ser reajustados anualmente com base na variação do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo), conforme divulgado pelo IBGE.
Prevenção de riscos e suporte em tempo real
As plataformas devem ainda implementar sistemas de alerta em tempo real sobre clima, rotas perigosas e áreas com restrição, bem como garantir botões de emergência para situações de assédio ou insegurança.
Também ficam obrigadas a adotar regras de transparência na fixação de tarifas e remunerações, com a divulgação detalhada de valores mínimos e adicionais por quilômetro antes da corrida, além do fornecimento de relatórios semanais com todos os ganhos e descontos aplicados. O descumprimento dessas medidas poderá gerar multas de R$ 10 mil por trabalhador afetado e, em caso de reincidência, a suspensão das atividades da plataforma por dez dias.
Pontos de apoio e atendimento presencial
As plataformas digitais de entrega também passam a ter a obrigação de manter ou subsidiar pontos de apoio físico em áreas estratégicas de grande movimentação, como centros urbanos, zonas comerciais e regiões com alto volume de entregas. Esses espaços devem oferecer, no mínimo, água potável gratuita, banheiros limpos e acessíveis, áreas de descanso com assentos adequados e tomadas para recarga de celulares e equipamentos.
Para ampliar essa rede, as empresas poderão firmar parcerias com postos de combustíveis, restaurantes, lanchonetes e estabelecimentos de conveniência, desde que garantam acesso gratuito a todos os entregadores cadastrados e indiquem os pontos de apoio de forma clara no aplicativo.
Além disso, cada município em que as plataformas operam deverá contar com uma unidade física de atendimento presencial voltada para resolução de demandas técnicas e operacionais. Esses locais deverão funcionar das 10h às 22h, inclusive aos finais de semana e feriados, contar com equipe treinada e canais de atendimento ágeis para situações críticas, como falhas no aplicativo ou bloqueios indevidos. Informações sobre localização, horário de funcionamento e formas de contato devem estar visíveis no aplicativo da plataforma.
Proteção de dados e privacidade
No que diz respeito à segurança e privacidade, a nova regulamentação impõe regras rigorosas para a proteção dos dados dos trabalhadores. As plataformas ficam obrigadas a adotar medidas que impeçam o rastreamento não autorizado por terceiros, com foco especial na prevenção de situações como perseguições, assédio e outras formas de violência.
Entre as medidas exigidas estão a ocultação de endereços residenciais, limitação de acesso a dados de geolocalização e a adoção de sistemas de anonimização. As diretrizes seguem os padrões da Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) e garantem aos entregadores o direito ao controle sobre o compartilhamento de suas informações, incluindo a exclusão definitiva dos dados ao fim do vínculo com a plataforma.
Penalidades e entrada em vigor
As penalidades pelo descumprimento da nova legislação são severas. As plataformas que infringirem as regras estarão sujeitas a sanções que incluem desde multas até a suspensão temporária de suas atividades.
Em caso de reincidência, o valor da multa será aplicado em dobro. Se houver resistência deliberada e injustificada por parte da empresa em cumprir as determinações legais, poderá ser imposta a paralisação das operações por até 72 horas.
A lei entrará em vigor 30 dias após a data de sua publicação, concedendo um prazo para que as plataformas digitais de entrega se adequem às novas exigências. Para os entregadores, trata-se de uma conquista histórica.
“Hoje, nós entregadores — principalmente os representados pelas lideranças que integram o Comando Nacional do Breque — entendemos que esse projeto nos contempla. Ele atende às principais pautas que reivindicamos durante o Breque, e o objetivo dessa proposta é exatamente esse: dar um respaldo jurídico às nossas reivindicações”, destacou Alexandre. A proposta, segundo ele, representa a transformação de anos de mobilização em medidas concretas de proteção e valorização profissional. Agora, o desafio é garantir que o Congresso aprove a iniciativa e que as plataformas sejam, de fato, responsabilizadas pelo cumprimento das novas regras.
Nota de transparência: Essa matéria foi escrita com auxílio de inteligência artificial