“Aceitei uma corrida de 2 km por R$ 16 pois nenhum motorista aceitou”, diz gestor de app regional 

“Motoristas preferem aceitar corridas mínimas de R$ 5,50 ao invés de mínimas por R$ 8 sem taxa”, diz gestor de app regional.

Imagem com fundo azul apresentando dois homens lado a lado. À esquerda, Cláudio Sena, um homem de pele clara, cabelo grisalho curto e óculos, veste uma camisa azul e sorri enquanto fala ao microfone. À direita, Oseias Sant’Anna, um homem de pele morena e cabelo preto curto, veste um terno preto e camisa azul, com expressão séria e mãos cruzadas. No canto inferior direito, está o logotipo do 55Content Premium.
Foto: Acervo pessoal 55content

Na noite de segunda-feira, 17 de fevereiro, o 55Content Premium promoveu o evento “O que falta para os aplicativos regionais dominarem o mercado”. O debate reuniu especialistas do setor de mobilidade urbana, incluindo Claudio Sena, motorista de aplicativo e influenciador da categoria, e Oseias Sant’Anna, cofundador da Rota 77, para discutir os desafios e oportunidades das plataformas locais frente às gigantes multinacionais, como Uber e 99.

O influenciador e especialista em mobilidade Cláudio Sena abriu a discussão abordando o fechamento recente de dois aplicativos regionais, a Kovi, em Porto Alegre, e a Sotero Mob, em Salvador. Segundo ele, a falta de planejamento e de uma estratégia consolidada são os principais fatores que levam muitos desses aplicativos ao fracasso. “Eles chegam com poucos recursos e sem um estudo de viabilidade adequado. Acreditam apenas no potencial do mercado, mas acabam naufragando”, pontuou.

Proximidade dos Gestores com Motoristas e Passageiros

Cláudio destacou que, apesar de serem menores em volume de viagens, os aplicativos regionais possuem um diferencial competitivo importante: a proximidade com motoristas e passageiros. Para ele, essa conexão direta permite oferecer soluções mais eficazes para os problemas enfrentados no dia a dia do transporte. “A Uber não tem isso. O olho do dono é que engorda o gado, e os aplicativos regionais estão mais atentos às necessidades locais”, afirmou.

Um dos principais desafios para os aplicativos regionais é a consolidação em grandes centros urbanos, onde a Uber e a 99 já estão amplamente estabelecidas. Segundo Cláudio, muitas tentativas falham porque tentam competir diretamente com as multinacionais, sem antes solidificar sua presença em mercados menores. “Por que não começar por cidades como Aracaju, Natal, Caruaru ou Feira de Santana? É preciso se consolidar antes de pensar em expandir”, aconselhou.

Ele também revelou que os aplicativos regionais já estão causando impacto no mercado e despertando preocupação nas grandes plataformas. “Tenho um material que mostra como a Uber está temendo essa força crescente. Eles querem eliminar os aplicativos regionais através da regulamentação, criando regras que favorecem apenas os grandes”, afirmou.

Durante o evento, foi citada uma estratégia bem-sucedida adotada pelo aplicativo Driver Nordeste, da Paraíba, para aumentar sua popularidade. A empresa oferecia corridas gratuitas para passageiros que, ao entrar no carro, mencionassem o nome do aplicativo corretamente. A iniciativa ajudou a fortalecer a marca e a dissociar o nome da Uber como sinônimo de transporte por aplicativo.

Por fim, Cláudio ressaltou que a concorrência com a Uber não deve ser encarada como uma batalha perdida, mas como um desafio a ser superado com planejamento e crescimento estruturado. “Davi derrotou Golias porque viu um obstáculo, não um gigante. Os aplicativos regionais precisam adotar essa mentalidade para prosperar. O olhar atento do gestor faz toda a diferença. Se os motoristas se sentirem valorizados, a tendência é que prestem um melhor serviço e permaneçam na plataforma”, concluiu

Dificuldades na Adesão dos Motoristas

Oseias Santana, cofundador da Rota 77, compartilhou os desafios enfrentados na expansão para diferentes estados do Brasil. Segundo ele, a empresa tem crescido no Rio Grande do Sul, Paraná, Santa Catarina e Mato Grosso, utilizando a matriz para testar modelos de operação antes da implementação em novas cidades. No entanto, ele alertou para a resistência de muitos motoristas a aderirem a aplicativos regionais, mesmo quando lhes são oferecidas condições mais vantajosas do que as das grandes plataformas.

“O motorista reclama que está sendo explorado pela Uber e pelo 99, mas quando oferecemos uma plataforma com melhor remuneração, ele continua priorizando as grandes marcas. Tivemos casos em que pagávamos um valor mínimo de R$ 8 por corrida e não cobrávamos nenhuma taxa, mas os motoristas ainda preferiam corridas de R$ 5,50 em outras plataformas. Isso é um problema de mentalidade”, relatou.

Oseias também destacou a importância de respeitar as particularidades de cada cidade e seguir a legislação local. “Antes de entrar em uma cidade, estudamos a legislação municipal e adaptamos nosso modelo. Em algumas cidades, oferecemos seguro de vida para os motoristas, seguindo as exigências locais. Isso ajuda a criar uma relação de confiança e credibilidade”, explicou.

Apesar dos desafios, ele acredita no potencial dos aplicativos regionais, desde que haja planejamento estratégico e comprometimento dos envolvidos. “Não adianta apenas investir em publicidade e achar que os motoristas e passageiros vão aderir automaticamente. Se não houver engajamento e uma mentalidade de valorização do mercado local, o investimento se torna um desperdício”, concluiu.

Oportunidades e a Necessidade de um Planejamento Estruturado

Oseias destacou a importância do planejamento ao expandir um aplicativo regional. Segundo ele, um erro comum é investir pesadamente em publicidade antes de garantir um número suficiente de motoristas cadastrados. “Se o passageiro baixa o aplicativo e não consegue uma corrida, ele simplesmente desinstala e não volta mais. Por isso, a base de motoristas deve ser consolidada primeiro”, explicou.

Os aplicativos regionais, segundo Oseias, têm o diferencial de investir na economia local, fazendo parcerias com comércios e postos de combustível – algo que as grandes plataformas não fazem. “Valorizar quem nos valoriza é essencial. Diferente das multinacionais, buscamos um relacionamento direto com os motoristas e comerciantes da região”, afirmou.

Cláudio chamou atenção para a estratégia agressiva da Uber, que frequentemente oferece incentivos momentâneos para desestabilizar aplicativos concorrentes. “A Uber é uma vendedora de ilusões. Ela entra em uma cidade e, se percebe a ascensão de um aplicativo regional, lança bônus para motoristas e tarifas dinâmicas para passageiros, forçando a concorrência a recuar”, relatou. Ele citou o exemplo de Caruaru, onde um aplicativo regional estava crescendo até que a Uber reagiu com incentivos e desestabilizou o mercado local.

Para Cláudio, os aplicativos regionais precisam agir com estratégia e paciência. “Vocês não podem querer competir diretamente com a Uber nos grandes centros. Assim como um navio petroleiro não consegue mudar sua rota rapidamente, a Uber também tem dificuldades para se adaptar a mercados menores e descentralizados. A força dos regionais está em crescer pelas beiradas, consolidando primeiro as cidades menores antes de buscar espaço em metropoles”, explicou.

Oseias também enfatizou a necessidade de oferecer condições justas para os motoristas. Segundo ele, muitas plataformas regionais não valorizam seus condutores, apenas cobram mensalidades sem oferecer suporte adequado. “Nosso modelo não obriga os motoristas a ficarem logados ou aceitarem corridas, mas, se aceitam, devem cumprir seu compromisso com o passageiro. Criamos um ambiente onde todos são valorizados e isso faz a diferença”, afirmou.

Importância da Gestão Humanizada

O cofundador da Rota 77 explicou que sua empresa adota uma gestão humanizada, onde motoristas e passageiros são ouvidos antes que decisões sejam tomadas. “Nós não somos robóticos. Se um passageiro faz uma reclamação sobre um motorista, chamamos os dois para entender o que aconteceu antes de tomar qualquer decisão. Esse é um diferencial em relação às grandes plataformas, que simplesmente bloqueiam motoristas sem justificativa”, afirmou.

Oseias também destacou a cultura de fidelização em cidades menores, onde passageiros tendem a pedir contatos diretos de motoristas, prejudicando os aplicativos. “Em cidades abaixo de 70 mil habitantes, é comum o passageiro pedir um cartãozinho para chamar depois. Isso acaba retirando viagens do aplicativo e, com o tempo, enfraquece a plataforma local”, explicou. A Rota 77, segundo ele, monitora esse comportamento para evitar que motoristas desviem passageiros para atendimentos diretos.

Ele reforçou: “Tratar motoristas e passageiros com respeito e atenção é essencial. Não basta dizer que a gestão é humanizada, é preciso demonstrar isso no dia a dia”, afirmou. Ele revelou que tentou implementar uma proteção veicular para motoristas, mas decidiu focar exclusivamente na Rota 77 para evitar conflitos de interesse. “Nosso objetivo é valorizar o motorista e oferecer um serviço de qualidade ao passageiro. Se conseguirmos equilibrar essas duas pontas, teremos um mercado mais justo e competitivo”, concluiu.

O Poder dos Motoristas e os Desafios dos Novos Aplicativos

Cláudio reforçou a ideia de que o motorista tem mais poder do que imagina. Ele relatou experiências em cidades onde os motoristas boicotaram a Uber, fazendo com que a plataforma perdesse força. “Se o motorista tiver consciência, ele pode quebrar a Uber em uma cidade. O problema é que a dependência da marca já está enraizada”, pontuou.

Sobre a entrada de novos aplicativos no mercado, Cláudio alertou para o risco de falta de planejamento e para o histórico de tentativas frustradas em grandes centros urbanos. “Desde que a Uber chegou a Salvador, em 2016, onze aplicativos tentaram entrar no mercado. Apenas dois prosperaram: a 99 e a inDrive. O restante fracassou, seja por falta de planejamento ou até por golpes, como esquemas de pirâmide financeira”, revelou.

Ele aconselhou que novos aplicativos regionais foquem em nichos de mercado ou em cidades menores, onde podem se consolidar antes de tentar competir diretamente com as grandes plataformas. “Um aplicativo genérico não tem espaço em um grande centro urbano já dominado pela Uber e pela 99. Mas se for um aplicativo de nicho, como para público de alta renda ou com carros blindados, pode haver uma oportunidade”, sugeriu.

Será que os Motoristas dos Apps Regionais são Comprometidos?

O cofundador da Rota 77 ainda destacou um dos grandes desafios enfrentados por aplicativos locais: a falta de comprometimento de alguns motoristas. Segundo ele, muitos acabam retirando passageiros da plataforma para atendimentos particulares, minando o crescimento do aplicativo. “Se cada motorista desvia passageiros para o atendimento direto, em pouco tempo a plataforma perde sua relevância. Alguns acham que o problema é o aumento de motoristas cadastrados, mas a realidade é que são os próprios motoristas que estão reduzindo a demanda na plataforma”, alertou.

A Importância da Fidelização de Clientes e da Valorização do Serviço

Cláudio compartilhou sua experiência com serviços privativos em Salvador, destacando a importância de construir uma carteira de clientes fiéis. “Eu não dependo da Uber. Construí uma relação de confiança com meus clientes, que me pagam valores justos pelo serviço prestado. Uma corrida para o aeroporto, por exemplo, me rende R$ 140 por 30 km, valor que nenhuma plataforma paga”, explicou. Segundo ele, o grande erro de muitos motoristas é se prenderem à lógica de tarifas reduzidas das grandes plataformas, sem buscar alternativas para valorizar seu trabalho.

Segurança e Tarifas Diferenciadas: um Diferencial para Motoristas e Passageiros

Outro ponto abordado foi a segurança dos passageiros e motoristas. Oseias relatou uma experiência onde monitorou uma corrida de madrugada para entender melhor a percepção do cliente. “Aqui, trabalhamos com tarifas diferenciadas em horários noturnos. Peguei uma corrida de 2 km por R$ 16. Motoristas que valorizam o próprio serviço percebem que essas tarifas fazem sentido. Mas muitos ainda preferem rodar de forma desorganizada e fora do aplicativo, sem considerar os riscos”, afirmou.

Oseias detalha: “Minha esposa perguntou: ‘Você vai aceitar uma corrida a essa hora?’. Respondi: ‘Vou sim, só para fazer um teste’. Quando cheguei ao local, encontrei uma passageira, uma mulher de aproximadamente 40 a 45 anos. Aqui na cidade, trabalhamos com três faixas de tarifa: bandeira 1, 2 e 3. A bandeira 3, que tem valores mais altos, entra em vigor a partir da 1h da manhã e vai até as 6h. A corrida dela já estava dentro dessa tarifa, com um valor mínimo de R$ 16 para um trajeto de apenas 2 km. Quem recusaria uma corrida dessas?”

Ele continuou relatando a experiência e disse que passageira ao comparar tarifas, percebeu que um motorista particular cobrava até o dobro do valor oferecido pelo aplicativo. 

Ao final da viagem, ela comentou surpresa da parte da passageira: “Nossa, mas deu barato, meu filho!” O valor da corrida era R$ 16, e ela, satisfeita, decidiu pagar R$ 20. Durante a conversa, revelou que costumava chamar um motorista que cobrava entre R$ 30 e R$ 40 pelo mesmo trajeto. “Eu achei que ele trabalhava comigo na empresa, mas, na verdade, ela ligava diretamente para ele”, disse Oseias.

Ao esclarecer a diferença, ele explicou que, ao atender um chamado direto, o motorista deixava de ser prestador de serviço do aplicativo e passava a oferecer um serviço particular. “Se ele aceitou um chamado direto, ele está trabalhando por conta própria e pode cobrar o que quiser. Mas não adianta reclamar depois, porque fora do aplicativo não existe regulação de tarifa e segurança”, pontuou.

Oseias ainda explicou: “Se um motorista atende diretamente um passageiro, ele deixa de atuar como prestador de serviço de um aplicativo e passa a trabalhar por conta própria. Isso enfraquece a plataforma e reduz as oportunidades para todos os motoristas”. Ele reforçou a importância de seguir os valores estipulados pelos aplicativos, garantindo segurança e transparência para ambas as partes.

Serviço Privativo Vs Corridas por Aplicativos

Cláudio abordou a diferença entre serviço privativo e corridas por aplicativos. “Quando um cliente me procura diretamente, ele busca um serviço diferenciado e está disposto a pagar por isso. Já quando estou logado na Uber ou em outro aplicativo, respeito as tarifas estabelecidas pela plataforma”, afirmou. Ele alertou que muitos motoristas tentam fidelizar passageiros de maneira informal, mas acabam prejudicando o crescimento da plataforma como um todo. “Os aplicativos regionais têm potencial, mas precisam consolidar suas bases antes de expandir. O crescimento deve ser gradual e estruturado”, recomendou.

Paciência e Planejamento como Pilares

Ao encerrar o evento, Cláudio reforçou a necessidade de paciência e planejamento para que os aplicativos regionais se consolidem. “Vocês não são pequenos. Vocês são aplicativos regionais com potencial. O segredo é crescer de forma estruturada, passo a passo, até se tornarem referências em suas cidades”, concluiu. Oseias também reforçou que a valorização dos motoristas é essencial para o crescimento de qualquer plataforma e que a gestão humanizada é o diferencial para competir no mercado de mobilidade urbana.

O evento se encerrou deixando um recado: os aplicativos regionais têm força, mas precisam de estratégia, estrutura e compromisso para consolidar suas bases e expandir de forma sustentável. A gestão humanizada, o respeito aos motoristas e a atenção ao passageiro são os pilares que podem garantir o crescimento desse setor e transformar a realidade da mobilidade urbana no Brasil.

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Giulia Lang

Giulia Lang é líder de conteúdo do 55content e graduada em jornalismo pela Fundação Cásper Líbero.

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