O jurista e acadêmico Fabiano Zavanella afirmou durante audiência pública na Câmara dos Deputados, nesta terça-feira (28), que o Brasil precisa construir um regime jurídico próprio para o trabalho em plataformas digitais, capaz de garantir proteção social mínima e segurança jurídica, sem restringir a inovação no setor.
Segundo Zavanella, a regulação do trabalho por aplicativos não deve se limitar aos modelos tradicionais de vínculo ou de autônomo, pois o fenômeno da economia do compartilhamento envolve múltiplas formas de prestação de serviço.
“O desafio é construir um regime jurídico próprio para o trabalho em plataformas, garantindo alguma proteção social, segurança jurídica e sem obstar a inovação”, afirmou.
Regulação deve equilibrar autonomia e proteção
O jurista explicou que a legislação brasileira deve considerar a complexidade do fenômeno, que envolve diferentes perfis de trabalhadores e atividades além do transporte e das entregas, como educação e saúde. Ele defendeu que a lei estabeleça padrões mínimos de proteção social, reconheça entidades representativas da categoria e assegure autonomia ao trabalhador para escolher as plataformas em que deseja atuar.
“É fundamental reconhecer a autonomia individual e as escolhas do trabalhador, estruturando direitos e responsabilidades das plataformas pela intermediação que realizam”, afirmou Zavanella.
O especialista citou exemplos internacionais, como Portugal, que discute uma reforma em seu Código do Trabalho, e o Reino Unido, que adota uma categoria intermediária entre autônomos e empregados. Também mencionou o modelo espanhol, que utiliza um critério de 75% da renda proveniente de uma única fonte para definir quando há obrigação de garantir direitos adicionais.
Inclusão previdenciária e críticas ao modelo do MEI
Para Zavanella, um dos principais desafios é a inclusão previdenciária dos trabalhadores de aplicativos. Ele defendeu que a legislação avance em um modelo que diferencie remuneração de custos operacionais, como manutenção de veículos e equipamentos, evitando a aplicação direta das regras do microempreendedor individual (MEI), que, segundo ele, não se adequam à realidade desses profissionais.
“O recolhimento espontâneo é muito baixo. Precisamos de bases de incidência que separem o que é remuneração do que são verbas indenizatórias. O modelo do MEI é inadequado para esse conjunto de trabalhadores”, afirmou.
Zavanella citou o Projeto de Lei Complementar (PLP) 12/2024, que propõe parâmetros mais específicos para essa categoria, e destacou que o país deve evitar o excesso de judicialização do tema.
“O Brasil deve fugir da armadilha de judicialização que se viu em outros países. A regulação precisa vir do Congresso Nacional, não do Judiciário”, completou.
Subordinação e autonomia na relação com as plataformas
Questionado por parlamentares sobre o conceito de subordinação diante do uso de algoritmos que distribuem corridas e ranqueiam motoristas, Zavanella afirmou que não há evidências científicas de que exista controle direto por parte das plataformas.
“Na essência, a subordinação está afastada. As pesquisas não indicam que o controle algorítmico configure vínculo de emprego. O trabalhador escolhe quando e onde quer trabalhar”, explicou.
Ele destacou que o modelo das plataformas digitais cria autonomia operacional, permitindo ao trabalhador se conectar a múltiplas plataformas e definir seus próprios horários. Para Zavanella, isso caracteriza uma relação intermediária — nem de emprego, nem de total independência — e exige um novo marco regulatório adaptado à realidade digital.
“Não podemos olhar pelo retrovisor e buscar soluções antigas para problemas novos. O modelo platformizado exige uma construção jurídica própria, que garanta certa proteção sem eliminar a autonomia”, afirmou.
Zavanella concluiu dizendo que o Congresso Nacional tem papel central em formular uma legislação moderna, que promova segurança jurídica e evite conflitos judiciais, preservando tanto o direito dos trabalhadores quanto o ambiente de inovação das plataformas.