Especialistas explicam aspectos mundiais e econômicos do embate entre as duas potências e o que podemos esperar do futuro das empresas de mobilidade urbana.
A Uber, empresa de tecnologia estadunidense, fundada em 2010, é uma das maiores empresas de transporte por aplicativo no mundo, e no Brasil, é líder de corridas no segmento. Só no país, está presente em mais de 500 cidades e segue impactando os brasileiros e fidelizando o seu serviço.
Enquanto isso, a Didi é uma empresa da China que presta serviços na área de tecnologia e transporte privado, em toda a Ásia-Pacífico, América Latina e outros mercados globais. No Brasil é dona da 99, principal concorrente da Uber. Além de oferecer serviços de carona, motorista e outras formas de mobilidade compartilhada, como certos serviços de energia e veículos, entrega de alimentos, frete entre cidades e serviços financeiros.
Disputa histórica
De acordo com o cenário global de disputa de territórios pela economia, observa-se um embate entre as multinacionais chinesas e americanas, que atravessam o globo e ocupam um espaço essencial na maneira em que as empresas se posicionam.
Pensando nisso, Diego Benegas, mestre em geografia pela Universidade Federal de São Carlos, conversou com a nossa equipe e explica: “Grandes empresas frequentemente buscam territórios específicos que ofereçam mercados consumidores amplos e lucrativos, com uma alta demanda por produtos ou serviços específicos, visando maximizar seus lucros. Para alcançar esse objetivo, territórios com um clima de negócios favorável, incluindo regulamentações flexíveis e baixa carga tributária, são especialmente atrativos para empresas que desejam minimizar os riscos operacionais”.
A disputa entre Ocidente e Oriente é antiga, e a Guerra Fria entre EUA e União Soviética é um reflexo dessa luta pelo poder mundial. Agora, em outro cenário, os americanos seguem tentando manter a posição de liderança, investindo cada vez mais em tecnologia, uma vez que seu concorrente, a China, mostra-se avançado nos sistemas tecnológicos, principalmente em mobilidade, como nos carros elétricos.
Compras bilionárias
Originalmente conhecida como DiDi Dache, a empresa se uniu em 2015 com a Kuadi Dache, uma grande plataforma de transporte na China, formando a DiDi Kuaidi, que posteriormente passou a ser chamada de DiDi Chuxing.
A união trouxe novas conquistas para a gigante chinesa, fazendo com que conquistasse mais de 95% do mercado do país, competindo diretamente com o Uber, que havia entrado na China em 2014.
Em 2016, a Didi Chuxing adquiriu a filial chinesa de sua concorrente americana por US$ 7 bilhões, resultando na criação de uma empresa avaliada na época em US$ 35 bilhões.
Abertura de capital?
Depois de muitas polêmicas envolvendo a abertura ou não do capital da Didi, em 2016, a empresa decidiu ingressar na bolsa de valores de Nova Iorque, com o preço inicial de US$14 para suas ações e na época foi avaliada em US$67 bilhões.
Porém, em 2022, anunciou a sua saída da bolsa com 96,26% dos investidores aprovando a movimentação da companhia, que tomou a decisão quase um ano depois da listagem. Em 2021, a Didi atraiu a atenção do regulador da internet da China ao tentar uma listagem de ações na bolsa dos Estados Unidos sem a devida aprovação. Como consequência, dezenas de seus aplicativos foram banidos das lojas de aplicativos, além de receber uma multa de 1,2 bilhão de dólares.
Compra da 99
Em 2018, a 99 foi a primeira startup brasileira, empresa iniciante de tecnologia, a atingir o patamar bilionário em valor de mercado, após ter seu controle comprado pela Didi.
O negócio ocorreu um ano depois da gigante chinesa entrar para o conselho de administração da 99 e liderar um investimento de US$ 100 milhões na brasileira. Em comunicado enviado pelas companhias para o G1 na época, afirmaram: “O investimento marca um passo significativo na execução da estratégia global da Didi. A companhia fechou parcerias com sete empresas internacionais, em uma rede que atende mais de 1.000 cidades e atinge mais de 60% da população mundial”.
Fechamento de caixa
Outra dúvida que surge quando tratamos de empresas de mobilidade é o fechamento das contas em azul, ou seja, terminar o mês ou ano sem nenhuma dívida. A Uber é um exemplo, porque em 2023, pela primeira vez, fechou um ano no azul com lucro de US$ 1,43 bilhão, de base líquida.
Mas por qual motivo, desde sua criação, a empresa só conseguiu esse feito no último ano?
“Enquanto a Didi demonstrou lucratividade em alguns anos, também enfrentou prejuízos em outros períodos devido a investimentos pesados em expansão internacional, pesquisa e desenvolvimento, além de subsídios para motoristas. Já a Uber enfrentou uma trajetória semelhante à da Didi em termos de lucratividade, registrando prejuízos significativos em vários anos, à medida que investia em expansão global, desenvolvimento de novos produtos (como Uber Eats) e tecnologias de condução autônoma”, desenvolve o especialista Diego.
Diferença de corridas e viagens entre a Uber e Didi
Renan Pieri, professor de Economia da FGV EAESP, explica que as variações econômicas das empresas, também conhecidas como flutuações, podem influenciar bastante. Em um cenário de juros mais altos: “Significa menos crédito para essa estratégia de expansão, trazendo um prejuízo. Isso limita o crescimento das empresas, tanto é que empresas de tecnologia em geral andaram demitindo os funcionários nos últimos anos para se adequar a essa nova realidade em que o capital é mais caro. Também, observamos uma desaceleração em alguns países por conta da pandemia, e as de transportes urbanos, certamente, sofreram com menos pessoas transitando, embora se tenha voltado, e também uma maior dificuldade econômica, como consequência do crescimento da inflação. Significa um consumidor com menos renda para gastar, e uma gasolina com preço maior”, reitera o professor.
Impacto socioeconômico
Sendo assim, o economista Gustavo Cruz, da RB Investimentos, explica que nos Estados Unidos existe uma questão da cultura americana, com um mercado de trabalho mais flexível. “Além de uma estabilidade política, os Estados Unidos tem um ambiente que favorece a concorrência, embora tenha algumas disputas com táxis em níveis estaduais, e que exige um despejo de gastos com jurídico por conta dessas disputas, mas de qualquer forma é um mercado mais aberto”.
Gustavo adiciona: “Na China, a Didi passou por um crescimento intenso, pois a economia do país se urbanizou muito nos últimos anos. Com alta demanda por serviços de transporte, pela quantidade de pessoas e crescimento das propriedades”. O especialista afirma que na China, diferentemente dos Estados Unidos, o governo mais protege do que pune a companhia, ou seja, ele evita a entrada de concorrentes estrangeiros, apoiando bastante o desenvolvimento do local. Gustavo acredita que a rivalidade acaba protegendo as empresas mais na China do que nos Estados Unidos, e faz com que o tabuleiro de disputa fique mais em outros países do que exatamente em um desses.
Perspectivas futuras
Sendo assim, surgem hipóteses do que será dessa disputa e o que esperar de EUA e China nos próximos anos, e o mestre em geografia ainda explicou que a competição entre os países continuará, especialmente em setores chave como tecnologia, inteligência artificial, semicondutores e energia renovável. No entanto, ambos os países dependem um do outro em áreas como comércio, cadeias de suprimentos e investimentos.