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Motoristas de app criticam pagamento por hora e defendem por quilômetro rodado. Faz sentido?

Na imagem, há um grupo de pessoas reunidas durante o dia em um protesto ao ar livre. Algumas pessoas estão de pé sobre um veículo, possivelmente um caminhão ou reboque, segurando um grande faixa com o texto "DIGA NÃO AO PLP 12/2024". Outras pessoas estão no chão, parecendo estar assistindo ou participando do protesto. Algumas delas estão filmando ou fotografando o evento. O céu está nublado, sugerindo um tempo fechado. A atmosfera parece ser pacífica mas carregada de um senso de ativismo e propósito.

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Projeto de lei do governo federal estipula “salário-mínimo” do motorista por hora.

No dia 4 de março, o presidente Lula assinou o PLP 12/2024 que regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativo e o enviou ao Congresso Nacional sob regime de urgência, Após um período de discussões na Câmara dos Deputados, a urgência do PLP foi retirada oficialmente no dia 11 de março, dando ao projeto um prazo de 60 dias para ser aprovado ou rejeitado.

Um dos artigos do projeto visa estabelecer uma remuneração mínima de R$ 32,10 por hora trabalhada para os trabalhadores. Desde a divulgação do projeto, muitos motoristas de aplicativos criticaram este modelo de pagamento baseado em horas trabalhadas, argumentando que o pagamento por quilômetro seria mais justo, refletindo melhor o esforço e os custos operacionais e associados ao deslocamento.

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Para o motorista e influenciador Ronaldo Lopes, os motoristas deveriam ser remunerados por km rodado:

“Todos os nossos custos são calculados por quilômetro, incluindo pneus, óleo, manutenção de peças e desvalorização do veículo. A aprovação de uma tarifação por hora é uma das piores mudanças implementadas, especialmente considerando que a Uber atualmente opera com preços variáveis. Com a nova regulamentação, a Uber poderia decidir pagar o valor que quiser por uma corrida, por exemplo, pagar apenas 32 reais por uma corrida de 50 km. Tá escrito na regulamentação. Quando vou abastecer, calculo o combustível com base nos quilômetros percorridos. Se a Uber fornecesse o carro, aí sim poderíamos discutir uma tarifação por hora, mas como o carro é nosso, faz mais sentido manter o cálculo por quilometragem.”

Já para Ian, tanto o km rodado quanto às horas trabalhadas são importantes, mas se fosse para priorizar apenas um, seria o km: 

“É impossível separar duas métricas importantes no trabalho de motorista: o ganho por quilômetro rodado e o ganho por hora trabalhada, porque não há soluções simples para problemas complexos. Se uma solução parece simples para um problema complexo, ela provavelmente é burra ou errada. Portanto, não se pode escolher uma métrica em detrimento da outra, pois ambas são relevantes. Pessoalmente, eu valorizaria mais o ganho por quilômetro, já que a maioria dos custos de um motorista — como combustível, troca de pneu, troca de óleo, manutenção e depreciação do carro — está diretamente relacionada à distância percorrida.

“Agora, considerando apenas o ganho por hora, como exemplificado na regulamentação da PL 12 de 2024, que estipula um pagamento de R$32,10 por hora trabalhada, surge um grande problema. Imagine que me mandem fazer uma corrida que vai durar uma hora, mas terei que percorrer 60 km. Isso significa que ganharei menos de 50 centavos por quilômetro rodado. Além disso, desse valor ainda serão descontados encargos como o INSS. Portanto, é essencial considerar ambos os aspectos, pois cada um tem sua importância e impacto significativo na remuneração do motorista”, completa o motorista. 

Já para o motorista Cláudio Sena, as duas variáveis são imprescindíveis. Ele acrescenta falando que as plataformas também deveriam pagar pelo tempo que o motorista se encontra online pois isso deixaria os aplicativos mais eficientes, uma vez que os passageiros que demoraram menos tempo para encontrar um carro disponível: 

“Deveríamos considerar tanto o tempo online quanto a distância percorrida em quilômetros e os minutos de viagem, já que atualmente a remuneração é baseada apenas nas viagens realizadas, ou seja, pelo quilômetro e pelo minuto. Contudo, a empresa parece ignorar, ou finge desentender, que o tempo que um motorista passa online representa um ativo para ela, dito que ele está disponível para a empresa esperando receber chamadas”.

“Pode-se argumentar que, embora o motorista esteja recebendo chamados, ele não realiza a maioria ou todas as viagens por falhas da própria plataforma, que muitas vezes reduz os preços ao ponto de as viagens não valerem a pena. Muitos motoristas selecionam as viagens que valem a pena. Portanto, as empresas deveriam considerar o tempo online do motorista na sua remuneração. No entanto, isso não acontece porque implicaria em ajustar os valores para mais justo, o que reduziria suas altas receitas ou forçaria um aumento nas tarifas. Se as empresas fossem obrigadas a remunerar também pelo tempo online, isso beneficiaria não só os motoristas, mas também os passageiros, ao diminuir a dificuldade de encontrar um carro disponível, e melhoraria a eficiência da própria plataforma”, justifica Claudio. 

Segundo a procuradora-chefe do Ministério Público do Trabalho no Ceará (MPT-CE), Mariana Ferrer, a preocupação maior em relação a esse tema é a taxa flutuante cobrada pelas empresas, o que não foi abordado, de maneira clara, no projeto. 

“As plataformas podem reter a taxa que bem entenderem, sem nenhuma limitação ou controle, desde que repassem o valor mínimo/hora. Além disso, os motoristas receiam que o valor mínimo vire o máximo. O pagamento por quilômetro rodado teria que considerar as flutuações do valor da gasolina, sob pena de se tornar impraticável. Por outro lado, o valor mínimo por hora assegura que caso trabalhe 44 horas semanais, o motorista receberá, retirados os custos, o salário-mínimo. Porém, preocupa que somente sejam computadas as horas em que estão realizando as corridas, sendo desconsiderado o tempo à disposição”, explica Mariana. 

Um comunicado feito Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia, (Amobitec), grupo da Uber e da 99, no dia 5 de abril, o valor mínimo não se tornará um teto de ganhos e que as viagens não serão pagas por hora trabalhada. O grupo ainda garante que motoristas que fizerem viagens de 50 km e de 10 km, ambas de 1 hora, não terão a mesma remuneração. 

“Nenhum artigo do projeto de lei estabelece a redução dos ganhos atuais dos motoristas de aplicativo de veículo de quatro rodas. Ao contrário, a proposta estabelece uma regra de ganho mínimo, e não um teto, assegurando que todos os motoristas que não ganharem pelo menos o valor determinado terão que receber um repasse complementar de cada empresa operadora de aplicativo pela qual trabalhou no mês. […] Além disso, o projeto proíbe que as operadoras limitem a distribuição de corridas se os ganhos do motorista atingirem o valor do piso. Ou seja, se o motorista ganhar menos que o piso, receberá um complemento da operadora; se ganhar mais, continuará recebendo corridas e obtendo seus ganhos normalmente.”

“O projeto de lei não determina nenhuma mudança na dinâmica de ganhos dos motoristas de aplicativo de veículo de quatro rodas adotada por cada plataforma. O texto não interfere no funcionamento do setor, cada empresa operadora de aplicativo poderá manter seu modelo de operação e estratégia comercial, desde que cumpra as exigências mínimas da regulamentação. As empresas continuam competindo no mercado e podem utilizar precificação dinâmica, preço distinto para categorias diferentes de veículos, promoções para motoristas etc. desde que respeitando o piso. Com a livre concorrência, a plataforma que oferecer as condições consideradas mais vantajosas tende a obter mais sucesso em atrair o motorista.”

De acordo com a advogada Sol Corrêa, a questão da remuneração também não está ligada na forma que ela é paga e sim no valor dela. No entanto, ao contrário da procuradora-geral Mariana Ferrer, ela ainda assegura aos motoristas que o piso não se tornará um teto, dizendo que quem ganha mais que R$ 32,10 possui a segurança jurídica de que continuará a ganhar esse valor. 

“Um exemplo, se eu contrato você para me prestar um serviço, mais relevante se vou lhe pagar por dia, semana, hora, atividade concluída, etc, é o valor que vou pagar independente do que ele está baseado. Ou seja, o que realmente é importante não é se o motorista ganha por quilômetro ou por hora e sim o valor desses fatores de pagamento.”

Sol diz que muitos motoristas querem ganhar em quilômetro porque algumas despesas têm esse critério como combustível, que é litro/km, troca de pneu, troca de óleo, etc. Mas que existem despesas nessa prestação que necessitam ser consideradas e não estão atreladas a quilometragem, como taxas e impostos obrigatórios (IPVA, licenciamento, emplacamento, documentações, etc).

“Hoje, atuando na defesa de motoristas em todo o Brasil temos que ter as informações de ganhos e hora trabalhada para judicializar as causas e fica claro que a média de ganho do motorista é de R$6000 por 200 horas por mês, o que daria R$30/h, ou seja, R$32,10 como prevê no PL estaria acima da média que ele ganha hoje”, completa. 

A advogada deixa claro, porém, que existem cidades onde os motoristas ganham mais que a média e nesses locais, mas os tranquiliza dizendo que “nada vai mudar”: 

“É inverídico o discurso que o piso vai virar teto, visto que o próprio PL tem previsão no art. 9, parágrafo 7 para evitar que isso aconteça. Ou seja, quem ganha mais que a hora de 32,10 tem segurança jurídica que continuará a ganhar e quem ganha menos tem a segurança que vai ganhar melhor”. 

Vladimir Castro, Juiz do Trabalho do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª região, diz que em Fortaleza, existem discussões detalhadas com o Ministério Público sobre a regulamentação das tarifas por quilômetro rodado para motoristas de plataformas de transporte. Segundo ele, a discussão foi motivada pela preocupação com a volatilidade dos preços do combustível, um componente chave no cálculo da tarifa que impacta diretamente os rendimentos dos motoristas.

Ele explica que durante 2022, foi observado um aumento nos preços da gasolina. Em um curto período antes das eleições, o preço saltou de R$ 5,00 para quase R$ 8,00 por litro. Isso gerou um impacto financeiro negativo para os motoristas, pois enquanto o custo do combustível subia, a tarifa paga por quilômetro permanecia inalterada. Como resultado, os motoristas acabavam pagando mais pelo combustível, mas recebiam o mesmo valor por quilômetro rodado, o que reduzia seus lucros. 

“Diante dessas flutuações, sugeri que a fixação das tarifas por meio de legislação seria uma estratégia ineficaz, devido ao tempo necessário para promulgar ou alterar leis, o que poderia deixar os motoristas vulneráveis a perdas por períodos prolongados. A alternativa proposta foi a de que as tarifas deveriam ser ajustadas através de negociações coletivas, envolvendo sindicatos e empresas de transporte. Esse método permitiria uma resposta mais ágil e adaptável às mudanças rápidas nos preços do combustível”, completa o Juiz.

De acordo com Castro, a negociação coletiva, ao contrário do processo legislativo, oferece uma plataforma para ajustes rápidos e efetivos. “Por exemplo, se houver uma nova crise que eleve o preço da gasolina de R$ 5,50 para R$ 7,50 por litro, a negociação coletiva poderia rapidamente estabelecer um novo valor de tarifa que compense o aumento dos custos para os motoristas, minimizando assim os prejuízos financeiros e mantendo a equidade no sistema de tarifação.”

A equipe do 55content também conversou Luiz Corrêa, presidente do Sindicato dos Motoristas de Aplicativos (Sindmobi), e que esteve presente no grupo de trabalho que discutiu a regulamentação do trabalho por app em 2023 sobre ganhos por km rodados versus ganhos por hora trabalhada:

“Sempre fomos a favor da pauta dos trabalhadores defendidas nas manifestações de rua que organizamos. O PL não foi apresentado em quilômetro porque muitos setores dos ministérios dizem que é inconstitucional, alegam que teríamos que fazê-la por acordo coletivo ou por uma regulamentação dos próprios município, mas colocamos uma emenda com a nossa proposta inicial em cima de km”, disse Luiz da SindMobi.

Carina Trindade, presidente do Sindicato dos Motoristas de Transporte Individual por Aplicativo do Rio Grande do Sul (Simtrapli – RS), assim como Corrêa, também foi uma das representantes do grupo de trabalho que discutiu a regulamentação do trabalho dos motoristas de app no ano passado (2023), confirma a fala do presidente do Sindmobi dizendo que a proposta inicial do PLP era incluir uma remuneração que considerasse o km rodado e as horas trabalhadas: 

“Nossa proposta inicial no projeto de lei era remunerar R$ 2,50 por quilômetro rodado e R$ 0,30 por minuto. No entanto, durante as negociações, não conseguimos incluir esses valores diretamente no texto do projeto. Agora, planejamos introduzir essa remuneração através de uma emenda parlamentar, para a qual já temos uma proposta pronta.”

Segundo o especialista em finanças Anderson Monteiro o justo seria um mínimo de R$2,50 por quilômetro rodado: “uma política de remuneração baseada na quilometragem seria mais vantajosa para os motoristas. Isso garantiria que eles sejam pagos de forma proporcional ao esforço e trabalho despendidos. Acredito que o justo seria um mínimo de R$2,50 por quilômetro. Assim, se um motorista percorrer 50km em uma hora, ele ganharia R$125,00. Considerando que a empresa de transporte retira, na pior das hipóteses, 50% deste valor, o motorista ficaria com R$62,50. Deduzindo os custos médios com combustível (R$20,00) e depreciação do veículo (R$5,00), o lucro líquido seria de R$37,50 para o motorista”, justifica.

Monteiro finaliza sua explicação defendendo um valor mínimo de R$ 10 por corrida e que governo reduza os impostos sobre os apps de transporte: “por fim, é sugerido que a política de remuneração também inclua um valor mínimo por corrida de R$10 para garantir que os motoristas não sejam desfavorecidos em corridas curtas que exijam mais deslocamento para buscar o passageiro. Além disso, uma redução dos impostos, por parte do Governo, sobre os aplicativos de transporte poderia beneficiar tanto os motoristas quanto as empresas, melhorando a sustentabilidade financeira do modelo de negócios.”

A equipe do 55content também entrou em contato com a Uber, 99 e inDrive a respeito da questão de remuneração por km rodado versus por hora trabalhada. Enquanto a 99 optou por não participar da matéria, a Uber não nos retornou. Já o porta-voz da inDrive, Carlos Shigueo Nishikawa, Head de Relações Governamentais na inDrive Brasil afirmou:

“A inDrive é uma plataforma global de intermediação de serviços que opera no modelo de “ofertas em tempo real”. Através do aplicativo, o passageiro e motorista negociam os valores da corrida. Quando uma oferta é realizada pelo passageiro, a proposta pode ser aceita ou não pelos motoristas que se encontram na região e que estejam aptos a realizar a viagem pelo valor proposto. Considerando que a PLP 12 continua em fase de estudo e discussão, a inDrive manterá um modelo de negócio flexível ao cenário proposto, garantindo a melhor oferta aos usuários e respeitando o modelo de legislação vigente, sempre considerando um dos valores máximos da companhia: a luta contra injustiças”. 

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