Durante sua participação no Google I/O, Dimitri Dolgov, co-CEO da Waymo, apresentou uma retrospectiva da trajetória da empresa e destacou os avanços mais recentes na tecnologia de veículos autônomos. Em sua fala, ele contextualizou o papel transformador da inteligência artificial no setor de mobilidade.
Dolgov destacou que grande parte das inovações em IA discutidas atualmente ainda estão concentradas no ambiente digital. Segundo ele, essas tecnologias são altamente impressionantes e já demonstram capacidade para escrever código, diagnosticar doenças, compor música, criar vídeos e realizar diversas outras tarefas, mas a proposta da Waymo é diferente. “A IA que estamos construindo na Waymo não vive na sua tela. Ela vive na vida real, entre as pessoas, sob diferentes condições climáticas, no trânsito, em movimento”, afirmou.
Por que veículos autônomos?
Segundo Dolgov, a motivação central é a segurança: “Todos os anos, mais de um milhão de pessoas perdem a vida em colisões no trânsito ao redor do mundo. Isso significa que, a cada 26 segundos, uma pessoa morre em uma colisão.” Ele classificou os números como alarmantes e ressaltou que a grande maioria dessas tragédias é causada por erro humano.
Ele relembra a fundação da Waymo, há mais de 15 anos, com o objetivo de “desafiar esse status quo e construir uma opção de mobilidade mais segura para todos.”
Dos primeiros testes à escala exponencial
Dolgov relatou que a iniciativa teve início em 2009 como o projeto de carro autônomo do Google. Na ocasião, os primeiros testes foram realizados no estacionamento ao lado do Shoreline Amphitheatre, o mesmo local onde a empresa celebrou seus avanços.
Durante a apresentação, ele exibiu imagens históricas desses testes iniciais, incluindo uma corrida autônoma com um Toyota Prius. Na demonstração, destacou que até então não imaginava ser possível fazer drift com esse modelo, e explicou que os cones dispostos no percurso estavam posicionados intencionalmente como parte da sinalização — e não foram atingidos pelo veículo.
Naquela fase inicial, o time era composto por apenas uma dúzia de engenheiros, unidos por um único objetivo: demonstrar que a condução autônoma era possível. Para isso, a equipe recebeu dois desafios definidos pelos fundadores do Google: percorrer 100 mil milhas em modo autônomo e completar dez rotas de 100 milhas cada, sem qualquer intervenção humana. Dolgov afirmou que ambos os desafios foram concluídos no período de um ano e meio.
Teste e operação
Apesar do sucesso alcançado nos primeiros testes, Dolgov ressaltou a diferença entre completar rotas específicas em ambiente controlado e desenvolver um sistema verdadeiramente confiável, escalável e capaz de operar de forma totalmente autônoma em cenários reais e imprevisíveis. Um serviço comercial de transporte autônomo foi construído e exigia muito mais do que provas pontuais de conceito: era necessário desenvolver uma tecnologia robusta, capaz de lidar com uma infinidade de situações do cotidiano urbano.
Segundo o executivo, desde o início a Waymo adotou uma abordagem baseada na visão de longo prazo. A empresa optou por um desenvolvimento progressivo, estruturado em camadas, sem recorrer a atalhos tecnológicos e sem abrir mão dos princípios de segurança e confiabilidade que sempre nortearam o projeto. Para ele, essa estratégia foi fundamental para que a empresa alcançasse a maturidade operacional que tem hoje.
Hoje, a Waymo opera um serviço 100% autônomo, 24 horas por dia, em quatro grandes cidades dos EUA: San Francisco, Phoenix, Los Angeles e Austin. “Toda semana, realizamos mais de 250 mil corridas autônomas pagas — cinco vezes mais que no mesmo período do ano passado”, afirmou. “Acabamos de atingir um marco: mais de 10 milhões de corridas autônomas pagas. Metade só neste ano.”
Segurança comprovada com dados
Dolgov apresentou dados que comprovam o desempenho superior dos veículos autônomos da Waymo em comparação aos motoristas humanos. De acordo com ele, em casos de colisões graves — aquelas que envolvem ferimentos ou acionamento de airbags — o sistema da empresa se mostrou aproximadamente cinco vezes mais seguro do que condutores humanos. Os resultados foram ainda mais expressivos em situações envolvendo pedestres.
Ele também citou uma análise realizada pela seguradora Swiss Re, que utilizou pedidos de indenização como indicador de responsabilidade nas ocorrências. Segundo o estudo, os veículos autônomos da Waymo apresentaram um desempenho dez vezes melhor que o de motoristas humanos na prevenção de acidentes com culpa atribuída.
Situações no mundo real
Ele exibiu vídeos reais de incidentes evitados pela IA da Waymo, incluindo um patinador que caiu repentinamente na frente do carro e um caminhão que invadiu a pista: “Tudo isso é resultado de IA de ponta.”
A complexidade da tarefa é grande, explicou ele, por três razões: ambientes físicos imprevisíveis, exigência de extrema segurança, e necessidade de decisões em tempo real. “Todos os problemas difíceis estão nos eventos raros”, disse.
A tecnologia por trás: sensores e IA
A Waymo emprega um conjunto de sensores avançados — LiDAR, câmeras e radares — com cobertura de 360° ao redor do veículo. No entanto, segundo Dolgov, esses sensores atuam apenas na captação de dados brutos, sendo a inteligência artificial a responsável por interpretar essas informações e transformá-las em decisões de condução seguras e precisas.
Ele relembrou marcos importantes na evolução tecnológica da empresa, como a adoção de redes neurais convolucionais a partir de 2013, que impulsionaram significativamente a capacidade de percepção visual dos veículos. Já em 2017, a introdução dos transformadores representou um salto ainda mais expressivo, abrindo caminho para avanços na compreensão de intenções e comportamento no trânsito. Mais recentemente, a Waymo passou a integrar Modelos de Linguagem Multimodal (VLMs), que ampliaram a capacidade do sistema de interpretar cenas complexas e elementos desafiadores do ambiente urbano, como placas de estacionamento com múltiplas restrições e sinalizações confusas.
Dolgov destacou o modelo EMMA, que transforma múltiplas imagens em trajetórias autônomas. “Ainda é um modelo de pesquisa, mas mostra o potencial.”
Simulação e generalização
A Waymo desenvolveu simulações hiper-realistas baseadas em reconstruções tridimensionais de cidades como San Francisco, utilizando milhões de imagens captadas por câmeras. Essas simulações permitem variar condições ambientais, como clima, horário do dia e densidade de tráfego, por meio de técnicas de difusão aplicadas com alta precisão. O objetivo, segundo Dolgov, é alcançar escalabilidade em larga escala, simulando bilhões de milhas com realismo tanto sensorial quanto comportamental.
Durante a apresentação, ele exibiu uma demonstração que exemplifica esse nível de sofisticação: um dos veículos da Waymo foi capaz de detectar os pés de um pedestre que estava totalmente oculto atrás de um ônibus. Mesmo com esse sinal mínimo e parcialmente obstruído, o sistema foi capaz de prever o movimento do pedestre e executar uma manobra defensiva para evitar qualquer risco, reforçando a capacidade de resposta refinada do software em cenários complexos do mundo real.
Adaptação a novas cidades e veículos
Dolgov destacou que a inteligência artificial desenvolvida pela Waymo tem capacidade de adaptação rápida a diferentes contextos urbanos e geográficos. Segundo ele, apesar das variações culturais, estruturais e climáticas entre as cidades, os elementos fundamentais do trânsito permanecem constantes: pedestres continuam se comportando como pedestres, veículos mantêm padrões reconhecíveis e o comportamento humano no tráfego tende a seguir padrões previsíveis. Com base nisso, a empresa tem realizado testes em locais diversos, que vão desde as paisagens nevadas do estado de Nova York até ruas com direção à esquerda em Tóquio.
Além do transporte de passageiros, a tecnologia da Waymo já está preparada para expandir sua atuação em outras frentes. O plano é que os sistemas autônomos também sejam utilizados em entregas de última milha, transporte de cargas em longas distâncias e até em veículos de uso pessoal. Com a expectativa de que, até 2030, sejam percorridas 20 trilhões de milhas por veículos em todo o mundo, Dolgov ressaltou o potencial transformador que a Waymo poderá exercer nesse cenário de mobilidade em escala global.
Dolgov foi enfático: “Uma coisa é essencial: confiança. E confiança se conquista com cada milha, cada corrida, cada tecnologia.” Ele compartilhou depoimentos emocionantes de usuários, incluindo um casal cego de Phoenix: “Eles não andavam sozinhos em um carro há 30 anos. Com a Waymo, isso mudou.”
As mudanças que virão
Por fim, Dolgov abordou os impactos sociais mais amplos da adoção da condução autônoma em larga escala. Ele ressaltou que, atualmente, um cidadão americano médio passa cerca de 300 horas por ano ao volante — o que, somado em nível nacional, representa aproximadamente 80 bilhões de horas. Para ele, a automação do transporte tem o potencial de devolver esse tempo às pessoas, permitindo que seja usado de forma mais produtiva, confortável ou significativa.
Ele também afirmou que a presença massiva de veículos autônomos poderá transformar o espaço urbano, influenciando diretamente o desenho das cidades. Entre as mudanças esperadas, estão ruas com fluxos mais eficientes e uma redução significativa na necessidade de áreas destinadas a estacionamento, abrindo novas possibilidades de uso para esses espaços.
Além disso, destacou a acessibilidade: “Pessoas com deficiência visual têm dificuldades com transporte hoje. A Waymo oferece liberdade sem depender de outros.”
Dolgov concluiu afirmando que, em um mundo onde trilhões de milhas são percorridas anualmente, inúmeros aspectos da sociedade estão intrinsecamente ligados à mobilidade. Para ele, à medida que a autonomia veicular se consolidar em toda a cadeia de transporte, surgirão benefícios adicionais em diversas frentes. A expectativa é que os impactos positivos sejam amplos, profundos e capazes de transformar significativamente a forma como pessoas e mercadorias se deslocam no dia a dia.