Os ajustes automáticos de tarifas refletem a oferta e demanda em tempo real, transformando a experiência de motoristas, passageiros e donos de aplicativos.
O sistema de tarifação dinâmica é um mecanismo que ajusta os preços das viagens em tempo real, de acordo com a variação da oferta e da demanda. O economista João Branco explica que a inserção de aplicativos como a Uber no mercado de transporte o levou a estar perto de uma concorrência perfeita, condição na qual há muitos compradores e vendedores, os produtos são homogêneos, há livre entrada e saída de empresas, troca de informação entre os participantes e mobilidade total de recursos. Nesse cenário, todas as transações ocorrem sem impactar terceiros não envolvidos.
Em concorrência perfeita, há também a lei de oferta e demanda, como relata Branco: “Se tiver muita gente querendo Uber, o preço vai subir. Se tiver pouca gente oferecendo Uber, também de madrugada, quando tem pouca gente oferecendo o serviço, o preço vai subir. O preço sobe e desce, então, em função da concorrência, em função das leis de mercado.”
Por conta dessa relação de oferta e demanda ser natural de certos mercados, a prática da tarifação dinâmica não descumpre nenhuma lei, como explica o advogado Rafael Duarte: “não vigora no Brasil uma lei que regule especificamente a adoção de tarifas dinâmicas pelos aplicativos de mobilidade urbana”, explica.
No entanto, Duarte aponta que alguns consideram a prática abusiva, conforme os Artigos 39, V e X do CDC, que proíbem exigir vantagem manifestamente ilegal e aumentar sem justa causa o preço de produtos ou serviços: “Defendem que caberia à Uber disponibilizar mais carros nas regiões, o que faria o valor diminuir – e não aumentar o valor pago pelo consumidor quando a disponibilidade de carros for menor”, relata.
A tarifação dinâmica significa que o valor da corrida pode ser maior em momentos de pico, como horários de rush, eventos grandes ou em dias chuvosos, quando há mais pessoas buscando transporte e menos motoristas disponíveis.
O algoritmo por trás da tarifa dinâmica é complexo e leva em consideração diversos fatores, como demanda por corridas, localização, horário e condições do trânsito. Em momentos de alta demanda, quando há mais passageiros buscando viagens do que motoristas disponíveis, o preço da corrida aumenta.
Áreas com maior concentração de pessoas, como centros urbanos e pontos turísticos, geralmente apresentam tarifas dinâmicas mais elevadas. Faixas horárias de pico, como o final da tarde e início da noite, também podem influenciar no valor da corrida. Congestionamentos e outros eventos que impactam o tempo de viagem também podem levar ao aumento da tarifa.
Para os motoristas, a ferramenta representa uma oportunidade de aumentar os ganhos nesses momentos de alta demanda. Rafael Galego, motorista de aplicativo há sete anos, compartilha como as tarifas dinâmicas impactam seu trabalho diário. Ele menciona que, antes de sair para trabalhar, verifica os eventos do dia: “Sempre antes de sair para trabalhar, verifico os eventos que vai ter no dia e tento focar principalmente na saída que é o momento que vai ter muita solicitação e quando abre as dinâmicas nos aplicativos”, explica.
Rafael reconhece os benefícios das tarifas dinâmicas para seus ganhos: “Ela traz benefícios, porque com elas aumentam os meus ganhos para suprir os dias em que fiquei parado sem rodar”, afirma. Ele relata que adaptou seus horários de trabalho para coincidir com momentos de tarifa dinâmica mais alta, especialmente nos fins de semana, focando nos principais eventos e horários de saída.
Sheila Strougo, que também trabalha como motorista de aplicativo há sete anos, compartilha suas experiências. Sheila critica o alto custo das tarifas dinâmicas, que considera desproporcionais: “É um absurdo o que as empresas cobram de dinâmica. Não é uma coisa plausível, pagável. É alto demais, é caro demais”, relata. Ela observa que os passageiros tendem a esperar que os preços baixem, especialmente após grandes eventos: “Sim, eu acho que os passageiros, dependendo, por exemplo, da saída de show ou evento muito grande, eles ficam esperando baixar sim, ou mudam de lugar”, diz.
Para os passageiros, a tarifa dinâmica pode trazer benefícios como maior disponibilidade de motoristas e menor tempo de espera. No entanto, isso vem com um custo: o preço da corrida. A publicitária Raphaella Condeixa expressa uma visão compreensiva em relação às tarifas dinâmicas cobradas por aplicativos como Uber e 99, acreditando que elas são justas em contextos específicos. “Acredito que elas são justas, principalmente em contextos de chuva e acidentes, pois o motorista vai ter maior dificuldade para se locomover e consequentemente completará menos corridas”, explica ela.
As tarifas dinâmicas, contudo, influenciam a maneira como os passageiros utilizam esses serviços. Raphaella menciona que, quando os preços estão muito altos, tende a esperar para fazer o pedido ou consulta amigos para ver se o preço está melhor nos aplicativos deles. O estudante Rodrigo Santos relata que recorre ao transporte público, caso for possível.
Em situações de necessidade, Raphaella já foi surpreendida por tarifas excessivamente altas: “Uma vez estava no centro do Rio e começou uma chuva muito forte. Ao verificar na Uber, o valor da corrida até minha casa, que normalmente custaria R$ 50, estava R$ 120. Não possuía muitas opções, então fui obrigada a aceitar”, recorda. Rodrigo relata experiência similar, na saída de um show: “Estava na porta do Engenhão, e uma corrida de R$ 70 reais estava por R$ 150. Mas tinha que ir pra casa, então fui mesmo assim”.
Ambos os passageiros também relatam que acreditam que poderia existir mais clareza das empresas sobre o cálculo das tarifas dinâmicas, principalmente em casos extremos. Para Raphaella, uma comunicação mais aberta sobre os fatores que influenciam os aumentos significativos de tarifas ajudaria a justificar os custos aos olhos dos consumidores.
Em relação à essa transparência e à informação ao consumidor, Duarte menciona que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) garante, em seu Artigo 6º, que o consumidor tem o direito de ser informado sobre o preço do serviço adquirido: “E, se a informação é adequada, o consumidor agirá com mais consciência. Portanto, neste debate, a Uber sai em vantagem, pois o preço da corrida estimado ou fechado é informado com clareza antes do cliente decidir se vai aceitar ou não”, comenta o advogado.
Caso o consumidor sinta que foi prejudicado por uma cobrança injusta de tarifa dinâmica, ele pode buscar o Judiciário. “Caso o consumidor entenda que foi lesado, poderá demandar o Judiciário requerendo a devolução em dobro da quantia que pagou em excesso, conforme o Artigo 42, parágrafo único, do CDC”, orienta Duarte.
Nos últimos anos, o aumento da demanda por soluções de mobilidade urbana personalizadas impulsionou o surgimento de diversos aplicativos regionais de transporte. Essas plataformas, adaptadas às necessidades e particularidades de diferentes localidades, oferecem alternativas aos serviços globais de transporte, como táxis e carros particulares. Nesse contexto, a Machine, um produto da startup Gaudium, é uma tecnologia feita para essas empresas de mobilidade e logística.
Marcella Rodrigues, que trabalha com as corridas facilitadas pela Machine, explica que houve uma mudança no sistema das tarifas dinâmicas nos aplicativos de corrida que utilizam essa tecnologia. Anteriormente, o monitoramento da dinâmica tarifária era uma tarefa realizada manualmente pelas centrais de operação.
“Elas precisavam acompanhar quase em tempo real, ajustando as tarifas conforme as variações na demanda, eventos na cidade e movimentações dos aplicativos concorrentes, para garantir que os motoristas fossem incentivados a permanecer ativos nas áreas estratégicas. Esse processo envolvia cálculos complexos e análises detalhadas, além de demandar um grande esforço de mão de obra, resultando em custos adicionais para as empresas”.
Com a implementação de uma dinâmica automática na plataforma, a abordagem mudou significativamente. As centrais podem usar a tecnologia do H3, um sistema de indexação espacial hierárquico e hexagonal, também usado pela Uber. Ele foi criado para otimizar o preço das corridas e o despacho de veículos, bem como para visualizar e explorar dados espaciais de forma eficiente. O H3 permite analisar informações geográficas para definir preços dinâmicos e tomar decisões em nível de cidade.
Essa tecnologia faz com que o sistema identifique a demanda excedente, que são as corridas disponíveis sem motoristas para atendê-las dentro de certas áreas. Com essas informações, a central pode configurar o fator de ajuste apropriado, permitindo que, quando essas condições forem detectadas pelo sistema, os ajustes de tarifa sejam aplicados automaticamente.
Segundo Marcella, a principal vantagem da dinâmica automática é a agilidade e eficiência proporcionadas: “Com os ajustes automáticos de tarifas, as centrais podem responder rapidamente às mudanças na demanda, garantindo que os motoristas sejam incentivados a atender às solicitações em áreas de alta demanda,” destaca Marcella. Isso melhora a experiência do usuário, reduzindo os tempos de espera, e otimiza a utilização da frota de motoristas, aumentando a eficiência operacional.
Esse sistema de alteração das tarifas é ativado automaticamente quando há um aumento repentino na demanda por corridas em uma determinada área, ou quando há uma diminuição na disponibilidade de motoristas. O programador Leonardo Freitas explica que as informações pessoais do usuário não são acessadas: “A Uber não precisa acessar informações pessoais dos celulares dos usuários para implementar essa tarifação dinâmica. Ela usa dados da localização, que o usuário ativa quando usa o app, e a quantidade de solicitações e motoristas que estão naquele local”, explica.