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Entregadores defendem valor mínimo de R$ 10 por corrida de até 4 km, mais R$ 2,50 por km adicional em audiência da Comissão do Trabalho

Em audiência na Câmara dos Deputados, trabalhadores denunciam acidentes, jornadas exaustivas, assédio e falta de proteção para quem trabalha com entregas por app.

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Motorista
Homem vestido de motofretista exaltado em um debate.
Edgar Francisco da Silva, GringoFoto: Edgar Francisco da Silva para 55content

Em audiência da Comissão do Trabalho realizada na última quinta-feira (22), na Câmara dos Deputados teve como tema central as consequências do trabalho em plataformas de entrega sobre a saúde física e mental desses profissionais.

Participaram do debate representantes de associações, sindicatos, coletivos femininos, pesquisadores e lideranças de base. Em comum, todos trouxeram relatos fortes sobre precarização, sobrecarga, acidentes e abandono por parte das empresas de aplicativo.

Pedido por dignidade no trabalho

O primeiro a falar foi Edgar Francisco da Silva, conhecido como Gringo, presidente da Associação dos Motofretistas de Aplicativos e Autônomos do Brasil (AMABR) e representante da Aliança Nacional dos Entregadores por Aplicativo (ANEA). Com tom firme, ele destacou o que chama de pauta urgente dos trabalhadores: “A gente só está pedindo dignidade. Essas empresas precisam valorizar quem carrega elas nas costas.”

Gringo defendeu o valor mínimo de R$ 10 por corrida de até 4 km, mais R$ 2,50 por km adicional. “A baixa remuneração faz com que o entregador precise trabalhar 12, 14, até 16 horas por dia. Sem isso, não dá para pagar nem a manutenção da moto”, disse.

A sobrecarga do entregador acaba forçando o aumento da velocidade nas entregas. “O entregador começa a correr — seja por pressão do algoritmo, seja por necessidade. E nessas condições, mal alimentado, com o veículo em más condições e cansado, o resultado só pode ser o aumento dos acidentes”, afirma Edgar.

Outro ponto de forte crítica foi a recente redução no valor do seguro de vida oferecido pela plataforma. “O iFood reduziu o valor do seguro de R$ 100 mil para R$ 60 mil”, disse. Apesar da justificativa de aumento na cobertura para casos de morte ou invalidez total, o entregador alerta que os acidentes mais comuns são os parciais — justamente os que sofreram a redução na cobertura.

“Se o entregador quebra uma perna, por exemplo, ele não recebe os R$ 60 mil. O valor é proporcional, então acaba recebendo muito menos. Essa mudança foi uma grande injustiça. Defendemos que o valor para lesões parciais seja de R$ 200 mil, e queremos transformar isso em lei.”

Hoje, os valores pagos em caso de acidentes parciais variam entre R$ 300 e R$ 1.500, segundo ele. “Para receber mais que isso, o entregador precisa contratar uma empresa especializada. Mas quem sofreu um acidente fica sem nenhuma outra fonte de renda.

Gringo ainda chamou atenção para a venda de acessórios de segurança: “Eles não oferecem nada. Pelo contrário: vendem os acessórios. Uma jaqueta refletiva, por exemplo, que ainda serve para divulgar a marca, é vendida para o entregador. Não existe nenhuma preocupação real com a segurança, especialmente por parte do iFood.”

Mulheres enfrentam desafios invisíveis

Apesar do crescimento de 84% no número de mulheres motociclistas no Brasil e da marca de 10 milhões de condutoras habilitadas até 2025, as condições de trabalho seguem marcadas por desafios específicos. “A mulher motociclista passa de 10 a 12 horas por dia sobre a moto, sob sol e chuva, usando calças que favorecem infecções como candidíase. A dificuldade de acesso a banheiros é enorme”, relata A representante da Associação de Moto Girls e Entregadoras da Paraíba (AMEN-PB), Miriam de Araújo. Segundo ela, são poucos os banheiros disponíveis e os que existem são mistos, o que gera constrangimento e insegurança.

 “A gente precisa trocar o absorvente de três em três horas, mas como fazer isso numa rotina de corridas ininterruptas e agendadas de hora em hora nos aplicativos? Se a gente pausa, é penalizada”, explica. Ela ressalta que, apesar do aumento de mulheres nas ruas, não há políticas de suporte adequadas. “A precarização cresce junto com a presença feminina.”

A cobrança sobre a performance é constante: “47% das mulheres relatam ter sua capacidade de pilotar questionada, mesmo com um número de acidentes muito menor do que o dos homens.”

Ela pede atenção do poder público para o problema: “A gente queria que o Ministério da Saúde entrasse nessa discussão. A saúde íntima da mulher trabalhadora está sendo negligenciada a um ponto que pode comprometer a próxima geração”, declara a motogirl.

Miriam também alertou sobre as penalizações nos aplicativos para quem não cumpre metas de entrega. “A mulher tem carga dupla, às vezes tripla, e ainda é punida por não trabalhar mais.”

Aumento de acidentes e abandono

Rodrigo Lopes da Silva, liderança de base em Pernambuco, falou sobre o fato de que os impactos da precarização do trabalho sobre duas rodas vão além das questões econômicas e estruturais, eles também recaem diretamente sobre a saúde e a dignidade desses profissionais. Dados recentes apontam um aumento de 12,5% nos acidentes de trânsito no Brasil nos últimos dez anos — período que coincide com a chegada e expansão dos aplicativos de entrega no país. “Só os custos hospitalares no SUS já somam R$ 3,8 bilhões”, afirmou Rodrigo.

Ele criticou propostas legislativas que, segundo ele, desconsideram a gravidade do cenário. “O que me impressiona é ver deputado com a capacidade de propor CNH gratuita sem capacitação. Criar projeto de lei sem olhar os dados é brincar com a vida desses heróis. E pior: muitos desses entregadores já são maltratados, assediados e subjugados por empresas e clientes. Agora ainda querem usar isso como bandeira, sem oferecer suporte real.”

O entregador reforçou a urgência da regulamentação. “É inadmissível que, mesmo com tantos dados e denúncias, essa categoria ainda precise fazer breques para ser ouvida.”

Rodrigo denunciou ainda o impacto dos bloqueios injustos: “Tem trabalhador que chora quando é bloqueado. Porque é a única renda que tem.” 

“Plataforma é só uma máquina”

Vitor Araújo Filgueiras, economista da Universidade Federal da Bahia (UFBA) e coordenador do projeto “Caminhos do Trabalho” da Fundacentro, foi direto: “Plataforma é só uma máquina digital. O que estamos debatendo aqui é como empresas usam essa máquina para controlar o trabalho, sem seguir nenhuma regra.”

Segundo o economista, o problema central é que essas empresas não cumprem as regras mínimas que qualquer outra empresa é obrigada a cumprir: “Elas não fazem exames médicos, não têm CIPA, não realizam gestão de riscos. Existe um arcabouço jurídico em vigor que simplesmente é ignorado.”

Dados apresentados reforçam a gravidade da situação. Segundo pesquisa realizada pelo Sebrae em 2023, 51% dos entregadores relataram, nos três meses anteriores ao levantamento, ter sofrido acidentes de trânsito, agressões físicas, assédio racial ou assaltos. “Esse percentual é desproporcional a qualquer outro indicador nacional, seja da CAT ou da Pesquisa Nacional de Saúde. Mesmo os dados das próprias empresas apontam para essa carnificina.”

Um pedido de socorro de mãe para mãe

Maria Carolina Rodrigues Souza, entregadora do Distrito Federal e representante do coletivo feminino Moto Brabas, compartilhou um depoimento comovente. Mãe solo, ela contou que entrou no aplicativo durante a pandemia após fechar sua pizzaria. Sofreu um acidente grave e hoje vive com sete pinos no ombro e limitação de movimento.

“Perdi 50% do movimento do meu braço direito. E meu filho de 12 anos já diz que quer virar motoboy para pagar a faculdade. Isso me corta o coração”, afirma a motogirl.

Ela relatou episódios de assédio, humilhações em restaurantes, e até situações em que foi trancada dentro de prédios durante entregas: “Eu só nunca fui assaltada. Mas todo tipo de situação negativa, eu já passei.”

Apesar de tudo, ela reconhece a importância do trabalho para sustentar sua família. “Sou muito grata ao aplicativo. Sempre fui uma boa motogirl, sempre trabalhei direito, e foi assim que sustentei meu filho. Mas isso não pode apagar as dificuldades que enfrentamos. Precisamos ser vistas, ouvidas e respeitadas.”

“Lei protege o produto, não o entregador”

Luiz Carlos Garcia Galvão, presidente do Sindicato dos Motociclistas Profissionais do DF, denunciou a lei 14.297/2020, que só garante seguro se o entregador estiver logado e em entrega. “É uma lei que protege o produto, não a vida do trabalhador. Se o motoca sofre um acidente fora de uma entrega, está desamparado”, destaca Luiz.

Ele destacou que a jornada de trabalho desses profissionais chega a ultrapassar 16 horas diárias. “Eles trabalham de 8h da manhã até meia-noite. E dizem que a CLT não compensa? Trabalhar 44 horas semanais seria muito melhor do que essa exaustão que vemos hoje”, afirmou. Como alternativa, defendeu a criação de acordos coletivos de trabalho, citando a Convenção Coletiva firmada com o Sindobá (MR 02.29041/2024), que estabelece direitos como piso salarial de R$ 1.701,32, adicional de periculosidade, auxílio-refeição, aluguel da moto e taxa mínima por entrega.

Um dos dados mais alarmantes apresentados na audiência foi o crescimento de 180% nos acidentes com entregadores no Distrito Federal nos últimos dois anos — número publicado em reportagem do Correio Braziliense no dia 18 de maio de 2025. “O governo federal está assumindo uma responsabilidade que deveria ser das plataformas. Elas lucram bilhões e tratam os trabalhadores como números. Quem paga o preço é a família.”

Nota de transparência: Esta matéria foi produzida com o apoio de inteligência artificial e revisada por um jornalista do 55content.

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