Renan Kalil afirma que PLP 12/2024 impede os trabalhadores de definirem o preço do seu trabalho, sujeitando-os a penalidades por avaliações baixas e punições por cancelarem corridas ou rejeitarem ofertas.
Na última sexta-feira (21), a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) foi palco de um importante debate sobre o Projeto de Lei 12 de 2024, que visa regulamentar a classe dos motoristas de aplicativos. Durante a audiência pública, Renan Kalil, procurador do trabalho e representante do Ministério Público do Trabalho (MPT), destacou pontos cruciais do projeto e a posição institucional do MPT, baseada em anos de experiência e investigação.
“O PL 12 de 2024 é um dos temas centrais que guiam nosso trabalho. E não é à toa que estamos aqui na Alesp numa sexta-feira à tarde, com a sala lotada, com muitas pessoas querendo debater,” afirmou Kalil, ressaltando a importância do tema e o engajamento da sociedade.
Kalil enfatizou que a posição do MPT não é apenas uma opinião, mas sim o resultado de uma atuação contínua desde 2016. “O Ministério Público do Trabalho já vem desenvolvendo atividades, estudos, investigações e propondo ações civis públicas desde 2016, dedicando-se a compreender a dinâmica desse tipo de trabalho,” disse ele.
Entre os pontos destacados, Kalil mencionou a caracterização das empresas de aplicativos de transporte. “O projeto afirma que essas empresas são meras intermediárias, que apenas fazem a aproximação entre o cliente e o prestador de serviços. Quando, na realidade, sabemos que grande parte dessas empresas, especialmente as maiores, fazem muito mais do que isso,” pontuou. Ele exemplificou a discrepância entre a percepção pública e a realidade empresarial, afirmando que, ao chamar um carro, as pessoas mencionam a empresa, e não o motorista específico.
Kalil também trouxe à tona a forma como essas empresas se registram no Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). “Se analisarmos o pedido de registro que essas empresas fazem no Instituto Nacional de Propriedade Industrial, veremos que elas não se registram como empresas de tecnologia, mas como empresas de transporte,” destacou, sugerindo que essa prática reflete a verdadeira natureza das atividades dessas empresas.
Outro ponto de crítica foi a caracterização do trabalho autônomo proposta pelo projeto. Segundo Kalil, a definição é insuficiente. “Os trabalhadores continuam sem poder determinar o preço do seu trabalho, sujeitos a penalidades por avaliações baixas impostas unilateralmente pela plataforma, e podem ser punidos por cancelar corridas ou não aceitar uma grande quantidade de ofertas,” explicou. Ele comparou essa situação com o contrato de trabalho intermitente introduzido pela reforma trabalhista de 2017, que oferece uma maior flexibilidade sem comprometer os direitos trabalhistas.
Kalil concluiu abordando a vedação absoluta do reconhecimento do vínculo empregatício no projeto. “A legislação trabalhista já oferece uma flexibilização interessante para lidar com esse tipo de realidade,” afirmou, sugerindo que o projeto de lei deve ser revisado para garantir que os direitos dos trabalhadores sejam adequadamente protegidos.
Ele ainda abordou outra questão central do projeto: “O artigo 5º do projeto original, que agora está no artigo 23 do substitutivo, lista uma série de elementos que, na visão de algumas instituições, incluindo o Ministério Público do Trabalho, permitem identificar elementos de controle que essas empresas exercem sobre os trabalhadores, mas proíbe o reconhecimento de vínculo empregatício.” Ele explicou que essa proibição pode criar uma desvantagem competitiva, já que empresas que não exercem controle sobre os trabalhadores serão tratadas da mesma forma que aquelas que o fazem.
Outro ponto levantado por Kalil é a potencial inibição de inovação no setor. “Isso impedirá que empresas ou sistemas inovadores que realmente desejem garantir autonomia ao trabalhador o façam, pois permitirá que elementos de controle sejam exercidos sem que isso seja reconhecido como uma relação de emprego,” afirmou. Ele destacou que é essencial analisar as relações de trabalho com uma perspectiva moderna: “A grande questão que coloco aqui é que não podemos analisar o controle e a direção do trabalho em 2024 com uma perspectiva do século passado.”
Kalil também apontou a divergência entre a abordagem brasileira e as tendências globais. “A Europa, em abril deste ano, aprovou uma diretiva que será aplicada a todos os 28 Estados-membros da União Europeia. Essa diretiva visa identificar elementos de direção e controle do trabalho por meio de plataformas digitais, estabelecendo uma presunção de relação de trabalho. Caberá às empresas demonstrar que se trata de trabalho autônomo,” disse ele, ressaltando que essa abordagem coloca o ônus da prova nas mãos das empresas. “O Brasil estará em descompasso com o que está ocorrendo no resto do mundo,” alertou.
Por fim, Kalil expressou sua preocupação com a forma como o tema do descanso foi tratado no substitutivo. “No texto, o descanso é caracterizado como dever, e não como direito do trabalhador. O trabalhador que não cumprir esse dever poderá ser suspenso por 30 dias e multado. As empresas farão muito pouco a respeito disso,” criticou, apontando que a responsabilidade de garantir o descanso adequado dos trabalhadores será transferida para eles próprios, enquanto as empresas não assumirão essa responsabilidade.