A representante diz que sindicatos existem para proteger e ajudar os motoristas, e que assim, como eles, ela depende do trabalho para sua renda.
Nos últimos dias, a equipe do 55 Content fez uma entrevista com Carina Trindade, representante do Sindicato dos Motoristas de Transporte Privado Individual de Passageiros do Rio Grande do Sul (Simtrapli RS).
Foram abordados diversos temas que afetam a vida dos motoristas de aplicativo no Brasil. Carina destacou os principais objetivos dos sindicatos, enfatizando a importância da segurança dos trabalhadores, o combate aos cadastros frágeis de passageiros que comprometem a segurança dos motoristas, e a luta por remunerações justas.
Trindade também mencionou a dificuldade em manter um veículo com as tarifas atuais, que não cobrem os custos operacionais, e a necessidade de locais de apoio para os motoristas descansarem e recarregarem.
A percepção de que os sindicatos não representam adequadamente os motoristas também foi discutida. Carina atribui essa visão ao desconhecimento das ações sindicais e à má experiência prévia com outros sindicatos. Ela enfatizou que, no Simtrapli RS, todos os diretores estão ativamente envolvidos com o trabalho nas plataformas, o que garante a compreensão das questões enfrentadas pelos motoristas.
A dificuldade em alcançar e conscientizar todos os trabalhadores sobre os esforços do sindicato foi reconhecida como um desafio, dada a natureza descentralizada e online do trabalho em aplicativos.
Em relação ao contato entre sindicatos e associações, Carina expressou a opinião de que ambos deveriam trabalhar juntos em prol dos interesses dos trabalhadores, mas reconheceu a existência de atritos devido às diferenças de abordagem.
A entrevista também abordou as dificuldades nas negociações com empresas e o governo, especialmente as complexidades envolvidas na criação de legislações. Carina mencionou os obstáculos e a lenta progressão do Projeto de Lei (PL) que visa a regulamentação do setor.
Por fim, Carina fez um apelo aos motoristas para que se informem sobre o trabalho dos sindicatos e participem ativamente para fortalecer a luta por melhores condições de trabalho, segurança, entre outros. Ela destacou a importância da união e da colaboração entre os trabalhadores, sindicatos e associações para superar os desafios enfrentados pela categoria.
Confira, abaixo, a entrevista na íntegra:
Quais são os principais objetivos dos sindicatos de motoristas?
O objetivo dos sindicatos é trazer segurança pros trabalhadores, que é uma parte muito importante. Desde que as plataformas chegaram ao Brasil, temos que recorrer ao judiciário para garantir pagamentos de indenizações e pela segurança, no quesito de fazer um cadastro mais rigoroso dos passageiros. Quando eu comecei a fazer Uber, há 7 anos, nós fazíamos conta na 99 e na Uber de qualquer jeito, até com nome de pessoas que já vieram a óbito a gente conseguia. Desde então, não mudou muita coisa. Eles dizem que investem milhões em segurança, mas nós sabemos que, efetivamente, o cadastro é muito frágil. Eu trabalho na madrugada aqui na região metropolitana de Porto Alegre, e me sinto muito insegura na hora de buscar um passageiro, porque eu não sei se ele foi verificado. Agora, a 99Pop colocou um selo para passageiros que fizeram o cadastro completo, mas a plataforma ainda permite que o nome seja alterado toda hora. Acontece de pessoas mudarem para fazerem assaltos, colocando foto de mulher, crianças. Então, o cadastro ainda é muito frágil.
Tem também a questão do ganho mínimo e garantia de um aumento salarial, que a gente não tem. Desde que as plataformas surgiram, os valores foram baixando, e a gente acha que é muito importante esse aumento salarial. Hoje, nos oferecem corridas a R$0,86, ou R$1,00 o quilômetro rodado em algumas cidades do Brasil. Não tem como manter um carro com esse valor, mesmo que seja alugado. Como o motorista vai manter um carro alugado, que custa em torno de 700 a 800 reais por semana, recebendo no máximo mil por semana? Não tem como. Para manter um bom carro, uma boa nota, você pega vários tipos de corrida. As tarifas aumentam para os passageiros e diminuem para os motoristas.
São plataformas grandes, que estão na mesma associação. Por que não estipular um valor mínimo para os motoristas receberem? Agora, nós estamos exigindo R$2,00 por quilômetro rodado. Nenhum trabalhador deveria ganhar menos que isso.
A gente também luta por melhorias como pontos de apoio onde os trabalhadores possam parar para fazer um lanche, carregar o celular, descansar. Tem trabalhadores que rodam por 20 horas no dia. A carga horária é muito extensa. Também trabalhar a parte psicológica do motorista, porque é complicado.
Tem o suporte jurídico também, como quando o trabalhador é bloqueado. Eu recebo todos os dias umas 5 pessoas que foram bloqueadas. Isso só os que entram em contato com o sindicato, fora os que não entram ou acabam trabalhando com outra plataforma. Essa semana, por exemplo, eu conversei com a Uber, porque recebi um motorista que foi bloqueado por causa de um processo judicial em que a pessoa foi vítima, há 20 anos atrás. A Uber contratou uma empresa terceirizada para fazer varredura dos motoristas, e eles bloqueiam sem dó.
Então, a gente busca melhorias na parte de segurança, bloqueios e desbloqueios, aumento salarial para o trabalhador, pontos de apoio…
Na sua opinião, por que muitos motoristas alegam que não se sentem representados pelos sindicatos?
Eu acredito que muitos motoristas na verdade não conhecem o trabalho dos sindicatos, apesar da gente trabalhar em rede social e ficarmos na pista com os trabalhadores e nos grupos de trabalho. Alguns desses trabalhadores também podem ter tido problemas com sindicatos em algum emprego anterior, e carregam isso. Mas isso depende muito dos diretores. No nosso sindicato, por exemplo, todos os diretores são trabalhadores de aplicativos. Nós temos trabalhadores de Uber X e Uber Comfort, Uber Black, etc. Todos da diretoria são trabalhadores ativos nas plataformas. Isso é importante para conhecer a realidade, estar próximo do trabalhador, fazer parte dos grupos para saber o que realmente acontece no dia a dia.
Mesmo assim, não conseguimos atingir todos os trabalhadores das plataformas. Só aqui no Rio Grande do Sul, são em torno de 120 mil trabalhadores, por estimativa nossa. Só em Porto Alegre, são 45 mil, de acordo com o que a Uber passou na última vez. Mesmo não conseguindo atingir todos, a gente faz o que pode. Todos os dias ajudamos motoristas que sofreram bloqueios ou assédio, por exemplo.
A gente não tem uma fábrica ou empresa física para chegar e reunir as pessoas, são trabalhadores que estão online. Divulgar o sindicato e o trabalho que fazemos para os trabalhadores que não sabem da existência dele é uma das nossas maiores dificuldades, não conseguimos divulgar que estamos aqui para proteger e ajudar.
Como você enxerga a disputa entre sindicatos e associações?
Na minha opinião, não deveria haver disputa porque é praticamente a mesma coisa. Nós trabalhamos pelo bem do trabalhador, para ajudar. É uma ferramenta para auxiliar na parte jurídica, segurança, em várias coisas. Então, o trabalho da associação deveria ser em paralelo com o dos sindicatos. Eu não acredito que deveria ter esse atrito entre nós. Mas infelizmente tem, porque algumas pessoas não acreditam nessa união.
Aqui no Rio Grande do Sul, nós temos quatro associações hoje em dia. Duas delas são unidas com o sindicato. O trabalho que a gente desenvolve e promove, as audiências públicas, nós fazemos questão de convidar os presidentes das associações, para que estejamos juntos. Queremos unificar, ao invés de dividir. Mas a gente sabe que existem associações que não querem assunto com os sindicatos, pela ideia que já comentei de que o sindicato não funciona.
A gente sabe também que, por lei, só os sindicatos podem assinar acordos e convenções coletivas. Isso traz problemas com as associações, que não têm esse poder. Por mais que a gente ainda não tenha carta sindical aqui no Brasil, temos confederações e federações para assinar.
Você tem um grande papel na luta pela regulamentação da profissão. Quais são os maiores obstáculos encontrados nas negociações com as empresas e órgãos governamentais?
No começo, os maiores obstáculos que a gente teve foram baseados no fato de que as empresas não ouviam os sindicatos, não sentavam para conversar com a gente. Depois que teve a mesa tripartite, onde a gente sentou com o governo e as plataformas, eles começaram a entender o papel dos sindicatos, e que realmente é com a gente que eles tem que fazer acordos coletivos e outras negociações.
Atualmente, nosso maior obstáculo é não ter saindo ainda o PL. A gente teve uma reunião onde houve divergências com as empresas e o governo, por não concordar com as primeiras coisas que foram mostradas do PL. Também tem divergências ao longo do tempo, porque eles modificam uma coisa que a gente não quer que seja modificada, por exemplo.
Eles querem tirar a questão do vínculo empregatício, e isso é um grande problema para nós. A gente sabe que nem todos os trabalhadores querem esse vínculo, mas para muitas pessoas isso é importante, principalmente da forma que as empresas atuam hoje. Se elas mudarem esse jeito, não terá vínculo. A forma atual deles é sem conversas, com bloqueios desnecessários sem a chance do motorista se defender, de dar o próprio valor, coisas assim.
Tem também a questão da assiduidade, que eles fazem através da gamificação do aplicativo, e faz com que o motorista fique logado por mais tempo, para fazer mais corridas. As ameaças também, em relação ao tempo de pista, taxa de aceitação, se não tiver taxa de cancelamento baixa… Até pouco tempo atrás, nós não tínhamos nenhum tipo de conversa com as empresas, eles não reconheciam os sindicatos. Depois da mesa tripartite, isso melhorou um pouco. Eu consigo entrar em contato com eles diretamente para ver questões como a dos motoristas bloqueados, e eles verificam. Isso é importante para conseguir reativar motoristas e resolver outras questões sem precisar entrar na justiça, porque lá os processos demoram muito.
A gente vê que houve uma melhora, mas ainda não é todo sindicato que tem esse tipo de conversa, que consegue fazer isso. As plataformas só reconheceram o pessoal da mesa, e a gente precisa que eles reconheçam todos os sindicatos do país, para que a gente possa fazer um bom trabalho.
Você acha que as negociações do GT foram bem sucedidas? Como elas estão atualmente?
Bom, é complicado. Eu acredito que o governo se perdeu um pouco na parte do GT. As reuniões que nós tivemos não decidiram praticamente nada. Tanto que o GT terminou sem acordo, e a gente continuou tendo reuniões tripartite e bipartite paralelamente. Vai fazer três meses que terminou o GT, e a PL não tem um terço finalizado. A gente ia cobrar todos os dias, para saber o que tá sendo feito, mas não saiu nada ainda. Então hoje nós não temos nada para apresentar para o trabalhador. A única coisa que nós sabemos que vai estar na PL é que vai ser garantido um valor de salário mínimo pros trabalhadores de aplicativo.
Isso a gente sabe que tem, mas, efetivamente, não teve acordo nenhum. Nem no PL, nem na mesa de negociação.
Hoje a gente tá aguardando, porque não tem muito o que fazer. A gente sabe o quanto é complicado fazer um PL, tem que passar pelas entidades e órgãos até chegar nas nossas mãos, para podermos avaliar. Depois dessa regulamentação, vamos ver o que é possível fazer, mas ela tem que existir. Porque da forma que tá hoje, não tem como.
Mas é isso, estamos aguardando até hoje. Eles trabalham com prazos, eles vão passando, e não temos nada efetivamente. Infelizmente, porque queríamos ter.
Para fechar, o que você gostaria que o público geral soubesse sobre o trabalho dos sindicatos?
Eu gostaria que os trabalhadores entendessem que o sindicato existe para proteger e ajudar ele. Se ele tiver qualquer tipo de problema dentro do veículo, pode procurar o sindicato. A gente tenta fazer melhorias, tanto na parte da pressão com as empresas, do PL, das leis municipais e estaduais. A gente tenta fazer nosso trabalho. Não temos ainda uma sede fixa, atendemos dentro da CUT (Central Única dos Trabalhadores), mas com horário marcado. Porque ainda estamos trabalhando na pista todos os dias, eu e meus colegas. Às vezes, o trabalhador acha que temos que estar à disposição 100% do tempo, mas nós também somos trabalhadores. Se eu não trabalhar, eu não ganho. Não pago minhas contas, meu carro, as coisas do meu filho.
Então, procure conhecer o presidente do seu sindicato, da história, há quanto tempo atua no aplicativo, como ele vem trabalhando, quais ações o sindicato faz para melhorias, o que já fizeram pela categoria. Procure saber onde fica a sede do sindicato, marque uma visita, converse com o presidente. Não se prenda a noções antigas sobre sindicatos. Para poder participar e ajudar, porque quando a gente tem assembleias, é para a galera participar e ajudar na construção de melhorias para a categoria.
Também é importante destacar sobre a FENAMASP, uma federação nacional de sindicatos, com 19 filiados, que vem tentando fazer um trabalho a nível nacional, não só estadual. Nós temos sindicatos filiados em Roraima, no Amapá, Minas Gerais, sempre tentando fazer nacionalmente algumas atividades para fortalecer todos os sindicatos.