Sindicato vê méritos em projeto, mas pede ajustes para remunerar tempo de espera e de deslocamento até passageiro.
Íntegra do posicionamento do SIMTRAPLI-RS sobre PL dos apps
Antes da apresentação do PLC 12/24, o transporte remunerado privado individual de passageiros em veículos automotores de quatro rodas ou, mais simplesmente, o transporte por aplicativos, não tinha qualquer regulamentação legal e era considerado, pelo Supremo Tribunal Federal, uma relação de caráter comercial entre empresas, tendo de um lado as gigantescas plataformas bilionárias e, de outro, os motoristas a elas equiparados como iguais…
O resultado dessa falta de regulamentação era, por sua vez, de um lado, a quase completa informalidade e ausência de quaisquer direitos para os motoristas e de outro uma miríade de batalhas judiciais buscando obter no Poder Judiciário algo que minimamente disciplinasse os conflitos, naturais num âmbito de centenas de milhares de envolvidos.
O primeiro mérito do PLC 12/24, portanto, é propor uma regulamentação, estabelecer os primeiros parâmetros que disciplinem uma atividade que envolve cada vez mais gente. Esses parâmetros poderão ser ampliados, ou modificados, mas transporte por aplicativos deixa de ser terra de ninguém regulada apenas pelos contratos impostos unilateral e leoninamente pelas plataformas.
O segundo mérito do PLC 12/24 é estabelecer que se trata de uma relação de trabalho e não de uma relação comercial. Essa é uma tendência mundial, quase todos os países do mundo estão regulando sob esse prisma, mas nossa Suprema Corte entendia, como visto , de forma distinta. O Projeto busca regular sob um conceito inovador, afastando-se da relação de emprego estabelecida na CLT. Esse ponto, muito polêmico, chancela, porém, a vontade da grande maioria da categoria, que não quer uma relação legal marcada pela subordinação exacerbada característica da relação de emprego, forjada nas linhas de montagem da segunda revolução industrial, no século passado. Preservar a autonomia na prestação dos serviços (a plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo, como diz o projeto) afasta a regulamentação dessa relação de trabalho do contrato de emprego.
A figura do autônomo híbrido, ou autônomo com direitos, (ou outra nomenclatura que vá se firmar com o tempo) é, na verdade, um novo tipo de contrato de trabalho, mais adequado às novas tecnologias da terceira revolução industrial.
Como tal, não nasce pronto ou perfeito. Deverá se desenvolver e atrair novos direitos, como ocorreu com o contrato de emprego ao longo do século XX. E para tanto certamente colaborará a negociação coletiva prevista no PLC 12/24, que se enfrentará mais abaixo.
Isso, porém, não nos impede de afirmar que a Justiça do Trabalho tem, e deverá manter, a competência de, nos casos concretos que lhe forem submetidos, se desrespeitada pelas plataformas a legislação regulamentadora e presentes as condições previstas na CLT, reconhecer a existência de relação de emprego. Não podemos abdicar da luta que ora se expressa no julgamento do RE 1466336 no Supremo Tribunal Federal.
Passaremos, a seguir, a fazer uma análise, preliminar, das principais disposições do PLC 12/24, apontando seus méritos e suas falhas e trazendo desde já sugestões para seu aperfeiçoamento na tramitação no Congresso Nacional
O projeto estabelece que nenhum trabalhador poderá receber menos que o salário mínimo nacional, mas essa regulação é feita de modo que para esse objetivo seja considerado apenas 25% do valor bruto auferido pelo motorista. Será considerado indenizatório ¾ do valor percebido em cada corrida, para cobrir os custos de veículo, celular, etc… É uma inovadora garantia de renda líquida mínima, já que se não for atingido o patamar fixado na lei, a plataforma deverá complementar a diferença. Nenhuma categoria no país tem esse tipo de garantia.
1. O valor mínimo por hora trabalhada
O SIMTRAPLI-RS que integrou o Grupo de Trabalho cujos debates deram origem ao PLC 12/24, defendia que fosse fixado valor mínimo por quilômetro rodado e por tempo de espera. Ocorre que o Supremo Tribunal Federal entende que o transporte por aplicativo não é transporte público, mas atividade privada. Assim, o Poder Público não pode fixar tarifa mínima em aplicativos, como não pode fixar preços mínimos de mercadorias ou serviços privados. Pode-se, porém, garantir renda mínima para qualquer trabalhador, por hora trabalhada. Não faria sentido algum, portanto, regular por quilômetro rodado para ver dita “garantia” derrubada pelo STF e ficarmos sem nada.
Com a formalização de nosso trabalho, houve também dúvidas sobre a incidência de imposto de renda em nossos ganhos. Com essa norma de 25/75% , a tributação incidirá apenas sobre a remuneração real, sobre os 25%. Assim, com as atuais regras de isenção do imposto de renda, somente serão tributados os motoristas que ganharem, bruto, mais de R$ 11.200 por mês, o que nos parece um patamar bastante razoável, deixando claro que será o incluído no PL uma emenda específica sobre Imposto de Renda para Trabalhadores plataformizados feita pela bancada dos trabalhadores.
De toda maneira, entendemos que neste ponto o projeto pode ser aperfeiçoado, porque remunera apenas a hora efetivamente rodada com o passageiro e não a hora logada e em cada corrida há alguns minutos a mais de espera e deslocamento que são tempo efetivamente trabalhado e que também deveria ter alguma remuneração.
Importante referir que esses parâmetros são piso e não teto; a remuneração é o mínimo e não o máximo…
2. A inserção previdenciária
O projeto, ao retirar o transporte por aplicativo da informalidade, insere definitivamente o trabalhador motorista na Previdência Social. O PLC 12/24 considera os motoristas contribuintes individuais e fixa uma alíquota de contribuição de 7,5%, mas que incidirá apenas sobre a parte da remuneração, ou seja, sobre os 25% supra citados. Assim, a contribuição real é de cerca de 3% do valor bruto auferido pelo motorista, o que igualmente nos parece um patamar muito razoável, particularmente por ser subsidiado, perante os 11% do conjunto dos trabalhadores.
Com essa contribuição, o motorista terá acesso aos benefícios da Previdência, como a aposentadoria, inclusive especial, auxílio-doença, auxílio-maternidade, sem os limites e com alíquota inferior ao MEI- Micro Empreendedor Individual. É, portanto um aperfeiçoamento em relação ao instituto do MEI, que surgiu há alguns anos para retirar muita gente da informalidade, mas fica aquém do sistema agora proposto para os motoristas de aplicativos.
Um aperfeiçoamento necessário no projeto é a extensão aos motoristas do auxílio-acidente, que não seria aplicável em face da caracterização como contribuinte individual, mas que por óbvio, para nossa categoria seria um benefício fundamental.
3. A representação sindical e a negociação coletiva
Um dos grandes méritos do projeto é reconhecer a representação sindical da categoria e assegurar a negociação coletiva. Atualmente, o comportamento geral das plataformas é de simplesmente não receber, não falar e não negociar com os motoristas. O reconhecimento dos sindicatos obriga as empresas a tratarem com os trabalhadores. E mais, garante aos trabalhadores que são eles que escolhem quem negocia com as empresas. Num sistema de multiplicidade de associações, as plataformas podem escolher com quem negociam. Falamos com essas e não com aquelas. Escolhem quem é o interlocutor. Com o reconhecimento legal do sindicato, são os trabalhadores que livremente, por eleições, escolhem quem lhes representa. Isso faz toda a diferença. E o projeto não obriga ninguém a se filiar ao sindicato, que também de forma transparente e democrática define suas contribuições.
Um sindicato, também, permite a proposição de ações coletivas em demandas judiciais em benefício da categoria, garantindo isonomia, celeridade e proteção contra retaliações individuais.
E a negociação coletiva é por onde nascem os direitos. Muito do que hoje está na CLT primeiro surgiu nas mesas de negociação. É o mais rápido, eficaz e adequado meio de ampliar direitos.
Aqui, o projeto também pode ser aperfeiçoado. É essencial assegurar , expressamente, que a justiça competente para dirimir os conflitos oriundos da relação de trabalho regulada no PLC 12/24 é a Justiça do Trabalho, ramo especializado do Poder Judiciário, preparado para intervir no mundo do trabalho.
4. Autonomia, transparência e direito de defesa
Muito importante , também, são as inúmeras disposições do PLC 12/24 que asseguram autonomia, transparência e direito de defesa na prestação de serviços.
O projeto, como já dito, assegura plena liberdade para decidir sobre dias, horários e períodos em que se conectará ao aplicativo e proíbe as plataformas de fazer qualquer exigência sobre tempo mínimo e habitualidade. Isso impedirá os algoritmos de distribuir boas corridas apenas para quem fica X horas com a plataforma, já que o projeto também proíbe exigir exclusividade.
O art. 8º do projeto é inovador em garantir uma transparência sobre como e quanto a plataforma paga ao motorista, acabando com a “caixa preta” que permite que as plataformas às vezes fiquem com até 80% do valor da corrida. O motorista terá acesso, também, aos critérios de oferta de viagens, pontuação, bloqueio, suspensão e exclusão da plataformas permitindo a discussão sobre a validade da motivação do bloqueio e não apenas, como hoje, remeter vagamente aos termos de uso.
A caracterização do legislador como contrato de adesão à plataforma possibilita um debate mais benéfico ao trabalhador sobre a abusividade de clausulas (art.6) O art. 7, quando refere que o serviço deve ser pautado pela “redução dos riscos inerentes ao trabalho “combinado com a fiscalização do MTE garante que o trabalhador possa exigir medidas de saúde, segurança do trabalho, que possa surgir uma NR (Norma Regulamentadora) sobre trabalho em aplicativos e que as plataformas possam ser responsabilidades em casos de acidente de trabalho e doenças ocupacionais.
O art. 12, ao trazer o dever da plataforma de diligência com os direitos dos trabalhadores, obriga as empresas a agir de forma atenciosa e com cuidado, possibilitando menos bloqueios e abusos de direito Para a exclusão, está assegurada a ampla defesa e o contraditório, acabando com as expulsões sumárias. Mas o projeto não é tão claro neste ponto em relação a suspensões e outras formas de punição, podendo também aqui ser atperfeiçoado. Da mesma forma, deverá assegurar que ditas defesas sejam apreciadas por seres humanos nas plataformas, e não por robôs, em princípio que já consta da LGPD-Lei Geral de Proteção dos Dados.
5. Conclusão
O PLC 12/24 é um primeiro passo, que tira o transporte de passageiros por aplicativo da informalidade, reconhece o motorista como trabalhador, lhe assegura direitos básicos, como a renda mínima, insere na previdência social, garante sua autonomia na prestação de trabalho e reconhece a representação sindical. Comparado com o que temos hoje, são avanços consideráveis. O projeto deve passar por alguns aperfeiçoamentos em sua tramitação no Congresso Nacional, e o SIMTRAPLI-RS, que desde o início acompanha essas negociações, garante à sua categoria que continuará presente, defendendo nossos interesses, bem como o avanço de nossos direitos, levando sugestões para seu aperfeiçoamento.